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POR QUE O RIO GRANDE DO SUL ESTÁ TÃO EXPOSTO ÀS CATÁSTROFES

Nível do Lago Guaíba atingiu maior nível em 83 anos e invadiu centro de Porto AlegreFoto: Gilvan Rocha/Agência Brasil/picture Alliance
Por que o Rio Grande do Sul está tão exposto às catástrofes

Marcado por enchentes sucessivas, estado é afetado por eventos extremos e negacionismo do clima na gestão pública, dizem especialistas à DW. Atual cheia histórica é atribuída à sobreposição de temperaturas climáticas.

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Ainda não se sabe a dimensão da tragédia provocada pelas inundações históricas que ocorreram na região central do Rio Grande do Sul no início da semana e que chegam à capital, Porto Alegre. Equipes de resgate não conseguiram adentrar muitos dos locais atingidos, afirma a Defesa Civil estadual à DW.

Dezenas de mortes em decorrência das enchentes foram confirmadas pela Defesa Civil e mais de uma centena de desaparecidos. Nos últimos dias, metade da chuva prevista para todo o ano de 2024 caiu no estado, segundo o Serviço Geológico do Brasil (SGB).

Em Porto Alegre, os voluntários recebem quem chega das ilhas do entorno. Embarcações transportaram para a capital pessoas evacuadas. Vários locais foram transformados em abrigo provisório.

"A situação é terrível. A gente está sem estrutura, no escuro praticamente. Tem muita gente vindo para cá", diz à DW Paula Brust, uma das voluntárias que acolhem quem chega.

Para quem atua no monitoramento da situação, a perplexidade e o cansaço pelas horas ininterruptas de trabalho são grandes.

“Ainda sem acreditar no volume de chuvas registradas. Pensamos até, inicialmente, que nossos equipamentos estavam com defeito”, resume Franco Buffon, superintendente da região Sul do SGB.

A situação é considerada tão grave que, mesmo se não chovesse mais nos próximos dias, o quadro seguiria muito dramático. A previsão é que mais chuvas atinjam a região.

Veículos afetados pelas enchentes no município de Encantado, no RSFoto: Diego Vara/REUTERS Diego Vara/REUTERS
Fuga e choque

Em Porto Alegre, o nível do Lago Guaíba atingiu marca recorde , superando os 5 metros no sábado, nível acima da cheia histórica de 1941. Naquele ano, a água atingiu a marca de 4,76 metros e deixou 25% da população da cidade desabrigada.

O Guaíba, que até cruzar a capital é chamado de Rio Jacuí, recebe toda a água que cai no centro do estado. Porto Alegre é a última cidade do percurso até o seu deságue no Atlântico.

Em municípios menores ao longo dos rios que fazem parte da mesma bacia hidrográfica, comunidades inteiras parecem ter sido varridas do mapa. Em Estrela, o Rio Taquari chegou à marca recorde de 33 metros. Isso acontece apenas seis meses depois de ele ter alcançado sua cota máxima, que era de 29,53 metros. Quando a água ultrapassa os 19 metros, o rio extravasa e atinge casas e uma indústria próxima.

Com a catástrofe, muitos equipamentos que fazem medição se perdem. Buffon, do SGB, conta que postes instalados às margens dos rios provavelmente foram levados pela enxurrada, e sensores que ficam em contato com a água são atingidos por grandes objetos que vão parar na água: rochas, veículos, escombros de casas.

Em São Leopoldo, banhada pelo Rio dos Sinos, também parte da bacia hidrográfica do Guaíba, famílias que sempre acreditaram morar em bairros seguros deixam suas casas. A bióloga Daiana Schwengber correu de Porto Alegre para ajudar os pais no interior e agora todos estão abrigados na casa de amigos.

"A água subiu muito rápido. Começamos a bater palma em frente à casa das pessoas para ajudar a Defesa Civil a alertar as pessoas para que saíramssem. Foi muito triste. Muitas pessoas idosas, todos chocados", relatou Schwengber à DW sobre a situação em São Leopoldo.


Sobreposição de previsões meteorológicas

Marcelo Seluchi, coordenador do Centro de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais, Cemaden, diz que uma semana de chuva era aguardada, mas não havia volume registrado. A explicação está numa sobreposição de previsões climáticas que transformaram a região central do Rio Grande do Sul num "alvo".

Uma onda de calor estranha para o mês de maio no centro do Brasil, causada por área de alta pressão, funciona como uma "parede" e não deixa as frentes frias que vêm do Sul avançarem. Como houve uma sequência de frentes frias barradas, toda a água se precipitava no Rio Grande do Sul e chovia chuvas por horas e horas consecutivas. Ao mesmo tempo, ventos que chegam do Norte e transportam a umidade da Amazônia pelos chamados rios voadores encontraram o mesmo alvo.

"Provavelmente, há influência ainda do El Niño que está desaparecendo agora em maio. As ondas de calor ainda estão intensificadas em função dele", avalia Tércio Ambrizzi, pesquisador do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo, USP.

Para Seluchi, nenhum lugar do mundo resistiria a uma situação destas. "Talvez deveria haver planos de contingência, planos de prevenção, que são feitos na época seca. Não se faz de uma semana para outra. Isso, sim, está faltando", analisa.


Tragédia anunciada

Todos os alertas de ocorrência de eventos climáticos extremos foram ignorados pelo poder público no Rio Grande do Sul, segundo Miriam Prochnow, da Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida, Apremavi.

"As cidades ignoram que isso tem que ser levado em conta quando se faz planejamento urbano. Não pensam em retirar pessoas de área de risco, permitem ocupação em áreas onde a enchente já chegou. É ignorar a crise climática solenemente", diz Prochnow à DW .

Pessoas sobre telhados em Encantado: metade da chuva prevista para todo o ano de 2024 caiu no RS em apenas alguns diasFoto: Diego Vara/REUTERS
Karina Lima Tempestade, geografa que pesquisa diversas vezes pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS, ressalta que o estado está em uma zona muito afetada pelo El Niño e La Niña – e que os governantes sabem disso.

"Os modelos matemáticos já preveem há muito tempo que o RS continuará a tendência de aumento da incidência média anual e da ocorrência extrema, ou seja, mais chuvas técnicas e severas. Com certeza se investe muito em um estado que está tão vulnerável a eventos extremos ", afirma Lima.

Para Clóvis Borges, diretor executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS), o Rio Grande do Sul perdeu há muitas décadas a resiliência para enfrentar os extremos climáticos.

"Foi o primeiro estado a cobrir todo território com propriedade agrícola. Eliminaram praticamente suas áreas naturais", diz Borges, lembrando que restou 7% da área original da Mata Atlântica no RS e que o bioma Pampas é um dos mais ameaçados.

“Uma parcela das mortes, do prejuízo econômico que se vê agora, é por causa do descumprimento da legislação ambiental. Se a classe política continuar relegando isso, vamos passar por situações mais duras”, prevê Borges.

“O negacionismo precisa ser deixado de lado, já que as catástrofes estão ficando cada vez mais intensas”, diz Heverton Lacerda, da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan).

“Os governos atuais, tanto do estado quanto da prefeitura da capital e outras cidades do interior, estão sob comando de condições climáticas negacionistas. Isso fica exposto pelas políticas que eles encaminham”, declara Lacerda à DW.

Lacerda cita como exemplo um projeto de lei de autoria do deputado Alceu Moreira (MDB-RS), aprovado na Câmara dos Deputados em março passado. A medida autoriza o corte de vegetação nativa não florestal – como Pampa, parte do Cerrado e do Pantanal. Na prática, mais de uma área equivalente aos estados do Rio Grande do Sul e Paraná de mata nativa pode sumir do mapa se a lei passar no Senado.




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(com informações do Site DW)

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