Visão saudosista e crítica de Cuiabá
Cuiabandonada. Palavra inventada na hora, na lata, na raiva de ver a cidade desse jeito. E “diz que” a Copa do Mundo vai ter vez aqui. Quá... Mas vai ter mesmo. Vejamos pois, daqui a três anos e meio, malemá. Quando começo a pensar (e escrever) sobre Cuiabá, sinto raiva de ter saudades do passado. Um passado recente, quando ainda não havia essa putaria de amarelinhos desembananando o tráfego e Zé Boloflor, poeta popular, comandava os carros nas esquinas cuiabanas. “Eu acredito no semáforo, no avião, mas hoje é sexta-feira e o céu borrou a cor”.
Meu pai já disse que meus escritos me revelam um saudosista. Acho que é porque sou movido por alguns sentimentos, como a raiva e a saudade, por exemplo, quando me ponho a falar da cidade que escolhi para viver, pelo menos até agora. Um lugar que não era assim – e era bom pra se viver – quando cheguei aqui em 1970. Daí foi piorando, piorando, piorando... E nem sei onde vai parar de tanto que piora.
Não falo da cuiabania autêntica nem tampouco dos “paus fincados”, porque todo mundo que vem prá cá logo vira um cuiabano, perde os trejeitos e os ares metropolitanos impessoais, pra ser gente boa e simples. Bem que uns demoram quase uma vida, mas viram cuiabanos, nem se for debaixo de sete palmos.
A conversa hoje é mesmo, infelizmente, falar mal da nossa cidade. Que está ruim, feia, abandonada... E cada vez mais quente. Haja sombra de mangueira pra tanto mormaço e haja grana pra climatizar nossas vidas, seja em casa, no trabalho, “na rua, na chuva, na fazenda ou numa casinha de sapê”.
Junto com o calor de rachar, fazem a gente transpirar também (de raiva) os problemas de infraestrutura e as questões sociais, que trazem no bojo a criminalidade. Essa tem me parecido a Cuiabá do século XXI. De 2000 pra cá, ferro na boneca e o povo, povão mesmo, só que dança. Dizem que por aqui rola muito dinheiro. Acredito. Vejo cada carrão na rua e vejo casas que não são bem casas: são palacetes. No Brasil, parece que tem que ser assim: contraste. Se miséria e riqueza não conviverem, não é Brasil. É. Parece que Cuiabá se torna uma espécie de superlativo da imagem do Brasil.
Ano passado, quando a gente conheceu o Velho Mundo, muitas pessoas nos questionavam sobre como era o Brasil, que eles apontavam como a quinta economia do mundo ou coisa que o valha. Nem sempre eu sabia o que responder... A corrupção e o descaso com o erário público, sintomas da nossa sociedade viciada (não adianta jogar a culpa só nos políticos), também eram temas que me colocavam em xeque. Mas, voltemos a Cuiabá.
Uma cidade que ficou feia, que viu seus córregos e rios serem transformados em canal de esgoto, a maioria a céu aberto, viu suas ruas e calçadas sendo esburacadas, suas árvores sendo derrubadas, vê o crime nos espreitando a cada esquina e o seu povo ser abandonado pela precariedade dos serviços públicos básicos: a educação e saúde foram pro beleléu. E “diz que” vai sediar a Copa do Mundo.
E depois vem o meu pai e me descobre saudosista. Sou mesmo. Ganhei outro dia um presente curioso de um amigo: um DVD com três episódios daquela antiga série “Túnel do Tempo”. Queria ser um daqueles caras que viajavam pelo tempo, pra poder re-experimentar coisas da Cuiabá antiga. Pode ser aquela dos anos 70, quando cheguei aqui. Algo bem simples, assim, como um picolé de groselha do Sinfrônio.
(Haikai, inspirado no picole de groselha do Sinfrônio)
“lembrança velha:
a vermelha groselha
me dá na telha”
Lorenzo Falcão é poeta, escritor e jornalista.
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