Ádila J. P. Cabral -
Nasceu em Belém-Pa. Mas cresceu em uma cidade pequena do interior chamada São
Domingos do Capim-pa. Professora, formada em pedagogia/especialista em
psicopedagogia.
Desde que me entendo por
gente eu gosto de ler e li de tudo. Devorava livros e não demorou encontrar a
poesia de Castro Alves, Florbela Espanca, e outros. E desse gosto pela leitura
surgiu o desejo de escrever.
Eu, sem o pai (morto
quando eu ainda era criança). Eu sem irmãs. Minha mãe professora (durante o dia
e a noite). Apenas dois irmãos. A fuga, a entrega à escrita foi um bem. Um
encontro.
A cidadezinha de interior
cercada pela mata, rios e igarapés. Imersas em suas próprias lendas, nascida do
imaginário popular, deu campo a uma imaginação extremamente fértil. Sempre
apaixonada por essa natureza amazônica. Essa força deslumbrante que rege a vida
do amazonida, do ribeirinho. Um universo próspero e misterioso me fez criar um
mundo fantástico. Tinha pra mim que minha casa estava entre fadas e duendes
perto de algum grande mistério. E fazia de cada momento um grande
acontecimento. Eu sou uma imaginadora que se fez escritora.
Minha poesia não reflete
apenas sentimentos meus. Mas os das outras pessoas. Pelas observações que faço.
Situações que me são muito incômodas, que me afligem e que não posso intervir
ou modificar. Mas que me atingem profundamente e me trazem angústias. A poesia
é um alívio e um canal para dar vazão.
Sempre gostei muito de
escrever sobre natureza. Que é algo que fala muito alto em mim. Mas hoje em dia
trago uma poesia mais escura, com um teor mais melancólico, talvez sombrio.
Mas, não pensem que sou infeliz. Na verdade essa poesia é uma forma de protesto
contra as injustiças que sofri e que vejo outras pessoas sofrerem. Na maioria
das poesias eu falo do medo, da morte, da escuridão e do frio. Há quem não
goste. Mas no fundo, no fundo. É só um grito, um pedido, um apelo pelo fim
dores que assolam as nossas vidas.
São Domingos do capim
Quando olho as tuas águas
Encho-me de saudade.
De tudo o que já me destes,
Mas que hoje já não tenho.
O teu cheiro de infância.
E o sorriso dos amigos que já partiram.
Saudade de algum lugar escondido
E cheio de encanto,
Que guardarei para sempre,
Na alma.
Pororoca
O mururé viaja na
pororoca.
O mururé engata na
ribanceira
E some no redemoinho.
A pororoca rola e emborca
o barco e o corpo
Na tarde quente, e some no
fundo do rio.
Mururé reaparece e
acompanha a pororoca
Que reboca o capinzal, o
matagal,
A gente toda. Os bichos
também.
As árvores se retorcem
E se inclinam para o
Capim.
E são arrastadas pelo
Guamá.
Miritis, piquiás, tucumãs.
Rolam na corrente das
águas.
Logo vem a maresia.
E o banzeiro de ronco
surdo traz a água barrenta.
O céu ficou baixo? Ou foi
o rio que ficou alto?
O ribeirinho vê a pororoca
E o mururé invade o
igarapé.
A canoa do homem corta a
água,
Vai pescar tucunaré,
apanhar açaí,
Afinal, o tormento das
águas já passou,
Só ficou mesmo,
O cheiro da terra molhada.
Caminheiro
Sou eu quem cedo parte.
Precursor dos velhos
passos.
Os pés na terra seguem,
sempre.
Tão disformes tão
descalços.
Mas nunca choram pela dor
de caminhar.
Sou caminheiro desse mundo
fascinante.
Sou eu supremo.
Insurreto.
Delirante.
Sou eu repleto.
Mas sem nunca ter
bastante.
Sou eu quem segue nessa
estrada
Sem parar.
Avanço lento nessa pressa
de chegar.
Sem ter um porto.
Sem um ninho pra pousar.
Bebendo chuva e vomitando
O céu e o mar.
Expectativa
Maria anda na cidade
Pelas ruas.
Na simplicidade
Do seu dia-a-dia.
Procura sua lida diária
Faz automaticamente
Expectativa?
Não há.
Maria resiste ao tempo
Até onde pode.
Mas se morre, continua,
Existirá sempre.
Na vida de outras Marias,
Na lida de tantas Marias,
Que a pobreza produzirá.
Estrelas
Estrelas florescem
No chão,
Nos sonhos que vem
E que vão.
Nas noites de estrelas
Ardentes
Deslizam delírios
Cadentes.
Plenitude sem fim
Na expansão.
Universo expandindo
Na mão.
Meio
Segues sempre o que sou
E me repartes.
A mim, encontras.
E revelas
Parte a parte.
Parte nua... Sou assim,
No fim da tarde.
Outra parte... Deixa
tarde,
Quando arde.
Reconstrução
Eu tenho desconstruído o
meu tempo.
Como quem desalinha as
bordas
Da alma e do coração.
Quero me vestir das
simplicidades
Das coisas que aí estão.
Estas roupas tão pesadas,
Que eu uso.
E que prendem ao chão.
Eu não preciso delas
Eu não nasci com elas.
Dispo-me delas, então.
Eu devo reconstruir o
tempo
Alinhavar e costurar em
meu corpo
Essas coisas tão simples
pequenas,
Que juntas cabem na mão.
Como frutas, beijos,
amores.
Como danças, perfumes,
sabores,
Como nuvens, espelhos, e
cores.
Como asas, destinos e
flores.
Asa
Hoje eu quero me despir
De o frágil ser humano.
Fazer do sonho asa e voar
Subir, chegar aos céus.
Cansei-me do chão
E dos dias iguais.
Hoje eu quero me despir
De tudo que me faz cativo
E me vestir
De liberdade.
A paz
Que paz é essa que nos
espera
Atrás de tumbas solitarias
A sorrir-nos entre flores
delicadas?
É a paz dos desesperados
Dos que por essa vida
Seguem, sem sorrir.
Sem prazer nem alegria
Essa paz tão lentamente
Caminha
Entre as heras entre os
túmulos
E nos acena, e nos
espreita.
Exalando no ar
Um leve odor de rosas.
O que eu trago
Trago as doces nascentes.
Quem sabe nasça um rio em
meu peito.
Que me lave, que me leve,
no caminho de suas águas.
Trago as cantigas loucas.
Principalmente aquelas de
uma nota só.
Que encante a tristeza e
as lembranças que marcaram.
Trago um coração suburbano
Corajoso, destemido,
lutador.
Para fazer a esperança
florescer.
Trago um cigarro no
escuro.
Para ver o teu olhar,
satisfeito, no meu corpo.
Depois do nosso prazer.
Tua chegada
Eu pressinto os teus
passos à longa distância.
Por que as flores
enfeitam-se com esmero.
E as pedras desviam seus
cursos
Evitando interromper tua
trajetória.
Pressinto que chegas
célebre
Vens ao encontro do som do
meu sorriso.
Eu arrumo algumas
novidades
Para alegrar as primeiras
horas.
E as lembranças deixadas
sobre a mesa
Continuam lá, para que
também não esqueças.
E chegas por qualquer
motivo
Por qualquer descuido
dessa vida
Que te levou por quase uma
eternidade.
Obrigada por chegares,
assim.
Sem falta e tão cedo.
A essa minha morada
(Já tão fria e tão vazia)
Chamada coração.
Amor irreal
Nós somos indevidos para
ser amantes.
Somos infelizes.
Terrivelmente inconstantes,
Idealizamos por demais o
sonho de amar.
Vagamos juntos pela noite
à luz da lua.
Dormindo nus. Abandonados
pela rua.
Até à miséria queres me
acompanhar.
Todas as músicas que
escuto também amas.
Todas as odes que aprecio
tu declamas.
Minhas palavras direcionam
o teu falar.
Se eu sigo trilha, você
diz que também segue.
Se eu bebo vinho, você diz
que também bebe.
Eu determino você faz
executar.
Desejo um amor e não a
sombra da minha alma.
Desejo a ira e o abraço
que me acalma.
Não me cativas na tua
forma de se dar.
É impossível esse amor.
Estás tão perto!
E eu desconheço amor
perfeito. Assim, tão certo.
O amor é guerra! E eu
lutarei pra conquistar.
Estranhas torturas
Chegam-me pelas mãos das
pessoas
Que provocam meu falso sorriso
Plantando as horas vazias
no chão do meu tempo.
Caminham tragédias
contando as comédias
Das luzes, das noites que
vagam insones.
Oscilam nas sombras
destinos ocultos.
Peregrinam nas tortuosas
trilhas de paixões mutiladas.
E seguem nutrindo a tristeza das lágrimas
cúmplices.
E eu busco prosaicos
momentos, herança em ruína.
Dos olhos que cegam
contaminados pela dor.
Talvez no tumulto das
palavras caóticas
Habitem destinos marcando
precisos
Meus passos incertos
jazigos no escuro.
Necessito despir flores
mortas
Das sórdidas mãos que
torturam vidas
E sangram os sonhos. E
quem sabe a morte
Mantenha-me distante das
larvas nocivas.
Que brotam da terra dos
túmulos e mentes
E dos mesquinhos desejos
dos anjos profanos.
Sobre o Ser
Quando eu decidi ser
Foi preciso quebrar os
vínculos.
Com o habitual e o
convencional.
Foi preciso sentir-me
livre,
E viajar dentro de mim.
Ultrapassando obstáculos e
desafios.
Foi preciso recomeçar.
Rever, repensar,
reconstruir.
Foi preciso a ruptura
(ainda que dolorosa)
Com toda a opressão.
Com toda a estagnação.
Para que eu pudesse viver,
enfim,
As vidas que trago em mim.
Epitáfio
Aqui eu te amarei em
silêncio.
No mais profundo do meu
ser.
No meu mais verdadeiro
momento.
Não te direi.
Não saberás.
E o meu amor estará em
paz.
Livre
Um dia eu estarei sozinha
Mas não a ponto de não
poder tocar-me
Um dia eu estarei livre.
Mas não a ponto de não
poder ter-me
Um dia eu estarei triste
Mas não a ponto de não
poder fazer-me sorrir.
Um dia eu estarei perdida
Mas não a ponto de não
poder encontrar-me
E assim seguirei meu
caminho.
Tocando-me, tendo-me.
Sorrindo-me.
Encontrando-me.
Não
É horrível demais lá fora
Ficarei aqui dentro
Na segurança desse frio
espaço
Na paz da escuridão que
habita em mim.
Não
Eu não posso aceitar o
toque
Que me contamina
Que me deixa impura.
Eu estarei aqui e aqui
permanecerei.
Não
A dor que me toma é
extrema
É angústia sem nome.
Você nem queira saber o
quanto eu preciso
Descansar nesse túmulo
frio
Nessa minha fortaleza
Onde sou dona de mim.
Dedicatória
Que a tua vida seja.
Leve e mansa,
Como um sopro.
Doce e quente,
Como o sangue.
Suave e límpida,
Como uma lágrima de amor.
Ádila J. P. Cabral
Todos os direitos autorais reservados a autora.
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