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ENHEDUANA, PRIMEIRA POETISA DA HISTÓRIA


Enheduana, primeira poetisa da história

Livro resgata primeiros escritos da história da humanidade. Um deles é a primeira poesia assinada de que se tem registro – e sua autoria é feminina! 
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Há 4.000 anos, no império mesopotâmico, uma princesa, poeta e sacerdotisa exilada, assinava o primeiro texto literário na história da humanidade. O nome da responsável por esse ato carregado de força? Enheduana. De seu exílio, a poeta clamava o auxílio dos deuses – ou, mais precisamente, da Deusa: Inana.

Enheduana foi uma importante figura da cultura suméria, sobressaindo-se como intelectual e líder religiosa. Duas de suas poesias, abordam conflitos político-religiosos de sua época – nos quais ela estava envolvida – em uma poética que entrelaça versos acerca do próprio ato do fazer poético e sua mágica.

Seu legado literário inclui textos devotados à deusa Inana, também chamada de Ishtar, divindade conhecida como “rainha dos céus e da terra” e associada ao amor, à guerra e à fertilidade. Símbolo de absurda força na cosmologia mesopotâmica, Inana chegou a ser considerada pelos assírios a mais alta divindade de seu panteão.

Além de seus versos em exaltação e súplica à Inana, Enheduana também teceu uma coleção conhecida como Hinos Sumérios do Tempo e vários objetos talhados com imagens e em escrita cuneiforme, como o disco de alabastro, atualmente conservado no Museu da Universidade de Philadelphia. Provavelmente, seus escritos foram feitos para serem declamados ao som de liras e flautas e exaltados em cortejos.

O Disco de Enheduana, descoberto por Leonard Woolley. A cena mostra a alta sacerdotisa em pé em adoração enquanto o que foi interpretado como uma figura masculina nua derrama uma libação

Agora, um pedacinho de seu legado está disponível em português, no livro Inana – antes da poesia ser palavra era mulher. A publicação conta com dois escritos. O primeiro: “A Exaltação de Inana”, escrito por Enheduana por volta de c 2285-2250 a.C e traduzido por Guilherme Gontijo Flores. O segundo escrito, de autoria anônima e datado da primeira metade do II milênio AEC, foi reconstituído a partir de mais de trinta manuscritos encontrados em escavações arqueológicas nas cidades de Nippur e Ur e também se trata de uma exaltação à deusa suméria. O poema chama-se “A Descida de Inana ao Mundo dos Mortos”, traduzido por Adriano Scandolara.

O tema principal do segundo poema é a morte e seus assombramentos. Medo que assola a consciência humana desde as mais remotas eras. Para lidar com essa questão, os sumérios (assim como muitos de nós até hoje) teciam e ouviam poemas, atos que alimentam o fogo criativo de nossas almas, sendo a poesia, aquela que nomeia e ajuda a elaborar nossas angústias e alegrias. Uma forma de lidar com o medo do inexplicável e do incontrolável.

Para os mesopotâmicos, pior que a morte era o esquecimento. Por isso, escrever e preservar sua memória era uma forma de escapar desse fim. Tudo se torna ainda mais simbólico quando nos lembramos que esses registros estão talhados em pedras. E ainda mais simbólico é o ato de força de Enheduana de assinar seu poema. Um ato que exigia ousadia em uma época em que isto não era comum, afinal, como salienta Adriano Scandolara, “os sumérios não costumavam assinar seus textos”.

Com um belo projeto gráfico “lapidado” pela Editora Sobinfluencia, que sem dúvidas exalta a magia de Inana nesse saudoso trabalho, o livro tem a qualidade de ser traduzido diretamente do sumério por pesquisadores com vasta experiência com traduções de porte e em diversos idiomas e conta com interessante prefácio de Katia Maria Paim Pozzer sobre as histórias de Enheduana e Inana.

Ainda tem a preocupação de não ter uma escrita acadêmica e proporcionar uma experiência acessível para quem se interessar por essa “poesia vital”, como salientam os tradutores. Além disso, o livro é em versão bilíngue, sumério e português.

Por fim, de tudo isso, o que pode ficar para além da triste ironia que é a primeira autora a assinar um texto ter seu nome apagado da história, é também a reflexão de como é frágil o discurso reacionário dos estereótipos modernos de gênero de fragilidade feminina. Resta a nós reavivar e louvar o nome e a memória de Enheduana.




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Fonte: Outras Palavras.

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