AS
POETAS MULHERES NA LITERATURA BRASILEIRA (26)
RITA DE CÁSSIA
CAVALCANTE, poeta gaúcha, é professora
de literatura em Porto Alegre. Escreve na revista Argumento e no blog pessoal
Poética. Participou, em 2008, do concurso literário off flip e foi publicada na
coletânea junto de autores já conhecidos como Tanussi Cardoso, Márcia Maia,
Mônica de Aquino e Sonia Pereira.
Chega uma hora em que olha
no espelho e não encontra mais o avesso
a cara é só retrato 3x4 da
sua identidade emaranhada
o que há por trás é a casa
escura soando berros de alguma canção inominável
Memória tem cheiro de flor
em velório
doce cozinhando em panela
de vó
Se ainda acreditasse,
abriria as cortinas
chorava rios e fingia ser
feliz
Nem pra chover deus ajuda
tudo previsível como uma
penteadeira
beijos gastaram todo o
batom
mas restou o sangue
volúpia ardente na página
daquele livro
respiro o teu perfume
quando a noite insiste em
se fazer inteira
diante do espelho tudo é
nu
(gavetas também não
escolhem as lembranças)
Bossa
Não tenho mais tempo pras
palavras
Larguei da poesia
Não quero mais essa mesma
canção
Adeus, meu bem
Vou ser morena do samba de
alguém
ligação de cobrança
caminhão de gás
torneira mal fechada
construção no quintal ao
lado de casa
dança
mendigo pedindo moeda na
calçada
corpo pedindo água
cachaça
música ruim no rádio do
vizinho
telefone ocupado
tu
tu
tu
A vida é um disco riscado
CLAUDIA CORBISIER , poeta
e psicanalista carioca, com pós-graduação em psiquiatria no Instituto de
Psiquiatria da UFRJ e na Sorbonne, Paris V, Université René Descartes.
Atualmente doutoranda do Programa de Pós-Graduação de Psicologia da PUC, Rio de
Janeiro. Pesquisadora associada do LIPIS. Escreve no blog umdiaumgato.
Quero a vida assim
Amassada
Enrolada
Em papel de seda
Ou de jornal
Quero um colar bonito
De pérolas
Ou de botão
Quero um peito aberto
Cheio de cicatrizes
De lembranças
Do que foi
Do que não foi
Do que será
Quero as mãos raladas
mas
De unhas feitas
De cores diversas
Sempre abertas
Quero as pernas bambas
De sonhos insuspeitos
Dos carinhos exagerados
Quero o amor maior
A paixão que transtorna
Que transborda
Quero o fio da navalha
A faca que corta
O que não faz sentido
Quero o suor pingando
Das lutas reais
Quero da vida
O pedaço
Que mais arde
Que enlouquece
Quero o mais difícil
O que é real
Quero a verdade
Da dureza da rocha
Do perfume da rosa
Das entranhas expostas
Quero.
Memória
Mãe é amparo.
Estaca fincada na terra
na chuva, molha
no sol, seca
com o vento balança.
Mas fica ali.
As vezes nem sabe
que apóia ilusões,
que gera sonhos
que aninha sossegos.
É ponto cardeal
início à revelia
corrimão
jacarandá de sobrado
sino de mesa
carrilhão tocando
conversas de antigamente.
É tristeza do que não foi
de perguntas esquecidas
É imagem desdobrável
guardada
entre pesares e canduras
no porta-retrato
da memória.
AURORA
O SEGREDO APENAS SE
ESBOÇA,
O SENTIDO MURMURA,
PARA OS OUVIDOS ATENTOS,
UM ACALANTO INESPERADO.
AS PALAVRAS SE CRUZAM,
O SILENCIO ACORDA
SONHADORES DISTRAIDOS,
DE MUNDOS DISTANTES.
OS SINOS SE IMOBILIZAM,
OS OLHOS DESLIZAM,
DESPERTANDO ALMAS
INQUIETAS,
QUE DESCOBREM O BALANÇO DO
MUNDO.
Sou chão. Sangue. Cabelo
em pé. Ouvidos roucos. Voz estalada que nem ôvo. Sou pé na estrada. Mão na
contra-mão. Moleca de rua. Do olhar atento. Da alma rasgada. Da saia plissada.
Do sinal aberto. Do bambolê rodando. Sou mulher comum. Média. Com pão e manteiga.
ADRIANA ZAPPAROLI (1969)
poeta paulista, nasceu em Campinas, fez doutorado em farmacologia pela UNICAMP
e, em 2007, lançou seu livro de estréia, A flor-da-Abissínia, já tendo
publicado seus poemas em revistas impressas, como Etcetera, A Cigarra e Poesia
Sempre, e eletrônicas, como Zunái e Mnemozine. Escreveu o e-book de poesia: Erótica.
Mantém o blogue Zênite.
Rubro cântico
figurativo descanso
uma estrutura rubra
um olho-de-gato
equivocado
refletindo luz
intuitiva a poesia
num escuro
duma estrada
mal sinalizada
Num momento
roer
a unha telúrica
do tempo
saltar
para dentro
da vulva
no movimento
da válvula tricúspide
tugúrio
o tule abafa
o trilo da úvula
no dedo o gosto da uva
úmida
Tatue um poema
tatue um verso
dinodonte diminuto
em meu dorso
etéreo
reverso
tatue beijos
cabelos extensos
seu
rosto
tatue sentidos
discretos lábios
textos explícitos
arriscado fogo
astro
sem esforço tatue
um
imortal dionisíaco
tatue meu corpo
todo
poema inteiro
O olho do tigre
Pisando o chão novamente
sou alguém sobrevivendo
após um forte dilúvio.
Por mais que eu renegue a
vida
e dela seja o mais fiel
desertor
A morte, não a venci.
Da vida sou prisioneiro.
Não! Não! Não desisto!
Mesmo cansado bate em meu
peito
o instinto do predador.
O olho do tigre persegue
sua presa na noite,
é a emoção da luta
que cresce junto com o
desafio do rival.
Oh! devoro a vida!
Viva! Solto o último
suspiro
e parto em busca do
desconhecido.
VIRNA TEIXEIRA (1971)
poeta cearense, nasceu em Fortaleza e reside em São Paulo. Publicou três livros
de poemas Visita (2000), Distância (2005), e Trânsitos(2009), participou da
antologia Fin de Siècle (2007) e traduziu os poetas Edwin Morgan(escocês), Richard
Price (inglês).
NOITE
branca, a sala
a cor desta
ausência
teto
inalcançável
sofá, o vulto
imaginário
de um corpo.
HYDRA
Nas margens da ilha,
rochosa
Redemoinhos
de água
onde o monstro
marinho?
Havia um banco
de frente para o mar
Egeu.
A luz tênue
ao entardecer
outono
uma igreja deserta e a
fileira de casas, brancas
ao longe.
(tinha nove cabeças
a serpente)
Na colina, balidos
despertam
meus pensamentos.
As hidras internas
se recolhem.
Um pastor acena.
CHINATOWN
da bolsa de mão deixa cair
a arma
a dupla identidade da
assassina
suspense na sala de
espelho
disparos na sombra,
estilhaços
'em shanghai é preciso
mais que sorte'
na costa do atlântico
um vórtice de tubarões
feridos
tinge de sangue o oceano
o sol evanesce no poente
RÉQUIEM
onze meses depois:
uma pedra sobre o túmulo
reter apenas as
lembranças
necessárias
Rubens Jardim,
67 anos, jornalista e poeta. Foi redator chefe Gazeta da Lapa e
trabalhou no Diário Popular, Editora Abril e Gazeta Mercantil.
Participou de várias antologias e é autor de três livros de poemas:
ULTIMATUM (1966), ESPELHO RISCADO (1978)e CANTARES DA PAIXÃO (2008).
Promoveu e organizou o ANO JORGE DE LIMA em 1973, em comemoração aos 80
anos do nascimento do poeta, evento que contou com o apoio de Carlos
Drummond de Andrade, Menotti del Picchia, Cassiano Ricardo, Raduan
Nassar e outras figuras importantes da literatura do Brasil. Organizou e
publicou JORGE, 8O ANOS - uma espécie de iniciação à parte menos
conhecida e divulgada da obra do poeta alagoano. Integrou o movimento
CATEQUESE POÉTICA, iniciado por Lindolf Bell em 1964, cujo lema era: o
lugar do poeta é onde possa inquietar. O lugar do poema são todos os
lugares... Participou da I Bienal Internacional de Poesia de Brasília
(2008) com poemas visuais no Museu Nacional e na Biblioteca Nacional.
Fez também leituras no café Balaio, Rayuela Bistrô e Barca Brasília. E
participou da Mini Feira do Livro, com o lançamento de Carta ao Homem do
Sertão, livro-homenagem ao centenário de Guimarães Rosa. Teve poemas
publicados na plaquete Fora da Estante, (2012), coleção Poesia Viva, do
Centro Cultural São Paulo. Páginas na Internet: Site: Rubens Jardim e Facebook: Rubens Jardim
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