O falso e o verdadeiro
“Os trabalhadores lhe perguntaram:
_ Senhor,
queres que vamos, agora mesmo, arrancar o joio?
O senhor,
porém, lhes respondeu com uma explicação:
_ Não é
possível fazer isso agora. Vocês sabem que o joio é muito parecido com o trigo.
Se vocês quiserem arrancar o joio, que foi plantado junto com o bom grão,
arrancarão também o trigo, pois as raízes de ambos muitas vezes se entrelaçam.
Deixem que cresçam juntos o joio e o trigo. Na época da ceifa, eu direi aos
ceifeiros que colham primeiro o joio e o atem em feixes para queimá-lo; e
depois juntem o trigo no meu celeiro.”
(Mateus, 13:24- 30, 36- 43)
Ai está à síntese de toda a dificuldade que temos em
nossos relacionamentos na forma de perceber e distorcer o que se nos apresenta,
conforme a necessidade de sobrevivência material ou afetiva. Desde que
crescemos, aí está o desafio que envolve nossas próprias emoções e
sentimentos. O que é joio e que é trigo? Essa percepção e consciência da
verdade são à base de nossas escolhas. E nossa vida depende delas. Jesus nos
mostra isso nessa parábola. .
O que sentimos a respeito de nós mesmos? O que somos
deixa-nos feliz ou sabemos que não somos bem o que pensamos ser e tentamos
ignorar? O que existe de trigo e de joio dentro de nós? A parábola diz
que suas raízes se entrelaçam. Por isso fica difícil separar uma coisa da
outra. Temos feito boa colheita do trigo que nos alimenta de verdade?
Temos encarado a verdade dentro de nós mesmos?, E se admitimos que o joio
tenha se espalhado, temos coragem correr o risco de arrancá-lo, sem confundir
com o trigo, por mais que cause dor? E se chegarmos à conclusão de que
para reconhecer um é necessário conservar o outro? O que é uma coisa ou outra?
Sabemos distinguir bem? É complicado, admitamos.
Certamente o primeiro desafio é o da percepção. Num
mundo, tão desfocado, que embala a mentira, como vamos proceder à colheita?
Como disse Jesus, as raízes se entrelaçam...
Quando estamos diante de uma obra de arte não
figurativa, por exemplo, o que daquele autor, é trigo? Será que ele tenta nos
iludir e seduzir com um punhado de formas e cores sem nexo? Ou tenta passar
legítimos conceitos, intuições e sentimentos para os que contemplam seu
trabalho? Será que preciso entender de arte moderna para saber se aquela
obra é apenas joio? Ou o autor realmente não tem nenhuma intensão de ludibriar
o espectador? Conheci um tapeceiro que ficou famoso na década de 70. Mas já não
estava mais presente na elaboração do seu trabalho. Cheio de si,
rabiscava o projeto de qualquer jeito e o entregava ás tapeceiras
fiadoras. Sabia que os venderia pela sua assinatura. Ele era reconhecido!
Muitos se orgulham, até hoje, de ter seu tapete em suas paredes. Que ficaram
mais valorizados depois de sua morte. E aí?
A vida é o espaço e tempo que temos para sermos nós
mesmos. Podemos ocultar dos outro o que realmente somos, mas não de nós mesmos.
Só que no burburinho dos dias que passam apressados, pouco tempo temos para o
mergulho em nossa interior. No núcleo da alma. Então ficamos na periferia do
ser e dizemos: _” No fundo sei que não sou ou não quero isso ou aquilo.”
Como é difícil enxergar o óbvio! É preciso ser criança para entrar no reino dos
céus, dizia o Cristo.
Hoje é sexta feira santa. O dia em que um homem foi
crucificado por amor à verdade. Alguém que nunca se traiu. Que sabia Quem era..
Hoje é o dia em que, junto a Ele, centenas de verdadeiros heróis, de todas as
raças, crenças e nacionalidades, morreram por serem coerentes consigo mesmos.
Por defender sua ideologia, fé, ponto de vista filosófico ou científico.
Negaram-se a ser como a grande maioria de pessoas, que julgam e maltratam
o próximo com seu ódio e preconceitos. Por causa deles, muitos foram
presos torturados, queimados em praça pública, difamados, vilipendiados e
mortos.
Hoje é dia de contemplar a plantação de trigo em nossos
corações e, se não der para retirar o joio, que, pelo menos saibamos admitir a
presença dele, e cuidar para que não sufoque o trigo que há em nós. Pois ele é
nosso alimento e esperança!
Maria J. Fortuna.
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