O HUMOR NOSSO DE CADA DIA
Escrever um texto falando de um determinado livro parece
algo simples e corriqueiro. Também já pensei assim, mas depois de ler A mulher
dos sonhos e outras histórias de humor tenho pensado diferente. Isso porque,
tenho receio de magoar a classe livresca, que muito unida podem pedir ao autor
a minha degolação, pois creiam-me amigos, livros são objetos perigosíssimos.
O livro é de autoria de Aleilton Fonseca, publicado pela
editora Via Liteterarum em 2010. Em suas 124 páginas nos deliciamos com 25
contos que apresentam cenas hilariantes do cotidiano. Crê-se que alguns
leitores vão reconhecer nos contos lidos indícios da própria vida, ou a de um
amigo, um vizinho, porém com um desfecho inesperado. As histórias são curtas,
proporcionando rapidamente o prazer e o riso. Há que se considerar que a
literatura humorística ganha mais facilmente o leitor, pois o riso só precisa
ser estimulado. Porém, A mulher dos
sonhos, muito mais do que nos permitir um momento de descontração e riso,
proporciona ao leitor rir de si mesmo, rir da vida, não da vida em si, mas da
imitação da vida. Assim, ao sorrir da imitação da própria vida, o leitor se dá
conta de que a racionalidade que lhe é inerente muitas vezes, o faz se perder
de si mesmo.
Como salienta Ziraldo,
O humor, numa concepção mais exigente, não é apenas a arte
de fazer rir. Isso é comicidade, ou qualquer outro nome que se escolha. Na
verdade, humor é uma análise crítica do homem e da vida. Uma análise não
obrigatoriamente comprometida com o riso, uma análise desmestificadora,
reveladora, caústica. Humor é uma forma de tirar a roupa da mentira, e os seu
êxito está na alegria que ele provoca pela descoberta inesperada da verdade.[1]
Nesse sentido, entende-se que despertar o riso ou tocar o
senso de humor do leitor é um trabalho árduo, pois requer talento e uma postura consciente e reflexiva para
projetar no texto uma inversão e subversão da ordem vigente. Ou seja, o humor
na literatura deve partir de uma ruptura entre a vida e/ou o cotidiano(a imagem
tradicional que temos) e a vida representada (imagem reveladora da insensatez).
Este contraste revela as incoerências e dissonâncias das ações e valores
humanos. Assim, o texto humorístico, além de ganhar a atenção do leitor
seduzido pelo prazer da comicidade, na maioria das vezes, reveste-se também de
um papel crítico-reflexivo voltado para as ações, neste caso do leitor e/ou
expectador.
Como lembra Marília D. da Rosa “A quebra do trivial para o
cômico deve conseguir surpreender o leitor de tal forma a instigá-lo,
agradá-lo, mas isso só ocorrerá se causar a identificação do leitor com o fato.
Por isso, é importante considerar tanto o conhecimento do leitor quanto seus
hábitos e cultura para criação de uma comédia, principalmente no tocante à
intertextualidade”(ROSA, 2009, p. 16). Assim, entende-se que o senso de humor
durante uma leitura varia de pessoa para pessoa, dependendo muitas vezes de
alguns condicionantes.
Quando recebi pelo correio em agosto de 2010 o meu
exemplar de A mulher dos sonhos, corri para fazer a leitura e não deu outra:
risos ecoaram pela casa bem como certo encontro com uma razão irracional.
Assim, informo que a epigrafe utilizada no inicio do livro, cumpriu-se. “O meu
ideal seria escrever uma história tão engraçada que aquela moça que está doente
naquela casa cinzenta, quando lesse minha história no jornal, risse tanto que
chegasse a chorar e dissesse “- Aí meu Deus que história mais engraçada” –
Rubem Alves. Bem a casa não é cinzenta, tem pastilhas pretas. Mas a moça
sorriu!
A leitura começa. No primeiro conto, O pai dos sábios,
conhecemos a realidade dos apaixonados por livros, fato que me levou a crer que
é muito arriscado tê-los em apartamentos. Além de serem “más influencias”
para os jovens de todo um prédio, podem causar divorcio, expulsar moradores de
casa, mas também podem ser vistos como um pelotão de fuzilamento, “se os
dicionários resolvem pular em minha cabeça, matam-me na hora”(p. 20) um perigo,
não acham? Assim o primeiro conto nos é apresentado carregado de ironias.
Todo o livro é uma coletânea tipos e situações
corriqueiras, com elementos conhecidos do leitor. Recomendo a casais que leiam,
vocês vão se surpreender com algumas situações que sempre acontecem com os
amigos de vocês. Claro que com vocês nunca acontece. Nos contos A mulher dos
sonhos e Sacolas castanhas, temos uma situação bem comum na vida de mulheres
ciumentas: “Sonhei que você está me traindo(...)Não se faça de desentendido:
sonho é intuição. Se explique - agora!”(p. ) e “Sonhei que voce tinha ido
embora com duas sacolas castanhas. Eu ri as gargalhadas. Expliquei que sonho
são bobagens inventadas pelo cérebro desocupado durante o sono”(p.97) mas vá explicar isso à mulheres que têm os
sonhos como condutores de avisos.
Os dilemas conjugais são matéria riquíssima e bem
aproveitada por Aleilton em várias facetas: Folga da empregada é uma boa
situação para degustar os direitos adquiridos pelas mulheres com o levante
feminista: futebol na TV, homem pilotando fogão e a mulher dando um passeio.
Prato cheio para o riso em Receita caseira; já em Briga de casal o problema é
mais sério, até porque a briga alcança alto nível vocabular, chegando o marido
a assumir diante do amigo que presenciava a briga “Eu sempre soube que sou
solipsista”(p. 47), o amigo é que fica sem nada entender com este tal
soliptista. Mas Aleilton continua mexendo nos casamentos, desta vez, tentativas de quebrar a rotina após algum
tempo de bodas como em: Marilda Ama Omar,
Domingo no motel e Santa de casa; outras situações na vida de um casal
também ganham destaque nas páginas deste livro como: compra de produtos que se
referem a intimidade pessoal; ida de casais a restaurantes, aliás, lugar
oportunidade para as mulheres apresentarem às amigas o ponto fraco dos maridos;
sem contar a necessidade de fazer um filho, todos estes presentes em: Compras especiais, Comédia conjugal e Noite de Núpcias. Mas o mais surpreendente é
saber que ainda há casais que só passam a existir por conta de homens tão
abnegados e apaixonados que até torcem pelo Bahia mesmo sendo Vitória de corpo
e alma como retratado em BA-VI em família.
Outras temáticas do cotidiano fervilham e acrescentam
pitadas de humor à vida de qualquer leitor: as neuroses em tempo de surto de
dengue, é o que se vê em Caso de dengue; Alô, telemarketing, Emprego
temporário. E como em todo bom conto humorístico o que vale é o desfecho
imprevisto, os convido a desopilar o fígado em, É a mãe, O galanteador, e Uma informação por favor além de outros contos.
Assim, com brilhantismo, sendo breve e conciso, Aleilton
reconstitui cenas cotidianas apresentando situações e personagens comuns que
bem manipulados se tornam condutores de um discurso cômico que liga o real
vivido à realidade representada, transformando, assim, fatos corriqueiros em elemento e motivo para o riso. Aleilton é mestre em transformar nossas
vivências em material literário. Na maioria dos seus livros, ele burila em nossas
emoções arrancando lágrimas. Neste livro também tem feito algo semelhante,
porém, trazendo o cotidiano como material para o risível, convidando-nos a
rirmos de nós mesmos. Deste modo, pode-se dizer que ele figura para a
literatura como um autor representativo da epifânia da emoção, conduzindo o
leitor às lagrimas e ao riso.
Como diz Flavio Moreira da Costa na introdução aos Os cem
melhores contos de humor da literatura universal: “Mas chega, senão esta introdução corre o
risco de ser escrita de terno, gravata e de colarinho duro. O leitor, calculo
eu, está querendo roupa folgada e um lugar confortável para ter lá seus bons
momentos de humor, e não ser obrigado a pensar sobre ele.”
[1]
Revista Veja, 31 de dez. de 1969.
Paula
Ivony Laranjeira de Souza- Formada em Letras Vernáculas
pela Universidade do Estado da Bahia-UNEB. Atualmente mantém o blog
Pesponteando: retalhos literários.
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Um comentário
Daufen, fiquei feliz e surpresa ao encontrar um dos meus textos aqui. é bom saber que algo que fazemos agrada aos leitores, especialmente quando é compartilhado em suas redes.
Estou conhecend sua revista e gostando bastante.
Abraços.
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