Paulo Freire e a educação popular
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Por Moacir Gadotti
Foi na década de 50 que se iniciou esta profunda história de idéias, práticas e acontecimentos no campo da educação na América Latina: a educação popular. Como concepção da educação, a educação popular é uma das mais belas contribuições da América Latina ao pensamento pedagógico universal. Isso se deve, em grande parte, à atuação internacional de um dos seus mais importantes representantes: Paulo Freire. Ele deixou, por onde passou, as sementes de uma concepção popular emancipadora da educação. Essas sementes floresceram em numerosos grupos e organizações, nas últimas décadas, unindo conscientização e organização popular. Ao contrário de concepções educacionais nascidas nos gabinetes dos burocratas ou de pedagogistas bem intencionados, a educação popular nasceu, na América Latina, no calor das lutas populares, dentro e fora do Estado.
A educação popular, como prática educacional e como teoria pedagógica, pode ser encontrada em todos os continentes, manifestada em concepções e práticas muito diferentes. Como concepção geral da educação, ela passou por diversos momentos epistemológicoeducacionais e organizativos, desde a busca da conscientização, nos anos 50 e 60, e a defesa de uma escola pública popular e comunitária, nos anos 70 e 80, até a escola cidadã, nos últimos anos, num mosaico de interpretações, convergências e divergências.
A educação popular como uma concepção geral da educação, via de regra, se opôs à educação de adultos, impulsionada pela educação estatal, e tem ocupado os espaços que a educação de adultos oficial não levou muito a sério. Um dos princípios originários da educação popular tem sido a criação de uma nova epistemologia baseada no profundo respeito pelo senso comum que trazem os setores populares em sua prática cotidiana, problematizando-o, tratando de descobrir a teoria presente na prática popular, teoria ainda não conhecida pelo povo, problematizando-a, incorporando-lhe um raciocínio mais rigoroso, científico e unitário.
No final dos anos 50, duas eram as tendências mais significativas na educação de adultos: a educação de adultos entendida como educação libertadora, como “conscientização” (Paulo Freire) e a educação de adultos entendida como educação funcional (profissional), isto é, o treinamento de mão-de-obra mais produtiva, útil ao projeto de desenvolvimento nacional dependente.
Na década de 70, essas duas correntes continuaram, a primeira entendida basicamente como educação não formal – alternativa à escola – e, a segunda, como suplência da educação formal. No Brasil, se desenvolve nessa corrente o sistema MOBRAL (Movimento Brasileiro de Alfabetização), com princípios opostos aos de Paulo Freire.
Em 1958 foi realizado o 2º Congresso Nacional de Educação de Adultos, o qual contou com a participação de Paulo Freire. Surgiu daí a idéia de um programa permanente de enfrentamento do problema da alfabetização que desembocou no Plano Nacional de Alfabetização de Adultos, dirigido por Paulo Freire e extinto pelo Golpe de Estado de 1964, depois de um ano de funcionamento. A educação de adultos era entendida a partir de uma visão das causas do analfabetismo, como educação de base, articulada com as "reformas de base", defendidas pelo governo popular/populista de João Goulart. Os CPCs (Centros Populares de Cultura), extintos logo depois do golpe militar de 1964 e o MEB (Movimento de Educação de Base), apoiado pela Igreja e que durou até 1969, foram profundamente influenciados por essas idéias.
Hoje, uma das expressões mais vivas da educação popular está na educação de jovens e de adultos. Os jovens e adultos trabalhadores lutam para superar suas condições de vida (moradia, saúde, alimentação, transporte, emprego, etc) que estão na raiz do problema do analfabetismo. O desemprego, os baixos salários e as péssimas condições de vida comprometem o seu processo de alfabetização. Falamos de “jovens e adultos” referindo-nos à “educação de adultos”, porque aqueles que freqüentam os programas de educação de adultos, são, majoritariamente, os jovens trabalhadores.
A educação popular tem-se constituído num paradigma teórico que trata de codificar e descodificar os temas geradores das lutas populares, busca colaborar com os movimentos sociais e os partidos políticos que expressam essas lutas. Trata de diminuir o impacto da crise social na pobreza, e de dar voz à indignação e ao desespero moral do pobre, do oprimido, do indígena, do camponês, da mulher, do negro, do analfabeto e do trabalhador industrial.
As possibilidades de futuro da educação popular são enormes e suas intuições originais estão presentes, como a obra de Paulo Freire, em muitas práticas educativas, entre eles: a ênfase nas condições gnosiológicas da prática educativa; a educação como produção e não meramente como transmissão do conhecimento; a luta por uma educação emancipadora que suspeita do arbitrário cultural o qual, necessariamente, esconde um momento de dominação; a defesa de uma educação para a liberdade, precondição da vida democrática; a recusa do autoritarismo, da manipulação, da ideologização que surge também ao estabelecer hierarquias rígidas entre o professor que sabe (e por isso ensina) e o aluno que tem que aprender (e por isso estuda); a defesa da educação como um ato de diálogo no descobrimento rigoroso, porém, por sua vez, imaginativo, da razão de ser das coisas; a noção de uma ciência aberta às necessidades populares e um planejamento comunitário e participativo.
O grande número de noções que fundam a educação popular, hoje espalhada pelo mundo, como paradigma teórico, colocando-a num plano diferente da educação tradicional, bancária, e a educação como razão instrumental, nos indica que nosso otimismo não é infundado.
É verdade, a educação popular hoje se constitui num mosaico de teorias e de práticas. Mas elas têm em comum, nas diversas partes do mundo, o compromisso com os mais pobres, portanto, com a emancipação humana. São perspectivas razoáveis, sérias, fundamentadas, cotejadas constantemente com a dureza dos fatos. Todas refletem uma recusa à educação do colonizador. Não uma recusa oportunista ou servil, mas uma recusa utópica e amorosa; uma recusa que aceita duvidar das próprias condições de produção científica e das certezas alcançadas, para evitar a mistificação da razão prática. Uma série de perspectivas que coincidiram em várias opiniões, uma delas, a busca de uma ciência social e educativa integradora, radical, cognitiva e afetiva, e, ao mesmo tempo, heurística, consciente de que é impossível separar a ciência dos interesses humanos.
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Moacir Gadotti (Rodeio-SC, 21 de outubro de 1941) é educador brasileiro.
É professor titular da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) desde 1991 e diretor do Instituto Paulo Freire em São Paulo. Gadotti é licenciado em pedagogia e filosofia, mestre em filosofia da educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), doutor em ciências da educação pela Universidade de Genebra, na Suíça, e livre docente pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Possui várias publicações voltadas para a área de educação entre elas Educação e poder. (Cortez, 1988), Paulo Freire: Uma bibliografia (Cortez, 1996), Pedagogia da Terra (Petrópolis, 2000) e Educar para um Outro Mundo Possível (Publisher Brasil, 2007).
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(com informações da Revista Trimestral de Debate da FASE/Sindacs-SP e Wikipédia)
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