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Dos ritos modernos [ Tatiana Carlotti ]

Pérola o texto do Calligaris “Quanto vale uma virgem?” na Folha. Ele comenta o leilão da virgindade de Catarina Migliori - o lance final saiu nesta quarta (24.10), R$ 1,5 milhão. A ideia é de um reality show australiano “Virgins Wanted” que para evitar problemas com a lei fará com que a garota perca a virgindade sobrevoando o Pacífico. Detalhe: exame médico incluído!

Calligaris faz uma análise muito divertida sobre a atração da virgindade feminina. E conclui afiado: “muitos homens vivem divididos entre dois tipos de mulher: a ‘puta’, que eles desejam, mas que não conseguem amar, e a virgem, que eles amam perdidamente, mas não conseguem desejar”. Daí a atração da virgem prostituta, complementa o colunista: “como virgem, ela é parecida com a mãe, intocável e apenas amável, mas, por ser prostituta, ela é desejável e acessível”.

Simples e binário, rs...
mas dá uma confusão danada!

Depois de ler o texto, eu não resisti e joguei o tema na roda. Voilá, as conclusões, tentando ser o mais objetiva possível, o que é difícil porque era uma roda só de mulheres:

- Fazer bobagem aos 20 é de praxe – fizemos um monte -, mas fazer bobagem com uma exposição deste tamanho, na boa, pode gerar trauma e dos brabos. E o mundo definitivamente não está preparado para olhar isso de uma forma bacana. O mundo é uma grande meleca moralista, sobretudo, a indústria do espetáculo.
   
- Claro que virgindade importa. Pode não ser com a carga moral de antigamente, mas é um baita rito de passagem. E neste caso continua importando: Catarina apenas mudou o alvo, sua primeira vez não será um rito amoroso ou libertário, mas um rito do espetáculo midiático.
   
- Como não escolher para quem abrir as pernas? Optamos pela seguinte versão, pollyannas que estávamos: Catarina não vai perder a virgindade, muito menos fazer sexo... Ela vai romper o hímen sobrevoando o Pacífico. Algo como furar a orelha saltando de paraquedas, bem a gosto dos 20 anos. Ok, a pergunta insiste. Por que se abster da escolha? Por que se colocar como objeto de consumo assim? Pra quê? Sexo é tão bom quando a gente diz sim podendo dizer não. Sem falar que o cidadão poderá vir com aquele ar péssimo de direito prévio, de quem pagou. Anticlímax total. (Não, nem vou pensar no que pode ser esse cidadão).

- Agora, cadê as pessoas nessa história toda? Essa câmera de TV mais parece um daqueles aparelhos ginecológicos, frios e duros. A lente confusa que ofusca contornos, despersonaliza e aparenta uma falsa amoralidade. Como fica essa menina depois? E esse cara, imagina se ele brochar? E cá prá nós, desde quando um leilão substitui a selva? Se ao menos Catarina pudesse escolher. Na minha visão a proposta do programa não é erótica, nem pornográfica, é assustadoramente claustrofóbica. Acho que nunca ouvi falar de um programa tão invasivo.

- Sem falar que a soma de R$ 1,5 milhão é uma piada. Valha-me deus! Isso é uma ofensa à liberdade de escolha. É asqueroso até onde chega essa indústria do espetáculo. Como ela aprisiona. 

- Selecionar quem pode e quem não pode é uma das melhores coisas da vida. É o que dá autoestima. Fortalece o feminino. Dá vontade de botar salto alto. A velha e boa escolha entre os mais aptos, claro! Usufruto de um poder (nosso e do outro) que não está na grana, mas vem da pele, do desejo, do jogo lúdico entre macho e fêmea. Sexo é liberdade e linguagem das mais gostosas. E digam o que quiserem é cheio de emoção no meio.

Mas, Catarina está convicta. "Tenho 20 anos, sou responsável pelo meu corpo e não estou prejudicando ninguém", afirmou à Folha.
Ê 20 anos...

Enfim, ela
está só no começo, tem uma estrada longa e bonita para trilhar. Espero que lá na frente, depois de romper o hímen nos céus do Pacífico, ela perca a virgindade com um cara delicioso, num quartinho escuro e de portas bem fechadas. Sem se preocupar com nada, só com o prazer de tocar e ser tocada.


Tatiana Carlotti - Balzaquiana convicta e amante das letras. Pulsa no Centro de São Paulo. Ainda sonha...  Site:  SobremargenS

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