Dalton Trevisan
(O Vampiro de Curitiba)
"O que não me contam,
eu escuto atrás das portas. O que não sei,
adivinho e, com sorte,
você adivinha sempre o que,cedo ou tarde, acaba
acontecendo."
" — Não vou responder
às perguntas simplesmente porque não posso, é verdade; sou arredio, ai de
mim! Incurávelmente tímido (um pouco
menos com as loiras oxigenadas!)." Já se escreveu e se comprovou que os demais
vampiros não podem encarar, sem pânico, um crucifixo. Ou réstias de alho, água
corrente cristalina... Dalton não pode ver um jornalista. Vendo, foge,
literalmente foge, apavorado. Suas raras fotos surgidas na imprensa foram
feitas às escondidas, como a que utilizamos para ilustrar esta página.
Nascido em 14 de junho de
1925, o curitibano Dalton Jérson Trevisan sempre foi enigmático. Antes de
chegar ao grande público, quando ainda era estudante de Direito, costumava
lançar seus contos em modestíssimos folhetos. Em 1945 estreou-se com um livro de
qualidade incomum, Sonata ao Luar, e, no ano seguinte, publicou Sete Anos de
Pastor. Dalton renega os dois. Declara não possuir um exemplar sequer dos
livros e "felizmente já esqueci aquela barbaridade".
Entre 1946 e 1948, editou
a revista Joaquim, "uma homenagem a todos os Joaquins do Brasil". A
publicação tornou-se porta-voz de uma geração de escritores, críticos e poetas
nacionais. Reunia ensaios assinados por Antonio Cândido, Mario de Andrade e
Otto Maria Carpeaux e poemas até então inéditos, como O caso do vestido, de
Carlos Drummond de Andrade. Além disso, trazia traduções originais de Joyce,
Proust, Kafka, Sartre e Gide e era ilustrada por artistas como Poty, Di Cavalcanti
e Heitor dos Prazeres.
Walmir Americo Orlandeli é
cartunista e ilustrador
Já nessa época, Trevisan
era avesso a fotografias e jamais dava entrevistas. Em 1959, lançou o livro
Novelas Nada Exemplares - que reunia uma produção de duas décadas e recebeu o
Prêmio Jabuti da Câmara Brasileira do Livro - e conquistou o grande público.
Acresce informar que o escritor, arisco, águia, esquivo, não foi buscar o
prêmio, enviando representante. Escreveu, entre outros, Cemitério de elefantes,
também ganhador do Jabuti e do Prêmio Fernando Chinaglia, da União Brasileira
dos Escritores, Noites de Amor em Granada e Morte na praça, que recebeu o Prêmio
Luís Cláudio de Sousa, do Pen Club do Brasil. Guerra conjugal, um de seus
livros, foi transformado em filme em 1975. Suas obras foram traduzidas para
diversos idiomas: espanhol, inglês, alemão, italiano, polonês e sueco.
Dedicando-se
exclusivamente ao conto (só teve um romance publicado: "A
Polaquinha"), Dalton Trevisan acabou se tornando o maior mestre brasileiro
no gênero. Em 1996, recebeu o Prêmio Ministério da Cultura de Literatura pelo
conjunto de sua obra. Mas Trevisan continua recusando a fama. Cria uma
atmosfera de suspense em torno de seu nome que o transforma num enigmático
personagem. Não cede o número do telefone, assina apenas "D. Trevis"
e não recebe visitas — nem mesmo de artistas consagrados. Enclausura-se em casa
de tal forma que mereceu o apelido de O Vampiro de Curitiba, título de um de
seus livros.
"O
"Nélsinho" dos contos originalíssimos e antológicos, é considerado
desde há muito "o maior contista
moderno do Brasil por três quartos da melhor crítica atuante".
Incorrigível arredio, há bem mais de 35 anos, com com um prestígio incomum nas
maiores capitais do País. Trabalhador incansável, fidelíssimo ao conto, elabora
até a exaustão e a economia mais absoluta, formiguinha, chuvinha renitente e
criadeira, a ponto de chegar ao tamanho do haicai, Dalton Trevisan insiste
ontem, hoje, em Curitiba e trabalhando sobre as gentes curitibanas
("curitibocas", vergasta-as com chibata impiedosa) e prossegue, com
independência solene e temperamento singular, na construção e dissecação da
supra-realidade de luas, crianças, amantes, velhos, cachorros e vampiros. E
polaquinhas, deveras."
Em 2003, divide com
Bernardo Carvalho o maior prêmio literário do país — o 1º Prêmio Portugal
Telecom de Literatura Brasileira — com o
livro "Pico na Veia".
Livros
Publicados:
- Abismo de Rosas
- Ah, É?
- A Faca No Coração
- A Guerra Conjugal
- A Polaquinha
- Arara Bêbada
- A Trombeta do Anjo
Vingador
- Capitu Sou Eu
- Cemitério de Elefantes
- 111 Ais
- Chorinho Brejeiro
- Contos Eróticos
- Crimes de Paixão
- Desastres do Amor
- Dinorá - Novos Mistérios
- 234
- Em Busca de Curitiba
Perdida
- Essas Malditas Mulheres
- Gente Em Conflito (com
Antônio de Alcântara Machado)
- Lincha Tarado
- Meu Querido Assassino
- Morte na Praça
- Mistérios de Curitiba
- Noites de Amor em Granada
- Novelas nada Exemplares
- 99 Corruíras Nanicas
- O Grande Deflorador
- O Pássaro de Cinco Asas
- O Rei da Terra
- O Vampiro de Curitiba
- Pão e Sangue
- Pico na veia
- Primeiro Livro de Contos
- Quem tem medo de
vampiro?
- 77Ais
- Vinte Contos Menores
- Virgem Louca, Loucos
Beijos
- Vozes do Retrato -
Quinze Histórias de Mentiras e Verdades
- Macho não ganha flor
(Todos os livros
publicados pela Editora Record - Rio de Janeiro, exceto "Vozes do Retrato
- Quinze Histórias de Mentiras e Verdades" e "Quem tem medo de
vampiro?", publicados pela Editora Ática - São Paulo, "77 Ais",
impresso pelo autor em papel jornal; "O Grande Deflorador" , "99
Curuíras Nanicas" e "111 Ais", L&PM - Porto Alegre).
Livros
renegados pelo autor:
- Sonata ao Luar
- Sete Anos de Pastor
(Primeiros livros
publicados, que o autor renega. Editores desconhecidos).
No
Exterior:
- Novela Nada Ejemplares -
trad. Juan Garcia Gayo, Monte Avila - Caracas
- The Vampire of Curitiba
and Others Stories - trad. Gregory Rabassa, Alfred A. Knopf, Nova Iorque
- De Koning Der Aarde (O
Rei da Terra) - trad. August Willemsen, Amsterdam
- El Vampiro de Curitiba -
trad. Haydée M.J.Barroso, Ed.Sudamericana - Buenos Aires
- De Vijfvleugelige Voguel
(O Pássaro de Cinco Asas) - trad. A. Willemsen, Amsterdam
Antologias:
- Contos em antologias
alemãs (1967 e 1968), argentinas (1972 e 1978), americanas (1976 e 1977),
polonesas (1976 e 1977), sueca (1963), venezuelana (1969), dinamarquesa (1972)
e portuguesa (1972).
Filmes:
- A Guerra Conjugal -
histórias e diálogos do autor, roteiro e direção de Joaquim Pedro de Andrade,
1975.
Minha
Vida Meu Amor
Olha minha vida meu amor
Há muito não és mais meu
Toda a loucura que fiz
Foi por você
Que nunca me deu valor
Por isso perdeu tua mulher
E teus filhos
Não posso com esta cruz
Acho muito pesada João
Você vem me desgostando
A ponto de me por no
hospício
Uma vez conseguiu
Mas duas não
Aqui ô babaca
De tuas negras
Que nem os filhos se
interessou
De batizar na igreja
Você só vai no bar do Luís
Outro boteco não achou
Mais perto da tua família
Só me operei que você
obrigou
Agora não presto
Já não sirvo na cama?
Quis fazer de mim
A última mulher da rua
Mas não deixei
Por tua causa amor
Eu morro pelada
Abraçada com os dois
anjinhos
No fundo do poço
Amor desculpe algum erro
E a falta de vírgula
FOLHA DE SÃO PAULO,
27/11/1983
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