AS MULHERES POETAS NA
LITERATURA BRASILEIRA (36ª POSTAGEM)
ANNITA COSTA MALUFE –(1975) poeta paulistana,
jornalista, é mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC de São Paulo e doutora
em teoria literária pela Unicamp, onde estuda poesia contemporânea e filosofia.
Publicou Quando não estou por perto (2012), Como se caísse devagar, (2008);
Nesta cidade e abaixo de teus olhos, (2007); Fundos para dias de chuva, (2004)
Quero de volta os pretextos
para lavar as superfícies
encardidas
não acredito mais no que dão
por feito os outros
prefiro eu mesma laçar
usuras da imperfeição
viver dá nisso
uma certa arrogância
necessária
desisto de entediar as
palavras
com o gesto monótono da
caneta
perco o medo dos abstratos e
sigo dizendo
vida amor solidão
e catando as horas
como quem rasga papéis
antigos
como quem verte um copo de groselha
na toalha branca de linho da
avó
Nêsperas
O que foi que aconteceu
conosco?
O que é
que agora
tão distantes
miramos neste casto
horizonte
nesperado
que montanhas foram estas
que cruzamos
quais foram os andaimes
quais os versos que nos
mantêm tão perto
como se os raios de sol no
apogeu
pudessem ser capturados
por um instante
só por um
instante
paro
e retomo as pastas de papéis
coloridos
de papéis passados
e retomo os panos os enganos
(Poderíamos ter sido
algo
e não fomos?
Poderíamos?
O que poderíamos tanto?
O que tanto quisemos
juntas?)
Paro
um instante
diante de teu armazém
e contemplo as rugas de um
tempo
imenso
esse que nunca é nosso
e torço para que possamos
sempre
nos encontrar aí
neste puro instante sem
ponteiros
que tão poucos
- tão poucos mesmo -
sabem onde fica
a verdade é que as malas já
estavam prontas
na véspera
ela seguiu junto com ele
uma espécie de viagem sem
volta
só a passagem de ida
era a busca por um outro
mundo a busca por
algum lugar possível
o mais distante que pudessem
ir
apenas a passagem de ida a
pouca bagagem
decidir depois onde ficar
as malas já estavam prontas
e eles seguiram
sem pressa
eu fiquei olhando de longe
achando bonito aquilo
aquele casal sumindo na
neblina
caminhando lentamente
como num filme que não me
lembro o nome
como as cenas finais de um
filme cobertas pelo letreiro
dois corpos da mesma
estatura abraçados
empurrando duas pequenas
bagagens
os rostos sorrindo
mesmo de costas
era o que se via mesmo de
costas
os rostos sorrindo nos
contornos que iam perdendo a nitidez
à medida que avançavam
dos fios desta separação,
abre-se uma porta discreta, pequena
quase imperceptível
economizar uma ou outra
palavra não faz diferença
são fios longos
um emaranhado de ondas e
feixes de luz
não faz grande diferença a
geografia das frases
falamos articulando tons e
gestos apenas
nada transcorre de fato nas
frases
nada nas palavras ou no
entre-sílabas
mas fios
um emaranhado que às vezes
transparece
às vezes some
um calar de expressões e
olhares
a boca entreaberta
um fechar de pálpebras
ao alcance das mãos a
maçaneta a porta
uma pequena porta que às
vezes transparece
às vezes some
nesse longo emaranhado
de fios
em que se buscam e se perdem
nossas vozes nossos vãos
fios
e uma longa separação
a porta entreaberta
já não posso me conter
as curvas transparecem em
meus dedos
a curvatura da maçaneta e a
porta
tão pequena, ao fundo
a porta que se abre
a porta e a passagem para
fora
ANA ELISA RIBEIRO(1975)
poeta mineira, é doutora em Linguística Aplicada e mestre em Estudos
Linguísticos pela Universidade Federal de Minas Gerais onde também se bacharelou e licenciou em
Letras/Português.Publicou Poesinha (1997) e Perversa (2002), além de minicontos
e poemas em revistas e jornais, no Brasil e em Portugal. É cronista do site
Digestivo Cultural (www.digestivocultural.com).
Peças de madeira em
pau-marfim
A linha dos olhos
faz flechas da cor de
futuros
As mãos formam conchas
de pegar contentamentos
Os pés são grandes como
as telas holandesas
realistas
O corpo inteiro é um
tabuleiro
de jogar jogos de azar
As costas quadriculadas
As coxas quadriculadas
A boca quadriculada
Onde eu me finjo
de dama
Antigüidade d’onde viemos
Péricles disse que a maior
virtude de uma mulher
Era ficar calada.
Péricles se fodeu.
Péricles, hoje, levaria uma
surra
dada por mil mulheres como
eu.
Ciuminho básico
escuta
calado
a proposta rude
deste meu
ciúme:
vou cercar tua boca
com arame farpado
pôr cerca elétrica
ao redor dos braços
na envergadura
pra bloquear o abraço
vou serrar teus sorrisos
deixar apenas os sisos
esculhambar com teus olhos
furá-los com farpas
queimar os cabelos
no pau acendo uma tocha
que se apague apenas
ao sinal da minha xota
finco no cu uma placa
“não há vagas, vagabundas”
na bunda ponho uma cerca
proíbo os arrepios
exceto os de medo
e marco no lombo, a brasa,
a impressão única do meu
dedo.
ANA MARTINS MARQUES(1977)
poeta mineira, é mestre em Literatura Brasileira e doutora em Literatura
Comparada pelã UFMG .Em 2007, ganhou o Prêmio Cidade de Belo Horizonte, na
categoria “Poesia — autor estreante”, e, em 2008, recebeu novamente o mesmo
prêmio, na categoria “Poesia”. Publicou dois livros de poemas: A vida
Submarina(2009) e Da Arte das Armadilhas(2011).
ESPELHO
Dentro do armário
do seu quarto de dormir
deve haver um espelho.
Se você sai
e deixa o armário aberto
durante todo o dia
o espelho reflete
um pedaço da sua cama
desfeita.
Se você sai
e deixa a porta fechada
durante todo o dia
o espelho reflete o escuro
do seu armário de roupas,
a luz contida dos vidros
de perfume.
Do outro lado do poema
não há nada.
PAPEL DE ARROZ
Mira:
as coisas construídas
oscilam
numa frágil arquitetura
(os papéis cultivados
em campos
guardarão sempre a memória
seca
dos dias alagados).
Também as palavras revelam
somente o que escondem:
eis a solução de uma questão
delicada.
VASO
Moldar em torno do nada
uma forma
aberta e fechada.
Palavra por palavra
o poema circunscreve seu
vazio.
A VIDA SUBMARINA
Eu precisava te dizer.
Tenho quase trinta anos
e uma vida marítima, que não
vês,
que não se pode contar.
Começa assim: foi engendrada
na espuma,
como uma Vênus ainda sem
beleza,
sobre a pele nasciam os
corais,
pele de baleia, calcária e
dura.
Ou assim: a luz marítima
trabalha lentamente,
os peixes começam a consumir
por dentro
o sal do desejo,
estão habituados ao sal.
Quando vês, a água inundou
os pulmões,
neles crescem algas íntimas,
os olhos voltam-se para
dentro,
para o sono infinito do mar.
As mãos se movem num ritmo
submerso,
os pensamentos guiam-se pela
noite
do Oceano, uma noite maior
que a noite.
Tenho quase trinta anos e
uma vida antiga,
anterior a mim.
Daí meu silêncio, daí meu
alheamento,
daí minha recusa da promessa
desse dia
que você me oferece,
esse dia que é como uma cama
que se oferece ao peixe
(você não haveria de querer
um peixe em sua cama).
Quem atribuiria ao mar
a culpa pela solidão dos
corais
pelas vidas imperfeitas
dos peixes habituados ao
abismo,
monstros quietos
só de sal silêncio e sono?
Eu precisava te dizer,
enquanto as palavras ainda
resistem,
antes de se tornarem
moluscos
nas espinhas da noite,
antes de se perderam de vez
no esplendor da vida
submarina
DILÁ GALVÃO ( ) poeta
amazonense, jornalista e professora da FAAP. Foi repórter, apresentadora e
diretora em 1994 e 95 na TV Cultura do Amazonas. Atuou, também, como
colaboradora do jornal Folha de São Paulo, de 1997 a 99. É autora do livro de
poemas DUVIDA DIVIDA DADIVA(2009).
JAZ
Não me interessa
a poesia, nem
que seja essa:
escrita sem
nada que a valha;
corta-me — não por
dentro — a navalha,
sem contar a dor —
não essa — mas
aquela outra mais
funda que jaz
perene por detrás.
Eurídice 1
Um caminho tão
longo
a perseguir
e depois dizer:
foi tudo
pra
você,
e você
dizer:
eu não
estava ali.
ESQUIVANÇA
Tropeçava primeiro
na escada, depois
em pedras e, por fim,
em palavras.
Dizer por si, assim,
de modo esquivo,
não que se esquivasse
propriamente,
— porque há certas coisas,
(quase todas, na verdade)
não há muito como
deixá-las fora,
deixá-las fora é,
de qualquer modo,
sempre uma esquivança,
e uma esquivança
não é algo que
está, propriamente,
fora, ao largo; a
esquivança seria
mais exatamente
aquele modo
(esquivo) de pôr
fora o que já é
dentro — era esquivar-
-se das metáforas,
tão cedo viessem elas,
que insistiam em
dizer por si. Assim
tropeçava ela: primeiro
na escada, depois,
de modo esquivo,
em pedras e, por fim,
(não que se esquivasse),
em palavras,
propriamente.
Rubens Jardim,
67 anos, jornalista e poeta. Foi redator chefe Gazeta da Lapa e
trabalhou no Diário Popular, Editora Abril e Gazeta Mercantil.
Participou de várias antologias e é autor de três livros de poemas:
ULTIMATUM (1966), ESPELHO RISCADO (1978)e CANTARES DA PAIXÃO (2008).
Promoveu e organizou o ANO JORGE DE LIMA em 1973, em comemoração aos 80
anos do nascimento do poeta, evento que contou com o apoio de Carlos
Drummond de Andrade, Menotti del Picchia, Cassiano Ricardo, Raduan
Nassar e outras figuras importantes da literatura do Brasil. Organizou e
publicou JORGE, 8O ANOS - uma espécie de iniciação à parte menos
conhecida e divulgada da obra do poeta alagoano. Integrou o movimento
CATEQUESE POÉTICA, iniciado por Lindolf Bell em 1964, cujo lema era: o
lugar do poeta é onde possa inquietar. O lugar do poema são todos os
lugares... Participou da I Bienal Internacional de Poesia de Brasília
(2008) com poemas visuais no Museu Nacional e na Biblioteca Nacional.
Fez também leituras no café Balaio, Rayuela Bistrô e Barca Brasília. E
participou da Mini Feira do Livro, com o lançamento de Carta ao Homem do
Sertão, livro-homenagem ao centenário de Guimarães Rosa. Teve poemas
publicados na plaquete Fora da Estante, (2012), coleção Poesia Viva, do
Centro Cultural São Paulo. Páginas na Internet: Site: Rubens Jardim e Facebook: Rubens Jardim
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