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Graciliano Ramos/(Foto: Arquivo) |
Mulheres, segundo Graciliano
Ramos
Texto resgatado do escritor
Graciliano Ramos trata do papel das mulheres no Nordeste da época, quando foi
realizada a primeira eleição em que as mulheres tiveram o direito ao voto.
No dia 20 de maio de 1933,
Graciliano Ramos, um dos maiores literatos da língua portuguesa, publicou no
Jornal de Alagoas o texto que segue. Nele aborda, dentre outros aspectos do
papel das mulheres no Nordeste da época, a primeira eleição em que as mulheres
tiveram o direito de voto.
A frase com que termina o
artigo ganha interesse singular ao vivermos, 80 anos depois de escrito este
artigo, sob o comando da primeira mulher a assumir a Presidência da República,
Dilma Rousseff. Nesse mesmo ano, ele publicou seu primeiro livro, Caetés.
O artigo foi extraído de
“Garranchos, textos inéditos de Graciliano Ramos”, organizado por Thiago Mio
Salla e publicado ano passado pela Record.
Mulheres
Por Graciliano Ramos
Afinal temos aqui vencedor o
nosso pequeno feminismo caboclo. Pouco importam as opiniões irritantes que
pessoas biliosas manifestam a respeito do cérebro da mulher. A esta hora nas
mais distantes povoações do Estado senhoras decididas se aprumam, projetam
vestidos e discursos de aparato, organizam comissões para atenazar o
governo.Exatamente como os homens. Os mesmos pedidos, as mesmas embromações,
mas aparência muito melhor.
É possível que bom número
delas se esteja preparando para a futura assembleia estadual e imaginando
alterações em códigos de posturas e orçamentos municipais, que sempre foram
ruins, apesar da competência dos conselhos e dos prefeitos. Por baixo dos
cabelos curtos, como os nossos, fervilham programas que os homens não souberam
executar em quarenta anos ou, se acharem pouco, em quatrocentos e trinta.
Para usar da franqueza, tudo
pelo interior está desorganizado, e a culpa não é delas. Ninguém tem o direito
de julgá-las incapazes. Podem fazer as promessas mais elásticas. A verdade é
que as nossas matutas estão muito mais preparadas que os matutos. Até a idade
de 12 anos, vão à escola, enquanto os meninos arrastam a enxada ou se
exercitam, em calçadas ou em bilhares de ponta de rua, para uma vida fácil de
malandros. Crescem um pouco, e os ardores da puberdade as levam para os
romances amorosos, que lhes corrigem a sintaxe.
Um dia dão uma topada
sentimental, casam-se e, algum tempo depois do casamento, quase nunca menos de
nove meses, passam à categoria de mães. São agentes de correio, telegrafistas,
professoras interinas, datilógrafas num banco popular e agrícola, mulheres de
negociantes. Como mulheres de negociantes, tomam conta da loja, compram, vendem
escrituram, arrumam, desarrumam, varrem espanam, brigam com o caixeiro (ou não
brigam), escrevem bilhetes de cobrança, entendem-se com os representantes dos
fornecedores.
Enquanto isso acontece, os
maridos passam oito meses do ano jogando gamão, discutindo os telegramas dos
jornais, atacando o governo e o imposto nas barbearias, nas farmácias, nas
esquinas.
É assim na cidade pequena,
que hoje, por desconto dos nossos pecados, tem eletricidade, cinema, automóvel,
gasolina, outras infelicidades americanas que nos deixam de esmola.
No campo é diferente. Em
cada sítio, quando falta a professora pública, há uma velha sabida, perita em
décimas e ladainhas. É ela que ensina as quatro espécies de contas às meninas e
lhes mete o almanaque entre os dedos. O almanaque resume a ciência toda.
Os meninos sapecam-se na
queimada, enegrecem na coivara e, logo que ficam taludos, dançam o coco em
festas de S. João e bebem aguardente nas sentinelas de defuntos. Casam-se novos
e entregam às companheiras tudo quanto exige pensamento: correspondência, palestras
com as visitas, explicações das coisas da natureza, leituras piedosas,
comunicações com a Divindade e com o vigário da freguesia.
A consequência disso é
existirem no sertão mulheres terríveis, que transformam os maridos em Quincas,
administram propriedades, arengam com os coronéis, têm cabroeira, mandam matar
gente e protegem criminosos no júri.
Há a mulher chefe político.
Sempre houve. Tem um cunhado secretário da prefeitura, um irmão delegado de
polícia, muitos afilhados cobradores de impostos municipais e um marido que
serve para pedir ao governo a demissão do promotor e a remoção do cabo
comandante do destacamento.
As senhoras não votavam.
Agora votam. As matutas foram à eleição de 3 de maio e comportaram-se
perfeitamente. Assinaram as folhas com desembaraço, entraram no gabinete,
meteram a chapa no envelope e, em conformidade com os conselhos da Liga de Ação
Católica, sufragaram os candidatos do Partido Nacional, do Partido Democrata e
do Partido Socialista.
Os matutos em geral não se
comportaram bem. Sentaram-se tremendo e estiveram dez minutos sujando os dedos
com tinta e procurando tirar um fiapo inexistente no bico da pena. Fizeram
borrões no papel, foram à saleta secreta, voltaram e deitaram o título de
eleitor dentro da urna.
Vão agora pensar que esses
pobres homens continuarão a atrapalhar a política e a administração do Estado.
Não continuam. Os municípios serão dirigidos por mulheres. Dirigidos
claramente. Porque em alguns, conforme ficou dito, já elas dominavam à socapa
no tempo em que só os homens podiam votar.
Imaginem a que nos
reduziremos para o futuro.
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