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O médico socorrista Matheus Miachon em serviço: primeiro atendimento começa pelo telefone - Foto: Gustavo Basso/DW |
Samu completa 20 anos como símbolo de êxito do SUS
Serviço alcança 93% da população do país graças à adaptação de modelo francês para realidade brasileira.
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Aliviado, apesar da situação, o aposentado José Roberto Dias, de 65 anos, assiste à sobrinha embarcar quase inconsciente a bordo de uma Unidade de Suporte Avançado (USA) do Samu, enquanto é cuidada por uma equipe com médica, enfermeiro e técnico-condutor. Foram eles que a retiraram com sinais vitais fracos do segundo andar da casa onde mora com os tios, na região central de Santo André.
"Toda profissão é honrada, mas o trabalho dos socorristas de emergência é muito nobre, conseguem dar um suporte a pacientes e familiares muitas vezes nos momentos mais vulneráveis", afirma Dias.
O comentário do aposentado é emblemático da percepção que a população tem do Samu, como é conhecido comumente o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência. Uma pesquisa feita pelo Samu de São Paulo revelou que 90% dos moradores percebem positivamente o serviço que completou 20 anos neste sábado (27/04/2024).
"Acho que a melhor parte do trabalho é poder confortar; salvar uma vida às vezes é difícil, o êxito nem sempre acontece, mas confortar um parente, uma família, é o principal", avalia Francis Fuji, de 45 anos, 16 deles dedicados ao cuidado pré-hospitalar. "Por pior que seja o desfecho, a família agradece porque a gente confortou, acolheu, e teve amor naquilo que fez."
Nascimento
O Samu nasceu oficialmente em 27 de abril de 2004, quando o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou o decreto 5.055 que institui o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência em municípios e regiões do território nacional. O número 192 foi estabelecido para acionar o serviço em todo o país.
O decreto universalizou o atendimento que já vinha sendo testado desde 2003, após a publicação, no ano anterior, da portaria ministerial 2.048, que determina regras de atuação, tais como equipamentos e protocolos a serem seguidos – decisões que, para os "pais" do Samu, não eram nada triviais à época.
"Quais equipamentos íamos colocar na ambulância? As mochilas vão ter quais medicações? O que vamos levar dentro de uma mochila do enfermeiro, dentro da mochila do médico?", exemplifica o coordenador do Samu de São Paulo, Laelcio Ramos.
Passadas duas décadas, o Samu alcança 187,2 milhões de pessoas em 3,9 mil municípios, segundo o Ministério da Saúde, o que equivale a cerca de 92% da população – graças a algumas mudanças feitas no modelo francês que serviu de referência na implementação do serviço, como, por exemplo, o uso de motocicletas no atendimento a partir de 2008.
Em Sergipe, 85% dos atendimentos são feitos com as chamadas "motolâncias", com tempo de resposta de até dez minutos a partir de uma das 40 bases, segundo o superintendente do Samu no estado, Denison Pereira. "Em 1998, havia duas ambulâncias do Corpo de Bombeiros em todo o estado; hoje eles contam com cinco, enquanto o Samu utiliza 43 Unidades de Suporte Básico (USB) e 16 USA, além de quatro motos por base", acrescenta o enfermeiro.
Já "ambulanchas" são utilizadas em regiões como a Amazônia e partes do litoral fluminense para atender comunidades ribeirinhas e costeiras. Na capital amazonense, quatro lanchas dão suporte a comunidades rurais localizadas a até 100 quilômetros da cidade pelo rio Negro e rio Amazonas. "Nesta última estiagem tivemos de lidar com dezenas de comunidades isoladas, sendo impossível chegar até elas pela água", conta Ellen Assunção, enfermeira coordenadora do Samu de Manaus.
"Neste período, pegamos por exemplo um senhor vítima de infarto, que só foi salvo porque conseguimos um helicóptero emprestado para chegar até ele. Mesmo de lancha o deslocamento pode levar quatro horas, dificultando o socorro", conta.
Pandemia
Mas nenhum deslocamento foi mais desafiador, diz Assunção, do que as remoções de pacientes de covid-19 dos hospitais superlotados e com falta de oxigênio de Manaus para todo o Brasil. Com o colapso do sistema de saúde da capital amazonense, as autoridades fizeram a remoção de 248 pacientes para cidades como Recife, Goiânia e até Uberaba.
"Foi muito tenso porque usávamos todo aquele equipamento de proteção individual, com macacão, máscara, óculos, faceshield. A movimentação dentro da aeronave era ruim, chegar próximo do paciente e fazer os procedimentos com aquela roupa, naquele espaço pequeno, era um desafio", relembra Assunção.
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Socorristas atuando durante a pandemia - Foto: Eraldo Peres/AP Photo/picture alliance |
Naquela ocasião, o governo federal custeou o deslocamento dos pacientes – um aporte financeiro comum ao Samu, que conta com cerca de R$ 1,94 bilhão anuais em verba federal para a distribuição por todo o país das viaturas (sendo 3.847 carros, 256 motos e 13 lanchas, além de 21 equipes de resgate aeromédico).
O custeio das operações é dividido entre município, estado e União. Uma operação cara, mas que posiciona o serviço como ponta de lança e excelência dentro do Sistema Único de Saúde (SUS).
Para Ramos, que é coordenador médico do Samu de São Paulo, trata-se de um mérito enorme para o SUS, que revela a eficiência de um serviço público que a iniciativa privada, na sua avaliação, não tem como substituir. "Os serviços privados equivalentes não dão conta, não têm tempo resposta, não têm prontidão, não têm a agilidade do Samu. Tudo isso é muito caro, não é rentável para o privado", afirma.
Ameaças
Primeiro médico a bordo de uma ambulância de suporte avançado em todo o país, ainda em 1996, antes mesmo da criação oficial do Samu, Ramos acompanhou com vista privilegiada os avanços e conquistas do serviço, além de ameaças que ele enfrenta e enfrentou na cidade mais rica do país.
Devido à existência de um serviço de resgate ligado ao Corpo de Bombeiros, o Grupo de Resgate e Atenção às Urgências e Emergências (Grau), o governo paulista nunca bancou a parte que lhe caberia para o custeio do Samu. O resultado é uma prestação de serviço que fica abaixo do recomendado.
Em São Paulo, os cerca de 11,5 milhões de habitantes contam com 122 ambulâncias – 15 delas UTI móveis –, o que garante uma média de uma a cada 94 mil habitantes. A média está dentro do coeficiente de um para cada 100 mil pessoas proposto pela Organização Mundial da Saúde (OMS), mas é metade do defendido pelo Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos para países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento. Este contingente atende aproximadamente 390 mil ocorrências por ano – mais de 900 por dia.
Em Manaus, com 2 milhões de habitantes, as 45 ambulâncias, 16 motolâncias e duas ambulanchas, além de duas de suporte, realizaram, em 2023, 55,5 mil atendimentos. Com uma ambulância para cada 44 mil habitantes, os desafios na capital amazonense são as distâncias a serem vencidas.
Um problema que em São Paulo parecia superado, até que em 2019, a prefeitura, sob a gestão de Bruno Covas, decidiu fechar 31 bases do serviço pela cidade, centralizando as viaturas em hospitais – uma decisão que acabou afetando o socorro de pacientes ao longo da pandemia. Para piorar, há seis anos o Governo Federal não faz nenhuma doação de ambulâncias ao programa paulista do serviço.
Entre os problemas enfrentados pelas trocas constantes de gestões e lentidão na adoção de novos procedimentos e tecnologias, profissionais consideram a adesão de contratos com organizações de saúde (OS) o ponto mais crítico. Regimes de contratação mais precários e uso de materiais de menor qualidade são alguns dos reflexos destas gestoras da saúde, afirmam.
Com relação aos atendimentos, os socorristas citam como principal problema as informações falsas prestadas por pacientes para furar a fila de espera.
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(DW)
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