AS MULHERES POETAS NA LITERATURA
BRASILEIRA (29ª postagem)
GRAÇA VILHENA poeta
piauiense, de Terezina, é professora de língua portuguesa pela UFPI e leciona
literatura clássica. Integrou a chamada “geração do mimeógrafo” (anos 70),
participou da Antologia de poetas piauienses e cearenses e publicou Em todo
canto(1997) e Baião de Todos (1996).
GUARDADOS
Do tio que não conheci
tenho um pião de madeira
uma gravata de festa
e um retrato magro
coisas que me olham
quando me procuro
na inteireza das sobras
RECADO
Não velarei teu sono
e nem serei o aguador
de tuas palavras vidrosas.
creio nos galos
cantando até à grimpa
e nos cachorros
viralatindo as madrugadas.
A noite não é silenciosa
FIM DE MUNDO
Dentro das casas
Humildemente
o dia se dissolve
no bico das chaleiras
cadeiras obedientes
ensaiam danças
nas calçadas
e a moça espalha
sobre um bordado
uma possível felicidade.
MONARK
aquele menino
e sua monark
um craque
andava soltando as mãos
só com a roda traseira
um pé na sela
e os olhos em mim
foram as primeiras lições
sobre os perigos do amor
O
SINO DOS SINOS
Foi o cafuné
das andorinhas
que adormeceu
os sinos da
cidade.
VITÓRIA
LIMA
(1946) poeta recifense, mora em João Pessoa e leciona na UEPB, em Campina
Grande. É especialista em literatura de língua inglesa, grande estudiosa de
Shakespeare. Seus primeiros poemas apareceram tarde, em 1995, na Antologia
Contemporânea da Poesia Paraibana. Dois anos depois publicou o volume-solo Anos
Bissextos e, em 2007, o livro Fúcsia.
CIGANO
DESEJO
Meu desejo
anda de bonde,
patins e avião.
A pé, descalço,
de tênis
e camisão.
Meu desejo
anda tímido,
coitado.
Pega carona no vento,
no tempo,
anda na contramão.
Meu desejo
só não anda
satisfeito.
FANTASIA PARA UMA VISITA AO
SUPERMERCADO
...tendo ginsberg como guia
Fantasio
que um dia
o encontrarei
por entre as gôndolas
(de um supermercado)
fantasio que
ao levantar os olhos
das cebolas
lá estará ele —
seus olhos me
buscando
insistentemente
por entre os tomates
& as beterrabas
me atrapalho
nas compras:
preciso de chuchu —
levo rabanetes
ao nos cruzarmos de novo
por entre peixes e siris
trocamos risinhos cúmplices
—
já íntimos
& coniventes.
no caixa
(meio tímidos)
trocamos e-mails,
telefones
& marcamos encontro
para o próximo réveillon —
eu vou de rosa
ele vai de marrom...
OPUS
42
São 42
agostos.
uns passados
em branco.
Outros
a limpo.
Outros
a seco.
os melhores:
bissextos.
A
PÁTINA DO TEMPO
a pátina do tempo
pinta/ cava/ marca
impondo
máscara impiedosa
que
plástica nenhuma
elimina.
QUE
NEM JAMES DEAN
Veio
deu um rolé
com seus olhos verdes
e
foi-se
rápido
que nem James Dean
VERA
LÚCIA DE OLIVEIRA (1958) poeta paulista, formou-se em letras
pela UNESP, ganhou bolsa de estudo para especializar-se na Itália e hoje é
professora de literatura na Università degli Studi di Lecce. Publicou os
livros A porta range no fim do corredor,
(1983). Geografie d’Ombra, (1989). Pedaços/Pezzi, (1992). Tempo de doer/Tempo
di soffrire,(1998), La guarigione (2000), Uccelli convulsi (2001)e No coração
da boca/Nel cuore della parola(2003).
O
DIREITO AO ESQUERDO
Até prova em contrário
Não amassem o corpo de
pegadas
Não agucem a espera da morte
Não contaminem a propensão à
luz
Naão passem rolo compressor
Nas palavras da alma
Não decretem que não existe
Até prova em contrário
O direito ao esquerdo.
RUA
DE COMÉRCIO
Sou poeta da cidade magra
da cidade que não
caminha
sou dessa planicidade
sou da violência das vidas
poeta da cidade que afunda
casas
e pessoas
sou da puta da cidade que só
tem
superfície
amanheço todo dia nua e
estreita
como uma rua de comércio
TEM
PALAVRAS
tem palavras que têm
cicatrizes
a palavra apego, a palavra
parto
a palavra tempo
dentro elas são de madeira
dentro elas se impregnam
quando a chuva bate na
janela
penetra os poros
GÊNESE
DE MIRÓ
para Miró
o mundo voltou a ser
menino
com suas linhas e formas
primordiais
menino-pássaro
menino-lua
e o olho absorto de Deus
se distrai da nova gênese
no húmus da tela
o sopro
dos primeiros traços
separa as cores
do caos
INFÂNCIA
perdi-me em funduras de
juntas
perdi bichos nas moitas,
rastros no escuro
perdi mormaços, brisas
fui gerando meu pisado
vagaroso
nas fraturas das coisas
A
POESIA DÓI DENTRO DE MIM
A poesia dói dentro de mim
como quando meu pai podava a
parreira
eu ia vendo caírem
as folhas
e ia vendo caírem
as folhas
e ninguém sabia
como os ramos derramavam
sons
dolorosos
GRETA BENITEZ (1971) poeta
curitibana, é pós-graduada em marketing e trabalha como redatora publicitária.
Tem poemas publicados nas revistas literárias eletrônicas Zunái, Oroboro e Et
Cetera. Participou de várias antologias, entre elas Todo começo é involuntário.
Publicou os livros de poemas Rosas Embutidas(1999) e Café Expresso Blackbird
(2006).
BRECHÓ
Como me sentia
muito entediada, vazia e só
fui comprar um coração usado
num brechó.
Encontrei de vários tipos:
lantejoulas, renda, pelúcia,
corações de vó (ao lado do
pinguim de geladeira)
cristal, vidro e madeira
corações de freira
e um em especial
que já havia sido apertado
por espartilhos.
E foi bem esse que me disse:
"Vá em frente, moça.
Tudo que você precisa é de um pouco de fé"
CÃES
DOS JARDINS
Lindos cães dos Jardins
Deitados sob as mesas
Onde seus donos estão
sentados
Olhando a cidade que se move
Línguas ondulam em caimento
perfeito
Olhar feito de puro
ensinamento
Dignidade
Honestidade
Tudo isso mora
Dentro dos cães dos Jardins
E sobre a mesa
Um café preto, água mineral
E um jornal
Que contém todo horror do
mundo.
MEU
HERÓI
Pinto as unhas
os olhos e o coração de
preto
encho os pulmões de fumaça e
ar
esperando o dia
em que o Batman vem me
salvar
HELSINKI
Tudo o que nos une
Não é nada óbvio
Porém bastante sério
O livro sobre o crime
A foto tirada em Helsinki
Folhas de louro
Um sofá de couro (que eu
detesto)
Lembra do resto?
Analgésicos
A sorte lida pelo anão
Laços de gorgorão
E a consumação do incesto.
Rubens Jardim,
67 anos, jornalista e poeta. Foi redator chefe Gazeta da Lapa e
trabalhou no Diário Popular, Editora Abril e Gazeta Mercantil.
Participou de várias antologias e é autor de três livros de poemas:
ULTIMATUM (1966), ESPELHO RISCADO (1978)e CANTARES DA PAIXÃO (2008).
Promoveu e organizou o ANO JORGE DE LIMA em 1973, em comemoração aos 80
anos do nascimento do poeta, evento que contou com o apoio de Carlos
Drummond de Andrade, Menotti del Picchia, Cassiano Ricardo, Raduan
Nassar e outras figuras importantes da literatura do Brasil. Organizou e
publicou JORGE, 8O ANOS - uma espécie de iniciação à parte menos
conhecida e divulgada da obra do poeta alagoano. Integrou o movimento
CATEQUESE POÉTICA, iniciado por Lindolf Bell em 1964, cujo lema era: o
lugar do poeta é onde possa inquietar. O lugar do poema são todos os
lugares... Participou da I Bienal Internacional de Poesia de Brasília
(2008) com poemas visuais no Museu Nacional e na Biblioteca Nacional.
Fez também leituras no café Balaio, Rayuela Bistrô e Barca Brasília. E
participou da Mini Feira do Livro, com o lançamento de Carta ao Homem do
Sertão, livro-homenagem ao centenário de Guimarães Rosa. Teve poemas
publicados na plaquete Fora da Estante, (2012), coleção Poesia Viva, do
Centro Cultural São Paulo. Páginas na Internet: Site: Rubens Jardim e Facebook: Rubens Jardim
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