AS MULHERES POETAS NA
LITERATURA BRASILEIRA (20)
LAURA ESTEVES poeta carioca, faz parte do grupo
Poesia Simplemente. Seu primeiro livro de poemas, Transgressão, foi publicado
em 1997. O segundo, Como água que brota na fonte, em 2000 . O terceiro, Rastros
- poemas escolhidos, em 2006,
Finalmente, em 2008, Cinquenta poemas escolhidos. Curadora do Forum
Poesia ( UFRJ, em 2005, 2006 e 2007), foi uma das premiadas do “Concurso Contos
do Rio”/2004, do jornal “O Globo”.
COMUNHÃO
Minha caneca de ágata
era de um
azul-que-não-mais-existe.
Agora, só na minha
memória,
nesta vontade de voltar ao
Engenho-Novo,
puxar a saia da mãe
e receber a caneca de suas
mãos:
o pão molhado no
café-com-leite.
Minha hóstia. Aqui, mãe:
eu necessito.
Lobisowoman
Desvairada, arranho tua
aura com unhas de siamesa.
Corça, atravesso tua rua e
teu corpo de um salto.
lambo tua nuca com língua
de tigresa.
Estraçalho tua roupa com
meu canino dente.
Égua, te enlouqueço em meu
galope.
Saciada a fêmea, me
protejo em teu colo:
mulher/menina/adolescente.
Ah! Mas, não tem jeito...
é da minha essência,
da minha natureza.
Me transformo, novamente:
gata/corça/cadela/égua/tigresa.
E, te devoro num instante,
com unhas,
dentes/tridentes,
nessa mesa de banquete.
Rastros
Perguntas tanto...
Queres me conhecer inteira.
Impossível! Impossível!
Existem apenas vestígios.
Em meus andares, vou
deixando rastros.
Pegadas que sinalizam quem
sou.
É só ficares atento
ao vestido sobre a
cadeira,
às dobras do meu casaco,
às sobras do meu sorriso,
ao meu olhar triste e
opaco.
É só prestares atenção
ao meu resto de bebida,
intacto, no fundo do copo;
ao que desenho no papel
quando estou bem
distraída;
ao jeito como fecho a
porta
e como toco a campainha.
Repara aquela natureza
morta
junto ao degrau da escada,
meu belo bule de barro,
a colcha de barra bordada
e a flor que murcha no
jarro.
Poemas também deixam
vestígios.
Metáforas, alegorias.
Por eles, se chega a
atalhos,
retalhos de toda uma vida.
Se queres um pouco de mim,
procura em minha poesia.
SUSANNA BUSATO (1961),
poeta paulistana, doutora em Letras (UNESP/São José do Rio Preto) e mestre em
Comunicação e Semiótica (PUC/SP). Professora de Poesia Brasileira na UNESP de
SJRP. Prêmio Mapa Cultural Paulista, categoria Poesia, em junho de 2010. Tem
poemas publicados na Revista Cult, Revista Brasileiros e nas revistas
eletrônicas Zunái e Aliás e ensaios na Cronópios e Gérmina e outras revistas
acadêmicas.
CURTO-CIRCUITO
curto
circuito
raio
trombeta
na tua corrente
elétrica
me viro
capoto
estopim
de baioneta
LUA NOVA
a lua
está cheia
de ti
a lua
quer
a mim
nova
mente
nua
de
ti
UM CASO DE AMOR
Para
esta São Paulo de 458 anos,a cidade das minhas eternas paixões.
Asfalto fuga e fumaça
Suas trilhas nefastas
Perseguem as minhas
Na prega da saia
No beijo do vento
Na flor descoberta
Vermelha no centro.
Cidade de azuis
clandestinos
Couraça de pó e cimento
Me abraça como um noivo
E me lança viadutos
adentro.
Me entontece nas curvas
Me sussurra nos trilhos
Encruzilhadas de amor
eterno.
É assim que te quero
Na volúpia pneumática das
esquinas
Inteira como as avenidas
Da minha Paulista humana
loucura.
VALÉRIA TARELHO (1962)
poeta santista, formou-se em direito, mas optou pelos caminhos da poesia. Tem
participado de leituras públicas (Casa das Rosas e Itaú Cultural), integra o
quadro de colaboradoras fixas da revista escritoras suicidas e publica
trabalhos nos sites Blocos, Germina e Usina de Letras. Publicou o livro Sol a
Cio(2010) e participou do Livro da Tribo.
mil mulheres
se acotovelam
dentro de mim.
mil e uma
me revelam.
nenhuma
sabe de si.
tântricos
até não se sabe
quando
o nosso caso
de instantes
o manso toque
até distantes
o fácil truque
de aprendizes
a nossa troca
às no trânsito
[ e todos os trâmites
que passamos
somando pânico
somatizando [d]anos
posterizando a matiz
do inconstante ]
até quando
não se sabe
estamos
em transe
............................................................................
meu sonho alado
voa alto
desgovernado
quando caio na real
é pena
p r a t o d o
l a d o
VIVIANE MOSÉ (1964 ) poeta
capixaba, psicanalista e filósofa, ganhou extrema notoriedade ao trazer temas
da filosofia para a linguagem cotidiana em programas de televisão. É
nietzschiana –sua tese de doutorado é sobre o grande solitário --e estreou em
livro com Escritos(1990). Outros títulos: Receita Para Lavar Palavra
Suja(2004), Pensamento Chão (2007) Toda Palavra(2008).
Toda Palavra
Procuro uma palavra que me
salve
Pode ser uma palavra verbo
Uma palavra vespa, uma
palavra casta.
Pode ser uma palavra dura.
Sem carinho.
Ou palavra muda,
molhada de suor no esforço
da terra não lavrada.
Não ligo se ela vem suja,
mal lavada.
Procuro uma coisa qualquer
que saia soada do nada.
Eu imploro pelos verbos
que tanto humilhei
e reconsidero minha
posição em relação aos adjetivos.
Penso em quanta fadiga me
dava
o excesso de frases
desalinhadas em meu ouvido.
Hoje imploro uma fala
escrita,
não pode ser cantada.
Preciso de uma palavra
letra
grifada grafia no papel.
Uma palavra como um porto
um mar um prado
um campo minado um
contorno
carrossel cavalo pente
quebrado véu
mariscos muralhas manivelas navalhas.
Eu preciso do escarcéu
soletrado
Preciso daquilo que havia
negado
E mesmo tendo medo de
algumas palavras
preciso da palavra medo
como preciso da palavra morte
que é uma palavra triste.
Toda palavra deve ser
anunciada e ouvida.
Nunca mais o desprezo por
coisas mal ditas.
Toda palavra é bem dita e
bem vinda.
PRA LAVAR PALAVRA SUJA
Mergulhar a palavra suja
em água sanitária,
Depois de dois dias de
molho, quarar ao sol do meio dia.
Algumas palavras quando
alvejadas ao sol
adquirem consistência de
certeza,
por exemplo a palavra
vida.
Existem outras e a palavra
amor é uma delas
que são muito encardidas e
desgastadas pelo uso,
o que recomenda esfregar e
bater insistentemente na pedra,
depois enxaguar em água
corrente.
São poucas as que ainda
permanecem sujas
depois de submetidas a
esses cuidados
mas existem aquelas.
Dizem que limão e sal
tiram as manchas mais difíceis e nada.
Todas as tentativas de
lavar a piedade foram sempre em vão.
Mas nunca vi palavra tão
suja
como a palavra perda.
Perda e morte na medida em
que são alvejadas,
soltam um líquido
corrosivo
—que atende pelo nome de
amargura—
capaz de esvaziar o vigor
da língua.
Nesse caso o aconselhado é
mantê-las sempre de molho
em um amaciante de boa
qualidade.
Agora se o que você quer
é somente aliviar as
palavras do uso diário,
pode usar simplesmente
sabão em pó e máquina de lavar.
O perigo aqui é misturar
palavras que mancham
no contato umas com as
outras.
A culpa, por exemplo,
mancha tudo que encontra
e deve ser sempre clareada
sozinha.
Uma mistura pouco
aconselhada é amizade e desejo,
já que desejo sendo uma
palavra intensa, quase agressiva,
pode, o que não é
inevitável,
esgarçar a força delicada
da palavra amizade.
Já a palavra força cai bem
em qualquer mistura.
Outro cuidado importante é
não lavar demais as palavras
sob o risco de perderem o
sentido.
A sujeirinha cotidiana
quando não é excessiva
produz uma oleosidade que
conserva a cor
e a intensidade dos sons.
Muito valioso na arte de
lavar palavras
é saber reconhecer uma
palavra limpa.
Para isso conviva com a
palavra durante alguns dias.
Deixe que se misture em
seus gestos
que passeie pelas
expressões dos seus sentidos.
Á noite, permita que se
deite,
não a seu lado, mas sobre
seu corpo.
Enquanto você dorme
a palavra plantada em sua
carne
prolifera em toda sua
possibilidade.
Se puder suportar a
convivência
até não mais perceber a
presença dela,
então você tem uma palavra
limpa.
Uma palavra limpa é uma
palavra possível.
Tudo o que vejo
Era tarde nas janelas da
sala,
Um gosto de tarde que eu
queria lamber.
Tenho vontade de lamber as
coisas que gosto,
Mesmo as que não gosto
costumo lamber sem querer.
Às vezes com a língua
mesmo.
Molhada e escorrida.
Outras vezes uso a língua
da palavra,
Quando tem cheiros ruins
Ou asperezas estranhas ao
paladar de minha pessoa,
Ou por nada mesmo por
gosto
Passo a língua nas coisas
que vejo
E passo as coisas que vejo
pra língua.
Rubens Jardim,
67 anos, jornalista e poeta. Foi redator chefe Gazeta da Lapa e
trabalhou no Diário Popular, Editora Abril e Gazeta Mercantil.
Participou de várias antologias e é autor de três livros de poemas:
ULTIMATUM (1966), ESPELHO RISCADO (1978)e CANTARES DA PAIXÃO (2008).
Promoveu e organizou o ANO JORGE DE LIMA em 1973, em comemoração aos 80
anos do nascimento do poeta, evento que contou com o apoio de Carlos
Drummond de Andrade, Menotti del Picchia, Cassiano Ricardo, Raduan
Nassar e outras figuras importantes da literatura do Brasil. Organizou e
publicou JORGE, 8O ANOS - uma espécie de iniciação à parte menos
conhecida e divulgada da obra do poeta alagoano. Integrou o movimento
CATEQUESE POÉTICA, iniciado por Lindolf Bell em 1964, cujo lema era: o
lugar do poeta é onde possa inquietar. O lugar do poema são todos os
lugares... Participou da I Bienal Internacional de Poesia de Brasília
(2008) com poemas visuais no Museu Nacional e na Biblioteca Nacional.
Fez também leituras no café Balaio, Rayuela Bistrô e Barca Brasília. E
participou da Mini Feira do Livro, com o lançamento de Carta ao Homem do
Sertão, livro-homenagem ao centenário de Guimarães Rosa. Teve poemas
publicados na plaquete Fora da Estante, (2012), coleção Poesia Viva, do
Centro Cultural São Paulo. Páginas na Internet: Site: Rubens Jardim e Facebook: Rubens Jardim
Nenhum comentário
Postar um comentário