A barca
A barca parou cansada sobre as marolas suaves e sentindo a brisa salgada do mar, suspirou aliviada... A tempestade havia cessado, e ela sobrevivera mais uma vez. O mar era como a vida, de repente, tudo mudava, os ventos modificavam os caminhos, e seu sopro nos conduzia à destinos por ele escolhidos, sem nos consultar.
Mas a barca estava cansada também de navegar por tantos mares verdes, sem ter uma companhia. O pôr-do-sol ainda a seduzia, mas desejava contemplá-lo acompanhada ao menos uma vez, para saber se enxergaria outras cores que não conhecera até então.
Sentindo uma nostalgia de um dia que nunca houvera, a barca recomeçou seu caminho, deslizando suavemente pela espuma das ondas indomáveis, que por vezes lhe eram carinhosas, em outras, inimigas, jogando-a para cima e para os lados, deixando-a sem sentido de direção, forçando-a a reunir todas suas forças, na tentativa de resgatar o controle de algo que nunca tivera.
Inesperadamente, algo lhe chamou a atenção. Sempre que navegava, apreciava outras barcas que por ela passavam, mas sem maior interesse do que observar o que os mares escondem, e às vezes revelam sem querer.
Aquela barca que via na linha do horizonte, era muito diferente de todas as barcas que ela já havia visto passar. Algo a atraia àquela barca, com uma força inexplicável. A barca bem que tentou se conter, mudar de rumo, ou simplesmente parar, mas foi tudo em vão. Como um imenso imã, foi atraída por aquela barca misteriosa e aos poucos foi aceitando que os ventos a envolvessem e a levassem naquela direção. Precisava descobrir o que lhe causara tanta inquietude.
Ao aproximar-se, percebeu que as cores da outra barca cintilavam quando tocadas pelos raios de sol naquele fim de tarde. Foi então tomada por uma imensa paz, como jamais sentira. E aos poucos, foi permitindo-se aproximar-se da outra barca, que ao percebê-la, alinhou-se de forma que ela pudesse parar bem ao seu lado.
As velas da barca batiam-se freneticamente. Ela tinha dificuldade em manter-se no mesmo lugar. Sentia como se o próprio Poseidon a empurrasse para mais perto daquela barca cintilante. Precisava desesperadamente sentir o seu calor, e assim, levada pela sua curiosidade imensa, permitiu-se aproximar...
A outra barca assustou-se, pois percebeu que ela mal podia controlar-se. Elas eram barcas muito diferentes. A primeira era uma barca leve, que navegara por muitos mares, sozinha e sem medos. A segunda era uma barca com uma âncora pesada, que lhe trazia equilíbrio, e lhe permitia tranquilamente apreciar o pôr-do-sol. Mas também a impedia de velejar rapidamente. E a velocidade da pequena barca a assustava.
Mesmo assim, as duas barcas não conseguiram afastar-se uma da outra. E depois de acalmarem-se as ondas causadas pelo ímpeto da primeira barca, a paz reinou por um momento, e elas conseguiram alinhar-se, numa perfeita sintonia.
Elas sabiam que não seria fácil velejarem juntas, lado a lado. Uma teria que acalmar-se e domar seus instintos selvagens, enquanto a outra precisaria levantar sua âncora e seus medos... Acreditando que o destino de suas jornadas seria o mesmo, se elas assim o desejassem.
E naquela noite, sob a luz do luar, na linha do horizonte, orientadas pelas constelações estelares, as duas barcas lentamente iniciaram uma nova viagem, por mares ora calmos, ora agitados, por terras conhecidas e estrangeiras, entre brisas suaves e ventanias enfurecidas, sob o forte calor do sol ou a fria tempestade escura... nada importando à elas, pois juntas se complementavam, e completas, sentiam-se fortes e capazes de enfrentar qualquer obstáculo.
SimonePedersen é escritora.
Tem vinte livros publicados para crianças, jovens e adultos.
Faz oficinas e contações de histórias em escolas do Brasil.
Assinar:
Postar comentários
(
Atom
)
Nenhum comentário
Postar um comentário