Presentes recíprocos [Cristovam Buarque]
Como foi possível a sexta economia do mundo não ser capaz de cuidar decente e competentemente de suas crianças, deixando milhões delas fora da pré-escola, sabendo que centenas de milhares de mães são obrigadas a deixar seus filhos na primeira infância sob os cuidados de outros filhos, às vezes com 10 anos de idade, retirados da escola para este trabalho.
Os historiadores ficarão perplexos quando descobrirem que esse quadro persiste, apesar de o Brasil comemorar o Dia da Criança, em 12 de outubro, desde 1924.
Alguns historiadores dirão que o maltrato e o abandono são lendas criadas sobre o passado. Outros darão explicações culturais: o imaginário egoísta e imprevidente da população brasileira, com alta preferência sobre o consumo material no presente, um povo que não respeita a atividade intelectual nem considera riqueza o acúmulo de conhecimento. Outros se limitarão a dizer que a sociedade dividida por uma histórica apartação social cuidava dos poucos filhos da minoria rica, deixando de lado as massas de crianças, filhas de pobres.
Os historiadores terão dificuldades de explicar a indecência do abandono e estupidez, o sacrifício do maior potencial que uma sociedade dispõe: seu futuro, sob a forma de sua infância.
Mas uma coisa os historiadores terão de reconhecer: o quadro de violência, ineficiência, corrupção, desigualdade e atraso civilizatório em 2012 decorre da forma como foram tratadas as crianças de antes.
O Brasil de hoje é o país construído pelas crianças de ontem; e o Brasil de amanhã tem a cara da maneira como tratamos nossas crianças de hoje.
Se quisermos um bom futuro para o Brasil, é preciso cuidar das crianças do presente, de uma maneira diferente daquela do passado. Como diz a ex-senadora Heloisa Helena: "O Brasil precisa adotar uma geração de suas crianças, do pré-natal ao fim do ensino médio de qualidade para todos." Essas crianças adotadas hoje adotarão o Brasil amanhã. O futuro do Brasil seria os cuidados delas para com o país, uma retribuição espontânea do que receberam no passado.
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