SNIPER
AMERICANO
Na frente de batalha os
psicopatas encontram o paraíso. Sob a alegação que estão protegendo a pátria
encontram uma maneira “legítima” de satisfazer os instintos mais perversos –
sem precisar prestar contas para ninguém: cada tiro disparado contra o inimigo
constitui um alvará para a impunidade. Uma dessas histórias – com todas as
atrocidades inerentes – está narrada em Sniper Americano (American Sniper. Dir.
Clint Eastwood, 2014), baseado no livro American Sniper: The Autobiography of
the Most Lethal Sniper in U. S. Militar History, e indicado a seis Oscar em
2015 (ganhou na categoria Montagem de Som).
O filme conta a história de
Christopher The Legend Scott Kyle (interpretado por Bradley Cooper), um soldado
do SEAL (sigla da principal força de operações especiais de combate da marinha
estadunidense e que possui capacidade para atuar no mar [sea], ar [air] e terra
[land]). Durante a Guerra do Iraque, Kyle atuou como sniper (atirador de elite)
e foi responsável por 160 mortes comprovadas de combatentes iraquianos –
inclusive mulheres e crianças. Estimativas extraoficiais creditam-lhe um número
bastante superior: 255. Condecorado diversas vezes, alguns setores militares
estadunidenses o consideram um exemplo a ser seguido.
Centrado no personagem, ou
melhor, na extrema habilidade do atirador, além de glorificar a violência
produzida pela guerra, Sniper Americano se mostra incapaz de qualquer tipo de
reflexão crítica ou emocional sobre as razões que resultaram no conflito. A
alegação de armas químicas (que não existiam, como foi comprovado
posteriormente) ou a imposição ridícula de um regime “democrático” no Iraque
sequer são abordadas. Ou melhor, qualquer discussão sobre o assunto é abortada.
O filme tudo faz para omitir o fato elementar de que a morte de civis iraquianos
não pode ser separada do horror perpetuado pelas forças de ocupação. Um dos
elementos que contribui para a formação dessa tempestade de areia nos olhos do espectador (como retratado em um
dos mais importantes momentos do filme), separando os lados tênues e limítrofes
da questão, está no confronto ad hoc entre Kyle e seu duplo, Mustapha, um
atirador muçulmano (originário da Síria), medalhista nas Olimpíadas (humilhação
esportiva que Kyle – que nunca foi nada – não possui maturidade para superar). Como
se fosse uma desses duelos de faroeste de terceira classe, o “mocinho” consegue
sacar primeiro que o “bandido”. Headshot, gritaria, excitado, qualquer
adolescente, em uma partida de Counter Strike.
O uso de um fluxo narrativo
intenso, próprio de vídeo game, não permite nenhum tipo de reflexão moral sobre
o ato de matar. Tiros e corpos ensanguentados se repetem na tela com frequência
anestésica. A ideia geral está em provocar tédio no espectador, induzindo o
pensamento simplista de que tirar a vida do “inimigo” constitui um propósito
que deve ser alcançado por qualquer patriota. Enfim, estar do “lado certo” é
compensação suficiente estruturar um personagem (e seu reflexo, o espectador)
emocionalmente vazio. Mesmo nos momentos mais emblemáticos, quando – com as
mãos sujas de sangue – qualquer ser humano desmoronaria psicologicamente, Kyle
mantém – de forma inflexível – o discurso cego de que é apenas um militar que
está defendendo o seu país e os soldados que integram a unidade em que serve.
Protegido por essa couraça, ele segue assassinando, com precisão cirúrgica,
aqueles que (independente de qualquer posição política) lutam contra os
invasores do Iraque.
Depois de duas horas de
projeção, cabe ao espectador com um mínimo de senso crítico perceber que o tremular
da bandeira nacionalista em Sniper Americano não passa de uma desculpa para
construir uma hagiografia. Somente os fracos de caráter ou os ignorantes caem
nessa cilada, que almeja transformar uma máquina de matar em herói.
Nos raros momentos em que
são mostrados encontros familiares, a dissintonia entre o mundo real (a guerra)
e o mundo ideal (o prazer em estar com a esposa e os filhos) multiplica a
sensação de alienação. Ou de paranoia. Quase ao final do filme, há um episódio
sintomático em um churrasco de confraternização. Ao ver um dos filhos brincando
com um cachorro, Kyle perde a noção de tempo e espaço e revive – através da
brutalidade – o mundo hostil, mostrando que o instinto do psicopata ultrapassa
as regras de comportamento social.
Em uma das últimas cenas, o
ciclo da selvageria se perpetua. Assim como seu pai o ensinou a caçar, Kyle
transmite o ensinamento ao filho. A diferença, nesse instante, é que, em
determinado momento, rifle na mão, ele diz ao menino, it’s a hell of things,
killing a beating heart (momento replicante de um filme anterior de Clint
Eastwood, Os Imperdoáveis, [Unforgiven, 1992], quando um dos personagens diz
it’s a hell of things, killing a man). Talvez seja esse “coração batendo” um
dos raros momentos em que o sentimento humano, verdadeiramente humano, se
destaca no filme.
Chris Kyle foi morto a tiros
por outro veterano de guerra, em 2013 – confirmando, por vias transversas, que
o destino não perde uma oportunidade de propor ironias perversas.
P.S:
Para quem tiver interesse nas representações cinematográficas da Guerra do
Iraque, cabe ver Guerra ao Terror (Hurt Locker. Dir. Katherine Gigelow, 2009) e
Zona Verde (Green Zone. Dir. Paul Greengrass, 2010), filmes qualitativamente
superiores a Sniper Americano.
Raul
J.M. Arruda Filho, Doutor em Teoria da Literatura (UFSC, 2008),
publicou três livros de poesia (“Um Abraço pra quem Fica”, “Cigarro Apagado no
Fundo da Taça” e “Referências”). Leitor de tempo integral, escritor ocasional,
segue a proposta por um dos personagens do John Steinbeck: “Devoro histórias
como se fossem uvas”.
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Um comentário
Quando vi esse filme eu estava chocado com os fatos com base em coisas reais , Francotirador é um daqueles filmes que, quanto mais você vê, você pode obter mais detalhes e mais crítica lá. É um bom filme para mim , os melhores desempenhos de Cooper
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