Qual é o teu poema favorito?
Outro dia, precisando responder uma pergunta incomoda, Qual é o meu poema brasileiro favorito?, quase perdi a voz. Não houve afasia clínica ou psicológica. Foi indecisão. As alternativas são tantas que nada me restou senão o silêncio. Fez−se o desconforto, desses que colocam em xeque nossas convicções e medos. Depois de alguns segundos constrangedores, desconversei – que é um sinônimo refinado para fugir. Não fui capaz de assumir a responsabilidade de cravar no livro das ignorãças o nome do meu poema preferido como se fosse uma certeza.
Em um primeiro momento, quase respondi ao questionamento com algum poema de Manuel Bandeira. Consegui me conter. Gosto tanto da poesia de Bandeira que... O exemplar de Estrela da vida inteira está precisando visitar algum encadernador, as páginas soltas, algum dia vou perder alguma e conseqüente o volume. Não que deseje essa desgraça, mas é fato comprovado que livro maltratado perde o respeito por seu proprietário.
Poderia citar Poema só para Jaime Ovalle, Tragédia brasileira ou Momento num café. São escolhas sensatas. Ninguém poderia me condenar. Mas, como ignorar essa maravilhosa síntese trágica que é Poema tirado de uma notícia de jornal? Ou o momento plástico, esplendoroso, retratado em A realidade e a imagem? E os "achados" que são Antologia e Poética (I e II)? Não consigo dizer qual é o melhor. Se acaso, em momento de embriaguez ou insensatez, cometer esse desatino, arrepender−me−ei segundos depois.
Definitivamente, não vou estabelecer preferências. E essa resolução vale para todos os outros poetas e poemas. Carlos Drummond de Andrade? Poema das sete faces, Confidência do itabirano, A máquina do mundo ou Áporo? Maravilhas assim ninguém consegue produzir da noite para o dia.
João Cabral de Melo Neto? Toda vez que alguém lê Psicologia da composição ou Educação pela pedra ou Uma faca só lâmina ou Tecendo a manhã ou Catar feijão, o desacerto acerta o peito, como que a dizer que jamais será possível escrever poesia tão bonita.
O lado romântico, aquele que roça o enlouquecimento amoroso que herdamos de Portugal, não pode desprezar Vinícius de Moraes. Receita de mulher, Poética, Balada das meninas de bicicleta, Soneto da separação, Soneto da fidelidade? Um melhor do que outro − e é preciso escolher? Nunquinha!
Ora (direis) ouvir Estrelas (Castro Alves), Psicologia de um vencido (Augusto dos Anjos), Romanceiro da Inconfidência (Cecília Meireles), Invenção de Orfeu (Jorge de Lima), Cobra Norato (Raul Bopp), estou perdido entre tantos poemas plantados no bosque chamado poesia. Então, ó desatino, não consigo recitar os versos que foram impressos carinhosamente na mente − ao longo do tempo e da vida −, sem perder o rumo, o prumo, os sentidos e a razão.
Infelizmente, cada vez que penso no assunto, descubro que nessa conversa não é suficiente nomear poemas, há poetas que nos encantam de outras maneiras. Como esquecer a vida – pura poesia em movimento! − de gênios como Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Mário Quintana, Ana Cristina Cesar ou Paulo Leminski? Como ignorar movimentos estéticos e políticos como a poesia concreta, a poesia marginal ou sei eu lá que maravilhas que (por ventura ou desventura) estão sendo escritas pelos integrantes das comunidades marginalizadas que compõem o Brasil?
Toda vez que cito Hilda Hirst, Adélia Prado, Ferreira Gullar, Manoel de Barros e Cacaso, estou esquecendo centenas de poetas e poemas de qualidade. Minha ignorância soterra qualquer esforço de parecer bem informado. Quase todos os dias encontro na Internet alguma idéia interessante, um ou outro verso invejável, vários poemas acima da média. Como posso − diante desse volume de informações − emitir alguma declaração de favoritismo? Não, não tenho um poema de que gosto mais do que os outros. Não posso ter.
Talvez tenha sido Vinicius de Morais quem estabeleceu o parâmetro a ser seguido: (...) porque a poesia foi para mim uma mulher cruel, em cujos braços me abandonei sem remissão, sem sequer pedir perdão a todas as mulheres que por ela abandonei. Independente dos interesses pessoais do poeta, mulheres e poemas pedem abraços e beijos, encantam olhares, estabelecem pulsares, derrubam pilares. E qualquer um que queira estabelecer hierarquias está – poeticamente − condenando ao descrédito, ao ridículo.
Esses três (Drummond, Rosa e Bandeira) sabiam que tudo é poesia, não importa a melodia, não importa se alguém confunde prosa com rosa ou carícia, delícia em forma de versos diversos, dispersos pelo mundo que nos protege e agride.
Raul J.M. Arruda Filho, 53 anos, Doutor em Teoria da Literatura (UFSC, 2008), publicou três livros de poesia (“Um Abraço pra quem Fica”, “Cigarro Apagado no Fundo da Taça” e “Referências”). Leitor de tempo integral, escritor ocasional, segue a proposta por um dos personagens do John Steinbeck: “Devoro histórias como se fossem uvas”.
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4 comentários
Excelente leitura! Me vi na mesma situação e confesso que também não teria tido a ousadia, ou diria, a coragem de citar algum poeta. Em especial porque ainda tenho tantos a ler...rs. Parabéns.
É praticamente impossível decidir por um poema favorito. Mas é uma indecisão de angustiante prazer ou de prazerosa angústia. Eu ficarei em dúvida entre poemas de Manuel Bandeira, Pedro Nava, Cecília Meireles e João Cabral de Melo Neto. Parabéns pelo seu texto,arguto e delicado.
É impressionante a indecisão em escolher um poema nacional favorito. Porém, é uma indecisão de prazerosa angústia ou de angustiante prazer. Particularmente, seria difícil optar entre os poemas de Manuel Bandeira, Pedro Nava, Cecília Meireles e João Cabral de Melo Neto. Parabéns pelo seu texto, arguto e delicado.
ótimo texto no contexto da palavra e do assunto que me chamou atenção na pg do Daufen. Engraçado Raul ,estava pensando nisso neste instante ,um poema para escolher , um poeta predileto...um abraço...
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