–
Olhe, amigo, ontem me refestelei como há muito não
fazia.
– E foi? E a refestelança se deu de que
modo, homem?
– Do modo que todo homem merece, ora!
– Virgem, e foi?! Mas que mal pergunte
ao amigo, como foi?
– Vou principiar pelo início. Bote
tento e aguce os ouvidos, hem!?
–
Tento boto, e redobrado, e os ouvidos já afiei. O amigo principie.
– Primeiro, escolhi a pretendida. Então, montei
o cerco, fiquei
na vigília e encantoei a
danada.
– Hum!... a danada, é? E aí, danou-se!
– Nem tanto. Já na primeira investida, ela se esquivou e fugiu...
– Quer dizer que a danada pôs a fuga no trote e desfeiteou o amigo!?
– Mas insisti. E de novo. Corre aqui, escapa ali e ela esperneando...
– E entre um esperneio e outro...
– Segurei com força a bendita que,
desassossegada, arrepiou e
rebundeou...
– E entre um arrepio e um rebundeio...
– Ela se rendeu.
– Rendida, rendida, em seus braços, siô?!
– Também, pudera: eu ali, resolvido, com
o fôlego alterado, o
desejo pidão...
– Um felizardo, o amigo! Aí num quieto, num calado, sonso que só...
– Ah! e que coxas, criatura! De aguar
a boca, os olhos, a vontade...
– Principalmente, a vontade...
– Bem, vou desativar o princípio e ativar a continuação...
– Virgem, e é aí que a coisa vai esquentar...
– Ainda não, se aquiete! Antes da esquentação, tem o ajeitamento, ora!
– Bem lembrado... O ajeitamento...
– Dominei a fulana e, no maior capricho,
apalpei tudo e deixei
a tal peladinha.
– Que suadeira, amigo! Pe-la-di-nha? Desnudadinha? Em pelo?
– Em pele. Pele e carne. E quanta abundância...! A peitaria, então, que
fartura!
– Valei-me, protetor dos
invejosos! Farta, sim, é a inveja que
me desarvora...
– Compostura, homem...!
– Sim. Mas deixe de lado a continuação e chegue logo na consumação,
– Se acalme! A pressa é inimiga da detalhação. Como lhe dizia...
– Peladinha, com as coxas, peito e abundâncias
a seu dispor...
– Eita gastura a sua, homem! Ajeite o desajeitado e me escute, criatura!
– Bem sugerido! Então, pe-la-di-nha... Ai, o que abunda sempre agrada!
– E no ponto pra
virar quenga! Uma quenga deliciosa...
– Quen...ga?! Assim, quenga, quenga?!
– Quenga, homem, quenga! E quenga
de primeira.
– Modelo quengão? Quenga gostosa, cheirosa, carnuda...
– Quenga de primeira, das melhores. Encorpada, aloirada, cheia de
suculências e quenturas...
– Minha Virgem, por piedade, uma sobrinha que seja! Ih! não é de bom tom
abordar tal assunto com uma virgem, ainda por cima, santa! A senhora me
desculpe o mau jeito...!
– Sobrinha? Que mal há? Afinal, somos amigos. Por que não...?
– “Por que não...?” O amigo quis dizer o quê?
– Que vou lhe ceder a quenga!
– O amigo descerebrou!
– Ela está ali, ó, no descanso... E quenga dormida é boa por demais...
– Minha Virgem, acuda o
homem! Me ceder sua quenga...?
– Sim. Ou o que restou
dela. Depois de ontem à noite...
– E que noite, posso até
imaginar...!
– De revirar os olhos!
Ela sobre a mesa, remexendo-se, hum,
ao mais simples
contato...
– O quê...?! Em cima da
mesa? O amigo, pelo visto, abusou...
– Até me fartar, ufa! E,
como lhe disse, a quenga é sua agora.
Dê um trato na
dita!
– O amigo perdeu de vez a compostura...?! O que é isso?! Me ceder a
quenga depois de uma noitada...! Se atipe, siô!
– Ande, a gostosa está à sua espera! É só afogueá-la e...
– Pare de troçar comigo, moço! Vê se pode: eu e a quenga do amigo, em
sua própria casa...!
– Eu mesmo vou reanimar a cheirosa e deixá-la no jeito pra você,
sossegue!
– Espere aí! O amigo extrapolou e até me ofendeu...
– Tome tenência, homem, e venha logo, venha,
se adonar da saborosa...
– Me adonar da... por
favor, amigo, judiação tem limite!
– Se adonar, sim, da
galinha que virou quenga ou, se preferir,
Baiana de Urandi e goianiense por adoção, LÊDA
SELMA (de Alencar) é graduada em Letras Vernáculas e pós-graduada em
Linguística. Poetisa, contista, cronista (escreveu para o Diário da Manhã por
21 anos, aos domingos), integra várias antologias nacionais e internacionais. É
verbete em obras como o Dicionário Crítico de Escritoras Brasileiras, de Nelly
Novaes Coelho, São Paulo/SP, e Enciclopédia de Literatura Brasileira, Afrânio
Coutinho/J. Galante de Sousa, São Paulo/SP. Atual vice-presidente da Academia
Goiana de Letras/AGL (ocupa a Cadeira 14), da Associação Nacional de
Escritores/ANE, União Brasileira de Compositores/UBC, União Brasileira de
Escritores/UBE-GO e Associação Goiana de Imprensa/AGI. Publicou 15 livros
(poemas, contos, crônicas). Entre várias premiações, o Troféu Tiokô de poesia,
da UBE/GO, Troféu Goyazes Marieta Telles Machado, de crônicas, da Academia
Goiana de Letras, e o Mérito Cultural, pelo conjunto da obra, da UBE/RJ.
Recebeu os títulos: Cidadã
Goianiense e Cidadã Goiana.
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2 comentários
Refestelei-me com o substancioso e delicioso texto. Espetacular, Lêda, aplausos.
É de se embodegar no recheio do palavreado... Ótimo!
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