Contenta-te em saber que tudo é mistério:
a criação do mundo e a tua, o destino do mundo e o teu.
Sorri a esses mistérios como a um perigo que desprezasses.
Não cuides que saberás alguma coisa mais quando tiveres transposto a porta da morte.
Paz ao homem no negro silêncio do além!
( Rubbay CXXVIII – Omar Kayám )
Era desconcertante visitar certos lugares acompanhada, a visão transcendente, de Rosa, captava fatos estranhos e causava embaraço.
Os antiquários e os cemitérios lhes traziam fascínio, ficava horas admirando as peças, decodificando as histórias que eles poderiam esconder. Sentia mistério por trás de cada objeto. Observá-los era buscar tesouros pelos recantos da imaginação. Fosse onde fosse descobria, com prazer, verdadeiras revelações na riqueza dos detalhes escondidos.
O espírito sensível amava a arte, antiga ou contemporânea, com admiração, desfolhava as fibras do peito com a maestria de um expert.
Convidada a uma exposição, numa cidade do interior, conheceu o talento de uma jovem escultora. Estátuas monumentais ou pequenas obras primas ornamentavam a alameda de um parque rural.
Lia, com olhos de paixão, mostrava, descrevia, explicava como e quanto tempo havia gasto para concluir cada figura, falava da inspiração, do amor ao trabalho. Identificaram-se.
Após a revista, Rosa, ainda encantada agradeceu. Juntas confabulavam pelo estreito caminho rumo ao povoado. Desceram e subiram ladeiras, passaram por plantações em volta de casebres, onde crianças corriam na animada brincadeira do chicote queimado. Na subida para a horta, avistaram a cruz que culminava a igrejinha de um cemitério. Mais 200 metros e estariam em frente da grade que separa o mundo dos mortos.
Lia percebeu que Rosa mudara de expressão. Sem entender o que acontecia, limitou-se a acompanhá-la.
Imóvel ficou a observar nos olhos brilhantes, dela, ligeiros fhashs de luz. Em transe, Rosa, vivia outra realidade,
Um carro, Ford 29, servia de palco para uma cena incomum. Uma menina de costas, flutuava com a graça dos desfiles de modas. Realçava os seus longos cabelos, ligeiramente ondulados, presos por um laço de fita branca, combinando com um vestido de festa e finos sapatos de cetim.
A garota virou-se graciosa e sorriu. Fitaram-se e a história antiga foi repassada, em cartões postais amarelados pelo tempo, revelaram-se cenas da última alegria e da grande tragédia. Um Ford 29, colocara o ponto final na vida da menina Angélica.
Quinze anos, nem mais um dia.
Luciene Freitas - Prêmio Vânia Souto Carvalho de Ficção, pela Academia Pernambucana de Letras, em 2009. É pernambucana e tem publicados os seguintes livros: Explosão (poesias); A Dança da Vida (parábolas e contos); Mil Flores (poesias). Encenado no Teatro do SESC em 2004; O Sorriso e o Olhar (parábolas, contos e crônicas); Meu Caminho, textos para reflexão; Uma Guerreira no Tempo, (pesquisa). O resgate de uma época – 1903-1950; a vida e a obra da escritora Martha de Hollanda, primeira eleitora pernambucana. Premiado pela Academia Pernambucana de Letras, em janeiro de 2005; Viagem dos Saltimbancos Escritores pelos Recantos do Nordeste, (cordel); Mergulho Profundo, 264 pensamentos filosóficos; Brincando Só e Brincando de Faz de Conta, Vol. I e II da série No Ritmo da Rima; O Espelho do Tempo, romance de pura emoção; Sob a Ótica das Meninas, 42 contos de um tempo determinado.
Tem trabalhos publicados em jornais e revistas do Brasil, Portugal e Argentina. Participações em várias antologias. Conta com alguns prêmios literários. Pertence ao quadro de sócios da União Brasileira de Escritores (UBE– PE); União Brasileira de Trovadores (UBT– PE); Instituto Histórico e Geográfico da Vitória, Vitória – PE; Academia de Letras e Artes do Nordeste (ALANE); Academia Vitoriense de Letras, Artes e Ciências da Vitória de Santo Antão; Grupo Literário Celina de Holanda. Membro correspondente da Academia Irajaense de Letras e Artes (AILA) Irajá / RJ e Academia de Letras de Itapoá / SC.
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