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A DEFINIÇÃO DE AMOR IMORTALIZADA POR MIGUEL DE UNAMUNO

Imagem colhida na internet
A definição de amor imortalizada por Miguel de Unamuno
Por: Bryan Villacrez*
(o texto original, em espanhol, pode ser lido AQUI)

Bom dia, leitores! A melhor maneira de compreender a realidade é pensá-la com reflexão, e por isso as histórias se tornaram uma excelente oportunidade para expressar e tentar compreender os sentimentos inatos do ser humano. Com esta magnífica história que você vai ler abaixo, Miguel de Unamuno nos oferece sua visão de amor e felicidade.

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O AMOR QUE ASSALTA

Que amor é esse, de que tantos homens estão sempre falando e que é o tema quase único das canções dos poetas? Foi o que Anastácio se perguntou. Porque ele nunca sentiu nada que se assemelhasse ao que os amantes chamam de amor. Seria uma mera ficção, ou talvez um engano convencional com que almas fracas tentam se defender do vazio da vida, do tédio inevitável? Porque, sim, para vago e chato, e absurdo e sem sentido, não havia, no sentimento de Anastácio, nada parecido com a vida humana.

O pobre Anastácio arrastou uma existência lamentável, sem estímulo ou objetivo para viver e cem vezes teria cometido suicídio se não esperasse, com uma esperança sombria prova de uma contínua decepção, que ele também viesse visitar o amor. E viajou, viajou em sua busca, caso menos pensasse nisso o atacasse de repente em um cruzamento da estrada.

Ele não sentia ganância por dinheiro, tendo um soldo modesto, mas por ele fortuna mais do que suficiente, não sentia ambição por glória ou honras, nem anseio por comando e poder. Nenhum dos motivos que levam os homens ao esforço lhe pareceu digno de lutar, e ele não encontrou o menor consolo para seu tédio mortal, nem na ciência, nem na arte, nem na ação pública. E lia Eclesiastes enquanto esperava a última experiência, a do amor.

Entregara-se a ler todos os grandes poetas eróticos, os analistas do amor entre o homem e a mulher, os romances todos amatórios, e leu àquelas obras lamentáveis que se escrevem para os que ainda não são homens e para os que deixaram de o ser de certa forma: baixou-se a mergulhar na literatura pornográfica. E é claro, aqui ele encontrou ainda menos do que em outros lugares qualquer traço de amor.

E não é que Anastácio não fosse um homem de pleno direito, pleno e inteiro, e que não tivesse carne pecaminosa em seus ossos. Sim, o homem era como os outros, mas não sentira amor. Porque ele não sabia que o amor era a excitação passageira da carne que esquece a imagem provocadora. Fazer disso o terrível deus vingador, o consolador da vida, o senhor das almas, parecia-lhe um sacrilégio, como se se destinasse a endeusar o apetite de comer. Um poema sobre digestão é blasfêmia.

Não, o amor não existia no mundo para o pobre Anastácio. Leu e releu a lenda de Tristão e Isolda, e o fez  meditar naquele terrível romance do português Camilo Castello Branco: A mulher fatal. "Vai acontecer comigo assim? -Pensamento-. Será que a femme fatale vai me arrastar atrás dela, quando eu menos espere e acredito?" E ele viajou, viajou em busca desse destino.

"Chegará um dia", disse ele a si mesmo, "em que perderei essa vaga sombra de esperança de encontrá-lo, é quando entrarei na velhice sem ter conhecido minha juventude ou idade viril, quando direi a mim mesmo: não vivi e não posso mais viver! É um destino terrível que me assombra, ou é que todo mundo conspirou para mentir." E estava pessimista.

Nenhuma mulher jamais inspirou amor a ele, nem ele acreditava que o havia inspirado. E achava muito mais assustador, do que não poder ser amado é não ser capaz de amar, se é que o amor era o que poetas cantam. Mas será que ele, Anastácio não havia provocado alguma paixão escondida no seio de uma mulher? Uma bela estátua não pode acender o amor? Porque ele era, como uma estátua, muito bonito. Seus olhos negros, cheios de um fogo de mistério, pareciam olhar das profundezas escuras de um tédio cheio de ansiedade; sua boca se abriu como se fosse de uma sede trágica; Em tudo ele latejava um destino terrível.

E viajou, viajou desesperadamente, fugindo de todos os lugares, lançando o olhar sobre as maravilhas da arte e da natureza, e dizendo a si mesmo: "Por que tudo isso?"

Era uma tarde serena do outono tranquilo. As folhas, já amarelas, caíram das árvores e foram envolvidas pela brisa quente para se esfregar contra a grama do campo. O sol estava encarnado em um cendal de nuvens que se desvaneciam e se derretiam em pedaços. Anastácio observava da janela da carroça enquanto eles desfilavam pelas colinas. Desembarcou na estação Aliseda, onde os viajantes tinham tempo para comer e foi para a sala de jantar da pousada, cheio de malas.

Sentou-se distraidamente e esperou que a sopa fosse trazida. Mas ao levantar os olhos e percorrer, com eles, distraidamente pela fila de comensais, deparou-se com os de uma mulher, no momento ela colocava na sua boca grande, fresca e úmida, um pedaço de maçã, Eles se encararam e ficaram pálidos. E quando se viam pálidos empalideciam ainda mais. Seus seios latejavam. A carne pesava sobre Anastácio; Um formigamento frio o deixou desconfortável.

Ela pousou o rosto na mão direita e parecia dar-lhe uma tontura. Anastácio, então, não vendo nada além dela na sala, enquanto o resto da sala de jantar desaparecia, levantou-se trêmulo, aproximou-se dela e, com uma voz seca, sedenta, sufocada e trêmula, sussurrou quase em seu ouvido:

— O que há de errado? Está bem?

"Ah, nada, nada; Não é nada...; Obrigado!

"Vamos ver", acrescentou, e com uma mão trêmula agarrou-lhe o punho para lhe tomar o pulso.

Era então uma corrente de fogo que passava de um para o outro. Sentiam o calor um do outro; Suas bochechas se iluminaram.

"Você está febril", suspirou balbuciando, com a voz quase imperceptível.

-A febre é... tua! Ela respondeu, com uma voz que parecia vir do outro mundo, de além da morte.

Anastácio teve de se sentar; Seus joelhos dobraram-se ao peso de seu coração, que o tocou com um arrebatamento.

"É temerário partir assim", disse, falando maquinalmente.

"Sim, vou ficar", respondeu ela.

"Vamos ficar", acrescentou.

-Sim, vamos ficar... E eu vou te dizer; Vou te contar tudo! A mulher acrescentou.

Fizeram as malas, pegaram um carro e partiram para a cidade de Aliseda, que ficava a cinco quilómetros da estação. E no carro, sentados um em frente ao outro, tocando os joelhos, balançando os olhos, a mulher pegou as mãos de Anastácio com as mãos e contou-lhe sua história. A própria história de Anastácio, exatamente a mesma. Ela também viajou em busca de amor; Ela também suspeitava que não se tratava de tudo isso, mas de uma enorme farsa convencional para enganar o tédio da vida.

Confessaram-se um ao outros e, ao confessarem, seus corações ficaram quietos. Para a trágica turbulência de um começo aconteceu um terrível repouso em suas almas, algo como uma espoliação. Imaginavam conhecer-se desde sempre, desde antes de nascerem; Mas, ao mesmo tempo, todo o passado foi apagado de suas memórias, e eles viveram como um eterno presente, fora do tempo.

"Ah, por que eu não  te conheci antes, Eleuteria!" — disse ele.

"E para quê, Anastácio?" Ela respondeu. É melhor assim, não termos nos visto antes.

-E o tempo perdido?

-Perdidos você chama aquele tempo que passamos procurando um pelo outro, com saudades um do outro, em desejar um ao outro?

"Eu já tinha me desesperado de te encontrar...

"Não, porque se você tivesse se desesperado com isso, teria tirado a própria vida."

-É verdade.

"E eu teria feito o mesmo".

"Mas agora, Eleuteria, de hoje em diante..."

"Não fale sobre o futuro, Anastácio; Bastemo-nos do presente!"

Os dois se calaram. Sob o arrebatamento que os dominava soava um estranho murmúrio de águas sem fundo do abismo. Não era a alegria, não era o gozo que dominava a gravidade trágica que os envolvia.

"Não pensemos no futuro", continuou; Nem no passado. Esqueçamos um do outro. Nos conhecemos, encontramos o amor, e isso basta.

E agora Anastácio, e os poetas?

"Que mintam, Eleuteria, que mintam, sim; O amor não é o que eles cantam..."

"Você tem razão, Anastácio; Agora sinto que o amor não é cantado".

E seguiu-se outro silêncio, um longo silêncio, em que, de mãos dadas, olhavam nos olhos um do outroo e como se olhassem nas profundezas deles o segredo dos seus destinos.

E então eles começaram a tremer.

"Você está tremendo, Anastácio?"

"E você também, Eleuteria?"

"Sim, nós dois trememos".

-Sobre o quê?

-De felicidade.

"Essa felicidade é uma coisa terrível; Não sei se consigo resistir".

-Melhor, porque isso vai significar que ele é mais forte do que nós.

Trancaram-se num quarto sórdido de uma pousada vulgar. Todo o dia seguinte e parte do outro passaram sem dar qualquer sinal de vida, até que,  o estalajadeiro, alarmado, os chamou e sem obter resposta aos seus chamados, forçou a porta. Encontrou-os na cama, juntos, nus, frios e brancos como a neve. O médico perito garantiu que não se tratou de suicídio, como de fato não foi, e que eles devem ter morrido do coração.

- Mas os dois? — exclamou o estalajadeiro.

- Os dois! Respondeu o médico.

"Então isso é contagioso... - e colocou a mão no lado esquerdo do peito, onde acreditava ter seu coração de estalajadeiro. Ele tentou esconder o acontecimento, para não desacreditar seu estabelecimento, e concordou em fumigar a sala, por precaução.

Os corpos não puderam ser identificados. De lá, levaram-nos para o cemitério, nus e juntos, como foram encontrados, foram colocados numa mesma cova e colocado em cima, terra. A grama cresceu nesta terra e choveu na grama. E assim é o céu, aquele que os levou à morte, é o único que chora sobre a sepultura.

O estalajadeiro de Aliseda, refletindo sobre aquele acontecimento incrível -ninguém tem mais imaginação do que a realidade, dizia-, chegou a uma conclusão profunda de natureza médico-legal, e disse para si mesmo: "Estas luas-de-mel!. .. Eles não deveriam permitir que os cardíacos se casassem."


Fim.




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*Bryan Villacrez (Lima, 1990) criador do Blog de Mar de fondo. Estudou Comunicação, Sociologia e está escrevendo um livro. Éamante de histórias, cartas, diários e romances. É convencido de que "Um dia lido não é um dia perdido"




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