AS MULHERES POETAS NA
LITERATURA BRASILEIRA (21)
AMNERES, poeta paraibana,
mora em Brasília desde 1979.É formada em letras e em jornalismo pela UNB.
Promove e participa de leituras públicas. Publicou Humaníssima Trindade
(1993),Rubi (1997), Razão do Poema (2000) e Entre Elas (2004). Estreou com a
antologia Emquatro (1985) em parceria com mais três poetas brasilienses.
Soneto
Antes que o tempo
transborde
antes que a nascente
estanque
antes que o desejo murche
e o outono se achegue.
Antes
Que os olhos se embaracem
sob o impacto da velhice
(como se a alma dançasse
e o corpo só assistisse)
Antes que a luz esmoreça
antes que o dia anoiteça
toma-me, amor, uma vez
mais
Antes, amor, que eu te
esqueça
antes que a chama adormeça
como a espuma se desfaz.
Gaivota
Como uma corça,
A poesia me alcança
E sopra em mim brisa
morna,
Sereno, centelha,
esperança.
Como uma puta,
A poesia se apossa de mim,
Carne viva, e me excita
E de esperma me ensopa.
Como uma rosa,
Uma mina, uma luz,
Pedra preciosa,
A poesia seduz.
Como uma Lãmina,
A poesia em mim corta,
Faca afiada me esgarça
E me encharca e me aborta.
Como enseada
De aldeia remota,
a poesia gaivota em mim
voa
e liberta e arrebata.
Como uma enchente
Na veia dos dias,
A poesia transborda,
Torrente, vazão,
travessia.
Auto-retrato
Eu sempre andei assim
quase absorta
quase abstrata
quase perdida
Eu sempre entristeci
quase obscura
quase culpada
quase escondida
Eu sempre amei assim
quase obscena
quase extremada
quase exaurida
Eu sempre percebi
ser esquisita
quase obtusa
quase maldita
Eu sempre fui assim
quase uma atriz
sonhando ser o amor
e ser a amada
Eu sempre fui assim
quase exaltada
quase encantada
quase feliz.
VERA AMERICANO, poeta mineira, residiu entre Goiás, Rio de
Janeiro e, mais tarde, em Brasília. Estudou Letras na UNB, e fez mestrado em
Literatura Brasileira na PUC/RJ. Atualmente, trabalha na Consultoria Legislativa
do Senado Federal, na área de cultura e patrimônio histórico. Publicou os
livros A hora maior (1970) livro premiado pela UBE e Arremesso Livre (2004)
Duplo mortal
Postar-se
no desvão
entre dois argumentos,
por dois segundos.
Respirar
economicamente
entre duas palavras,
duas ondas
muito crespas.
Decidir
em sânscrita ilusão:
viver
ou deixar para mais tarde.
Pequeno Roteiro Tenso
A palavra exata
Desferida
Do último pavimento
Abre uma cratera
Extravagante
na certeza absoluta.
Cratera
Daqui
pode-se ver:
a eternidade
termina
logo ali.
Filme noir
Um silêncio oco, de
catedral,
passos ressoam,
uma porta bate.
Se você não percebeu,
fui eu,
definitivamente.
CLAUDIA ROQUETTE PINTO
(1963) poeta carioca, formou-se em
tradução literária ,dirigiu o jornal cultural Verve e começou a publicar nos
anos 90. Já tem cinco livros de poesia publicados: Os Dias Gagos (1991), Saxífraga (1993); Zona de Sombra (1997); Corola (2001 – Prêmio
Jabuti de Poesia/2002) e Margem de Manobra (2005).
POEMA SUBMERSO
olho: peixe-olho que
desvia a mão enguia
a pele lisa a
té o umbigo e logo
a flora de onde aflora
(na virilha) o
barbirruivo a
ceso bruto an
fíbio: glabro
dedos tão tentáculos
e crispam esmer
ilham dorso abaixo a
cima abaixo brilha
o esforço — bravo
peixe tentando
escapar mas
ei-lo ao pé da frincha que
borbulha (esbugalha?)
roxo incha e mergulha em
brasa estala
e agora murcha
peixe-agulha e
vaza
vaza
a Novalis
Ainda úmidas sobre a
folha,
orvalho escuro que pousa
na pele,
imperiosa e nua.
Mal desgarradas da pena,
cada pequena curva
tatua as ideias na
superfície ácida.
Isto imagino,
se te vejo debruçado
sobre a mesa o penhasco
olhos anoitecidos
despencando no hiato das
ventanias.
Isto, enquanto imprimo
os teus Hinos à Noite
nestas folhas ordinárias,
palavra por palavra
coagulando
na brancura ininterrupta,
saídas
da boca da máquina
como uma carta pela fenda
da porta
duzentos anos mais tarde e
úmidas, ainda.
O torneado...
O torneado hábil das
palavras
o dissonante vão das
consoantes
não podem mais – nem por
um instante –
buleversar o meu pequeno
alento.
E já nem tento, ainda que
fugaz
fosse o prazer no momento
do encontro
satisfazer com tais
materiais
minha volúpia pelo
contratempo.
Abandonar o ritmo, eis
tudo:
mudar de logradouro – ou
de logro –
que isso de escrever é
jogo
perdido de antemão, no
mano a mano.
Mas sem ressentimento: o
mais são nuvens,
e todos os poemas um
engano.
O naufrago
No escuro sobre o vazio
sem o feroz feitiço
do exato, exausto
me estico no penhasco,
roto, desacreditado
de um possível ganho no
encalço
de tudo o que é fugidio.
Eu me desaproprio
daquilo que tinha por meu,
me escuto uma primeira
vez,
estrídulo, estranho.
Se desabotôo por dentro,
o frio, ao menos,
me dá a impressão que eu
existo.
Nu e em desabalo
(íntimo, que não me movo
desfio o percurso de novo,
procuro nos intervalos
onde dorme a explicação
o hiato de titubeio,
o desvio inevitável.
Até isso que formulo
se esboroa e se anula
agora que o enuncio.
Nada me avia.
Queimo até o fim o pavio.
A escada de jacó
Ela estava rindo
- e gargalhava, até -
antes do choro convulsivo
ante o relance
de céu adquirido - pelo
corpo?
Sim, o corpo era o caminho
mas outra coisa nela se
movera
e agora erguia seu
rodamoinho
pelos canais,
enquanto o corpo, outro,
tiritava, transitava sem
piloto
do nulo à súbita doçura,
ao tigre, ao terremoto,
à menina que ela tinha
sido
- perto demais da zona de
perigo,
perto do exílio -
e, um segundo atrás, a
escada,
os anjos subindo.
ZÉLIA BORA poeta
paraibana, escritora, crítica literária e professora. A autora tem doutorado em
Estudos Portugueses e Brasileiros, pela Brown University, USA e atualmente é
professora de Literatura Brasileira da Universidade Federal da Paraíba.
Publicou A Grande Mãe e outros poemas( 2006) e De Eloísa para Abelardo, poemas
jamais escritos (2008)
Eis o meu pedaço de mundo
A PALAVRA
vida que me sustenta
meu cotidiano
horizonte de minha vida
e de minha morte
vago nesse mundo das
coisas
como o Absoluto
não resisto à experiência
dos objetos
que me cercam:
sol
mar
pássaros
estrelas
eis a linguagem infinita
das coisas.
***
Me possuo,
desabrochada em pura
felicidade do momento
pacto secreto da finitude.
Me possuo,
como a erupção do meu
absoluto.
Meu Outro,
alma exilada que agora volta para casa
saciada de tantas viagens
TU, meu verdadeiro outro
***
Mergulho em ti.
Sou esse ente desenraizado
que se dá ao extremo...
e convida-te
a assumir o teu próprio ser
para além dos nossos corpos.
Não te percas nas possibilidades
fatuais, pois
A MORTE É CERTA.
Acompanha-me vida minha
encontra esse outro modo da certeza
que emerge dessa estranha alegria.
A Garcia Lorca
Inventei uma dedicatória
santa,
como se tu tivesses
oferecido a mim o teu último poema.
Assim, pensei arrancar de
ti o fluxo poético desta
descontinuidade chamada
vida,
interrompido pela morte
assassina.
Porém, sabias que bendita
e antiga é a morte
e então, aprendeste a
aplacar esta agonia difícil
de conter
chamada vida,
comunicada pela ilusão das
palavras.
Por isso penso:
é tempo de arrancar de mim
essa agonia,
esse amor incurável de
inventar,
não mais resistir ao apelo
impessoal e
descomedido das palavras
que atordoam o espírito
como uma dor pungente
de adeus.
Ainda assim, entrego-me à
solidão das palavras.
Rubens Jardim,
67 anos, jornalista e poeta. Foi redator chefe Gazeta da Lapa e
trabalhou no Diário Popular, Editora Abril e Gazeta Mercantil.
Participou de várias antologias e é autor de três livros de poemas:
ULTIMATUM (1966), ESPELHO RISCADO (1978)e CANTARES DA PAIXÃO (2008).
Promoveu e organizou o ANO JORGE DE LIMA em 1973, em comemoração aos 80
anos do nascimento do poeta, evento que contou com o apoio de Carlos
Drummond de Andrade, Menotti del Picchia, Cassiano Ricardo, Raduan
Nassar e outras figuras importantes da literatura do Brasil. Organizou e
publicou JORGE, 8O ANOS - uma espécie de iniciação à parte menos
conhecida e divulgada da obra do poeta alagoano. Integrou o movimento
CATEQUESE POÉTICA, iniciado por Lindolf Bell em 1964, cujo lema era: o
lugar do poeta é onde possa inquietar. O lugar do poema são todos os
lugares... Participou da I Bienal Internacional de Poesia de Brasília
(2008) com poemas visuais no Museu Nacional e na Biblioteca Nacional.
Fez também leituras no café Balaio, Rayuela Bistrô e Barca Brasília. E
participou da Mini Feira do Livro, com o lançamento de Carta ao Homem do
Sertão, livro-homenagem ao centenário de Guimarães Rosa. Teve poemas
publicados na plaquete Fora da Estante, (2012), coleção Poesia Viva, do
Centro Cultural São Paulo. Páginas na Internet: Site: Rubens Jardim e Facebook: Rubens Jardim
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