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O CANTO DA CHUVA [Donna Boris]


O CANTO DA CHUVA  
  

Há três dias olho o tempo... precisando ir fazer uma filmagem em campo para o documentário, limito-me, a chuva me diz que ainda não é hora de ir. Não reclamo, estou no sertão e ela é reverenciada na sua chegada. Então... vou tentando pensar como o povo daqui. A seca sufoca a semente que na terra espera água para germinar. (Sou filha do concreto, nasci na cidade grande, mas é doce o cheiro de terra molhada. Não pensem que estou indiferente dos alagamentos existentes no momento. Solidarizo-me com a situação e faço minha parte. Precisamos unirmos sempre.) Aqui chuva tem jeito de vida, gosto de vida e é tocante ver mãos calejadas e faces cansadas pelo trabalho na terra e a vida dura, unir-se em oração e agradecimento por uma plantação melhor. Quantos existem na cidade, que nunca pararam para pensar o trabalho que dá todos os componentes de uma salada, até estarem prontos para o consumo? É delicioso o cheiro de uma caixa de frutas, mas será que pensam que elas não nascem em caixas? Vejo nos supermercados as reclamações quando os produtos não são encontrados ou quando sobem os preços. Parar e pensar na situação do homem do campo é coisa rara de se ver. Pensado assim... fui até a porta da casa olhar a chuva que caía mais fininha. A festa da meninada a brincar na chuva... já estava quase adormecida em mim. Absorta na alegria, nem me dei conta da mãozinha molhada a me puxar... vem poeta... disse-me a voz infantil do filho do dono da casa, Sr Gildo. O pequeno Quizinho, já totalmente encharcado de água, sorria com felicidade só contida em uma criança do sertão, que sabe que chuva é sinônimo de vida.  Não recusei, seria não entender a cordialidade do convite. Pedi que me mostrasse o que ele mais gostava de ver, quando chovia. Olhou-me com ares de mestre e foi me puxando pela mão. Junto à cerca em uma grande extensão de terra Quinzinho me disse que ali o pai havia plantado feijão, e que ele ainda esperava que a chuva desse vida na plantação. Falou que a safra passada foi toda perdida pela seca. Vi a esperança falando nos olhos puros de uma criança, que já pensa com maturidade. Segui caminhando com ele e logo me mostrou a plantação de milho... falou-me que a chuva chegou em boa hora e que a espiga iria ser boa. Do outro lado, vi homens já trabalhando no preparo da terra para outro plantio, mamona. Cada hora tinha que ser muito bem aproveitada. Tentar colocar cada pedaço de chão em ordem e fazer dele brotar as vidas necessárias, as vidas... tão importantes. Vi o gado que parecia banhar-se na chuva fina. Cabras procurando capim. Quizinho falou: logo vai ter bem verdinho do jeito que você gosta Preta. E acariciou a cabeça da cabrinha levado-a ao cocho com capim seco. Pegou baldes que aparava água de chuva, e encheu as vasilhas dos animais. Ofereci-me para ajudar na tarefa. Ele me falou: a senhora pediu para mostrar o que eu mais gosto quando chove. É isso que gosto... ver meu pai trabalhando na roça, minha mãe fazendo comida alegre, meus amigos todos sorrindo, ter água perto para nós e para os bichos. É muito ruim carregar água suja porque só tem ela, e longe. É bom brincar na chuva, porque ela sabe que a gente fica feliz, com a chegada dela. Depois da aula recebida de um mestre tão pequeno em tamanho e já grande em sabedoria, voltamos para casa. A chuva esperou chegarmos e estarmos abrigados, para cair mais forte... todos sorriam. O cheiro do café estava tomando conta do ambiente. Café do interior tem cheiro e gosto diferentes do café da cidade grande. Após a janta, pedi desculpas por me recolher e deixá-los ainda na sala conversando... mas as letras pediam a minha presença e eu precisava escrever o momento vivido. Assim o fiz com grande agradecimento. Viver o simples na felicidade é premio. Estar presente em um momento que tinha muito para ser diferente e diferente essa gente sabe fazê-lo, porque são cheios de esperança e fé. Bonito é ver o amor que se expande em energia, carregando as “baterias” existenciais de uma pessoa da cidade... igual a mim. A chuva tamborila no telhado, cantando canção de ninar. E realmente canta aqui. Vou fazer minhas orações e dormir, agradecida por esse lindo dia.

Como que sapeca, um pingo da chuva tocou meu rosto... sorrindo faço aqui o ponto final.


Donna Boris, nascida aos  trinta dias do mês quatro, taurina, mas não teimosa, no estado da Bahia, sob o céu de sua capital, Salvador. Soteropolitana. Administradora de empresas de formação, Poetisa de nascimento... “Aos nove anos comecei a versar e não mais parei... quarenta e dois anos (incompletos) já somam. Diversificando para contos, crônicas, literatura infantil e letras musicais. Por amor a literatura.., deixei de exercer minha profissão e me dedico integralmente a escrever. Dois filhos maravilhosos e um casal de netos... presentes divinos. Eis um pouco do que sou... o mais... a minha poesia explica. Link do blog:
http://poetisadonnaboris.blogspot.com.br/ 

Um comentário

Anônimo disse...

E como explica, Donna! A sensibilidade do olhar com a alma; do perceber no simples, a magia essencial que embala a vida. Abraço.