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Delivery [Dy Eiterer]

Delivery

Entregamos tudo. Esse era o anúncio que li estampado em um baú de motoboy. Como pensamento não faz curva e nem mede seu tamanho, logo estava pensando nos pedidos simples, nos mais complexos (um sorvete de cacau, por favor. Na casquinha e com cobertura de chocolate amargo.) e, claro, nos absurdos bons que poderiam ser entregues pelo rapaz.

Tudo. T-u-d-o. Uma das simplificações mais amplas que já vi, comparada até com gente. Pus-me a pensar, também, no monte de gente que passa por mim todos os dias. E que estavam passando agora.

E se cada uma daquelas pessoas pegasse o telefone e começasse a pedir as suas entregas de absurdos bons? E entendo os absurdos como bons, porque são agradáveis para os seus desejosos.

O baú do motoboy, de repente, se desenhou para mim como a lâmpada de Aladdin. O curioso é que imagina as ruas cheias deles. E as entregas variadas: de coleções de selo e papeis de carta até àquela pessoa amada que por promessa em outra propaganda chegaria em três dias. E sem devolução.

Comecei a fazer uma lista de coisas que eu pediria: chá de menta geladinho, estante que brota livro novo, inspiração que não se amedronta na frente do  papel, abraço e beijo de filho mesmo quando ele já cansou de brincar disso – lá pelo décimo beijo seguido.

E se cada um de nós começasse a fazer as suas listas? E os motoboys fieis à propaganda, atendessem? E se eu tivesse que conviver com os absurdos bons dos outros?

E se esses desejos absurdos não fossem bons? E, filosoficamente, comecei a pensar que o que é bom para mim, não o é para o outro. Se eu desejo ouvir música clássica com toque árabe em pleno centro da cidade, como fica  aquela pessoa que detesta o som do Derbak?

E o senso de limite? E o de espaço? E como ficam todos os outros incomodados? Diante de tamanha confusão, o caos, comecei a pensar na necessidade de se limitar aquele serviço de delivery apenas ao que pudesse caber dentro de um baú de uma moto, restringidos pela boa e velha convenção social ou o tal bom senso.

Como eu posso ser tão conservadora? Simples demais! Conviver com a diversidade do outro pode ser mais difícil do que se pensa e, particularmente, imaginei entregar de toda a sorte de coisas, inclusive um camelo de estimação, o que desagradaria meus vizinhos, caso meu animalzinho chegasse.

A diversidade humana é muito mais complexa do que a caixa de Pandora. É muito mais difícil do que só se imaginar os absurdos de um delivery encantado. Exige de mim um exercício diário. E ele não é entregue por um motoboy. É coisa minha. Só minha. E preciso aprender mais. Todos os dias.


Dy Eiterer - Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil. Edylane é Edylane desde 20 de novembro de 1984. Não ia ter esse nome, mas sua mãe, na última hora, escreveu desse jeito, com "y", e disse que assim seria. Foi feito. Essa mocinha que ama História, música e poesia hoje tem um príncipe só seu, seu filho Heitor. Ela canta o dia todo, gosta de dançar - dança do ventre - e escreve pra aliviar a alma. Ama a vida e não gosta de nada morno, porque a vida deve ser intensa. Site:Dy Vagando

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