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A arte de ser feliz todos os dias [Shirley Durães]



Foto: Fabio Marçal - Galeria de Fotos/Montes Claros
Artesanato: Vendedora de Pequi


A arte de ser feliz todos os dias

Um bem-te-vi cantando no coqueiro ao lado da minha janela inspirou-me a escrever esta crônica. Ando refletindo, nos últimos tempos, sobre a possibilidade de acolher a felicidade no cotidiano. Logo de início uma dúvida cutucou a minha mente: ser ou sentir-se feliz? Qual seria o termo mais apropriado para discorrer sobre tema tão comum? 
Como uma boa curiosa do sentindo das palavras – ainda prefiro aqueles significados que podemos dar às mesmas – corri de imediato ao Aurélio. Primeira definição: Ser. v. pred. 1. Liga o predicativo ao sujeito. Humm… Não era bem isso que minha imaginação romântica procurava. (risos). 4. Ficar, tornar-se. 6. Significar. 9. Pertencer. 10. Ser próprio; convir. Opa! Eis o que, romanticamente, eu procurava! Ficar feliz; tornar-se feliz; Pertencer à felicidade? Mas o que é essa tal felicidade, afinal? Um susto? Um arrepio no escuro da alma? Confesso que não consegui me segurar e dei uma corridinha rápida ao Aurélio mais uma vez. Fe.li.ci.da.de sf. 1. Qualidade ou estado de feliz. 2. Bom êxito; sucesso. Sucesso? Humm... Romântica como sou não consigo resistir à tentação de defini-la com as palavras do incomparável Guimarães Rosa: “Felicidade se acha é em horinhas de descuido”. Há um sentido enigmático em tais palavras. Já reparou que é na distração que o amor chega? E mais: é no instante em que parecemos estar desligados de nossos objetivos mais almejados que aquela resposta que aguardávamos ansiosamente chega como que de repente? Aquele telefonema esperado durante semanas nos desperta para uma nova possibilidade, um desafio desejado. E lá vem ela. Essa tal felicidade faz nossa alma transbordar e, mesmo que num minúsculo espaço de tempo, nos sentimos inteiros, plenos, conectados com a vida. Aquele momento em que, sem pestanejar, sentimos que apesar de todas as batalhas a escolha pela vida sempre valera a pena. Já dizia o perturbador Freud que há em nos um impulso de vida e morte. Penso que vivemos o tempo todo na corda bamba das emoções. Escolher ser feliz é tarefa diária que demanda, sobretudo, coragem.

Ainda a procura de definições debruço-me sobre o dicionário. Sentir; v.t.d. 1. Perceber por meio de qualquer órgão dos sentidos. 2. Experimentar (sensação física ou moral). 3. Ser sensível a. 6. Ter consciência de. 7. Experimentar. 10. Ter consciência do próprio estado; reconhecer-se. Ser sensível a felicidade. Estar aberto, receptivo. Já pensou quantas vezes em nossa vida nos fechamos para as pequenas, porém, deliciosas alegrias do cotidiano? Um belo prato, o canto de um pássaro, o sorriso contagiante de uma criança, a brisa brincando com os pelos de nosso corpo... Experimentar a felicidade. Ei, Dona Felicidade, aonde estas escondida? Dá uma pista aí. (risos). Não se procura a felicidade? Mas o Guimarães Rosa disse que se acha! E quem procura acha já dizia o velho ditado. (risos).
Hoje resolvi experimentar uma nova grife. Ah! Vocês já conhecem? Desfilei durante o dia inteiro com as vestes da Felicidade. E como é estranho esbanjar felicidade aos olhos dos que nos rodeiam! Parece que virou moda demonstrar tensão, preocupação com relação à vida. A felicidade sem motivo aparente – aumento de salário, carro importado, o amor de novela, a viagem dos sonhos, a casa invejada pelos amigos e vizinhos, o celular de última geração, o ipad, o ipod, tablet, roupas e perfumes de grife... Ai! São coisas demais para se alcançar e então, finalmente, reconhecer-se “feliz”. 
Já reparou que distração e simplicidade tem tudo a ver? Porque é quando estamos distraídos que nossa essência vem à tona. Razão simples para que a felicidade nos dê a honra de sua nobre visita. Afinal, a felicidade repousa nas palavras simples, ditas ou não; nos gestos banais; nas pequenas surpresas do dia a dia como naquela chuva que cai de repente no meio de uma tarde quente e abafada de verão e que nos assombra com sua impetuosidade e nos purifica de nosso mau humor de final de tarde.
Preferi acreditar, naquele momento, que aquele insistente bem-te-vi pousado no alto do coqueiro cantarolava pra mim. Então, como uma “louca” – alguns diriam – comecei a falar a sua língua. Do outro lado da janela ele respondia: bem-te-vi, bem-te-vi... Bem vinda seja Dona Felicidade! Bem te vi aqui mais cedo, em tempos pueris. Que tal um reencontro? Agora? O telefone toca e me desperta para as obrigações do dia. Sem medo, calço os sapatos, pego a bolsa e saiu rumo à vida com os sentidos à flor da pele.
O sol atrevido queima minha pele, o aroma dos pequis expostos nas bancas dos ambulantes invade minhas narinas, os transeuntes parecem irradiar uma beleza rara, coisa de gente que sente a aridez e a doçura da vida em seus limites. Entre tantas “Marias” e tantos “Josés” caminho suave pelas calçadas onde a vida desliza mansamente. O tempo ali parece que constituiu seu reino permanente: rapaduras, doces de cidra, mangas, pinhas, cabeças de nego, queijos e requeijões preservam o sabor singular daquele lugar. Ao longe, ouço a canção do Zeca (o Baleiro que cutuca minha alma): “Se você quer ser feliz, tente... Felicidade pode ser qualquer coisa, uma cachaça, um beijo, um orgasmo... Sonhar é a salvação”.  E sigo feliz descortinando no olhar do povo da minha terra a vida que, insistentemente, teima em escancarar sua beleza nos pequenos detalhes do cotidiano.


Shirley Durães. Formada em Serviço Social, apaixonada por Arte em suas mais diversas manifestações e, acima de tudo, uma eterna curiosa sobre os "fios que tecem a vida".

Um comentário

gutipoetry disse...

A crôniba esmiuça todas as possibilidades que a palavra Felicidade pode conter e faz prevalecer os pequenos gestos de afetos presentes no cotidiano que resvalam no eterno que essa palavra que todos procuram e sonham deseja ser.A crônica também dá o devido valor ao estado de distração que afasta o cotidiano entendiante e estressante, ou seja, confere o devido valor ao ato de espairecer