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AS RAÍZES QUE INVADIRAM A CASA [Raul J.M. Arruda Filho]

AS RAÍZES QUE INVADIRAM A CASA 

(...) tempo bom mesmo era o outro!, diz Teodoro Jurema, confirmando a idéia de que o passado cultiva o estranho hábito de assombrar o presente – reabrindo feridas, recordando horrores, refazendo histórias que deveriam ter sido soterradas pela areia que escorre pelo interstício que separa as duas metades da ampulheta.

O romance As Raízes que Invadiram a Casa, de Vernaide Wanderley, embora não obedeça ao ordenamento narrativo ortodoxo (desses que possuem começo, meio e fim − nessa ordem) está centralizado em uma espécie de acerto de contas. Assim como o vinho de qualidade − que repousa em tonel de carvalho durante alguns anos para poder apurar o sabor e a densidade −, a obsessão sexual costuma embriagar as relações amorosas.

Contar a história do amor unilateral de uma adolescente por um homem mais velho não constitui enredo inovador - talvez seja tema suficiente apenas para conto ou novela pouco extensa. Exceto se quem o maneja possui competência para extrair leite de pedra. Esse parece ser o caso de Vernaide Wanderley que, para fornecer dinamismo e coerência narrativa ao seu texto, se valeu de alguns artifícios criativos. Primeiro, repartiu a narrativa em diversos capítulos. Segundo, instituiu um narrador diferente (com voz marcadamente diferenciada) para cada um deles. Terceiro, misturou os tempos narrativos de forma com que o presente somente se completa como continuidade das histórias inconclusas que o passado traz à tona.

Na medida em que reapresenta alguns fatos − sob diferentes olhares e entendimentos −, a estrutura polifônica vai se desenvolvendo como se fosse elemento natural, como se a narrativa não pudesse ser contada de outra maneira. Cada capítulo, e seu respectivo narrador, acrescenta uma nova camada de entendimento aos elementos que vão sendo acrescidos lentamente ao desenvolvimento narrativo.

Não há segredos a serem revelados. Não há suspense para distrair a atenção do leitor. Desde as primeiras páginas, está claro qual será o andamento narrativo. Julia, na adolescência, se apaixona por Teodoro, um empregado de seu pai. Infelizmente, precisa deixar a vida familiar antes que algo se resolva. São vinte anos de separação física e afetiva. Ao retornar para a casa onde viveu na adolescência, ela descobre (ou deixa aflorar) que o sentimento ainda a atormenta. E que, junto com a paixão, há a necessidade física de satisfazer o desejo. O corpo reclama pelo outro corpo.


O jogo de sedução vai estendendo a teia – até que a presa fique imobilizada, enredada na armadilha. Teodoro, agora viúvo, por motivos médicos, precisa ir para a "cidade grande". Júlia aluga uma casa e o acolhe. Com a desculpa de ajudar o doente, acaba por ministrar o remédio adequado para apaziguar a própria "doença". Depois de conquistar o homem, oferecendo exatamente o que costuma agradar aos homens, Júlia acalma o vulcão que estava em erupção dentro de seu corpo. Além disso, amplia o desejo com um fetiche: muitas vezes, antes de ir para a cama, exige que Teodoro se vista de vaqueiro (gibão, rebenque, chapéu, botas e esporas).

A unilateralidade do erotismo muitas vezes contribui para destruir a volúpia sexual do casal. Aquele que precisa satisfazer a fantasia do Outro poucas vezes consegue se sentir à vontade com um desejo não é o seu. Como esse tipo de impasse costuma resultar em distanciamento ou em crises geradas por fatores colaterais, Teodoro, certo dia, vai embora. Com caligrafia tosca, deixa um bilhete, onde esclarece que não quer mais continuar a brincadeira. Preza mais a liberdade do que a gaiola de ouro.

Diferente dos finais infelizes clássicos, As Raízes que Invadiram a Casa assinala para a ruptura como conseqüência da experiência humana. Ao mesmo tempo, ciente de que a protagonista preencheu o interstício emocional que a atormentou durante parte da existência, abre caminho para que possa gozar com outros desejos. Essa voz serena ecoa na frase final, para construir e reconstruir os tantos lugares de nossa história...



Raul J.M. Arruda Filho, 53 anos, Doutor em Teoria da Literatura (UFSC, 2008), publicou três livros de poesia (“Um Abraço pra quem Fica”, “Cigarro Apagado no Fundo da Taça” e “Referências”). Leitor de tempo integral, escritor ocasional, segue a proposta por um dos personagens do John Steinbeck: “Devoro histórias como se fossem uvas”. 
Todos os direitos autorais reservados ao autor.

Um comentário

http://lulenag.wordpress.com/ disse...

Muito bem elaborado o resumo dinâmico desse envolvente e apaixonante romance dessa talentosa escritora Wernaide o qual tive o prazer de ler e fiquei literalmente enraizada pela leveza, simplicidade e trechos hilários e deliciosamente sedutor do personagem Teodoro Jurema, que com certeza marcou, além do livro ser maravilhosamente bem construido do começo ao fim. Parabéns!!! Lu Lena