A Marionete Que Vivia Encostada
No porão da casa velha, arrabalde da cidade, sentindo que a umidade lhe corroia, a pequena marionete molhava em lágrimas o seu rostinho de pano. O mofo tinha deixado sua cor desmerecer. Seus olhos arregalados, outrora vivos, desbotavam.
A bonequinha fora feita com a sobra de retalhos de outras bonecas de encomenda. Mãos habilidosas criaram o seu modelo, os tecidos coloridos lhe deram vida. Fiapos pretos formavam os seus cabelos, algumas pinceladas de tinta na face e lá estava ela com expressão.
Amarrada em cordões foi prisioneira de um teatro, dançava todas as noites, obedecia ao ritmo e a voz dos senhores. Naquele tempo sentia-se útil, via crianças felizes. Acostumou-se com a vidinha rotineira das praças e becos. Durante o dia, o desprezo no velho baú.
Passaram-se muitos anos até aquela noite de chuva. Dançou até os cordões arrebentarem-se e foi tirada de cena encharcada. Jogada com os trastes e esquecida na casa velha. Se a tivessem colocado ao sol poderia ter se restabelecido, mas foi ignorada pelos seus senhores.
Encostada no ombro sua cabeça pensava em suaves melodias, grandes salões, lindas bonecas de porcelana fina, refletindo nos olhos o brilho dos cristais dos lustres. Brinquedos de luxo, vestidos de seda. O palco era delas. Suas róseas faces encantavam com lindos sorrisos, não conheciam a tristeza dos velhos baús.
Suas lágrimas foram acompanhadas por soluços desesperados. Inesperadamente a tampa do baú se abre e uma linda menina, marionete da vida, em trapos desbotados, cabelos em desalinho, com olhos brilhantes e sorriso encantador, toma a bonequinha nos braços e a aperta no peito. Foi trocado um carinho nunca experimentado antes.
Luciene Freitas, no livro “O Sorriso e o Olhar”
Luciene Freitas - Prêmio Vânia Souto Carvalho de Ficção, pela Academia Pernambucana de Letras, em 2009. É pernambucana e tem publicados os seguintes livros: Explosão (poesias); A Dança da Vida (parábolas e contos); Mil Flores (poesias). Encenado no Teatro do SESC em 2004; O Sorriso e o Olhar (parábolas, contos e crônicas); Meu Caminho, textos para reflexão; Uma Guerreira no Tempo, (pesquisa). O resgate de uma época – 1903-1950; a vida e a obra da escritora Martha de Hollanda, primeira eleitora pernambucana. Premiado pela Academia Pernambucana de Letras, em janeiro de 2005; Viagem dos Saltimbancos Escritores pelos Recantos do Nordeste, (cordel); Mergulho Profundo, 264 pensamentos filosóficos; Brincando Só e Brincando de Faz de Conta, Vol. I e II da série No Ritmo da Rima; O Espelho do Tempo, romance de pura emoção; Sob a Ótica das Meninas, 42 contos de um tempo determinado.
Tem trabalhos publicados em jornais e revistas do Brasil, Portugal e Argentina. Participações em várias antologias. Conta com alguns prêmios literários. Pertence ao quadro de sócios da União Brasileira de Escritores (UBE– PE); União Brasileira de Trovadores (UBT– PE); Instituto Histórico e Geográfico da Vitória, Vitória – PE; Academia de Letras e Artes do Nordeste (ALANE); Academia Vitoriense de Letras, Artes e Ciências da Vitória de Santo Antão; Grupo Literário Celina de Holanda. Membro correspondente da Academia Irajaense de Letras e Artes (AILA) Irajá / RJ e Academia de Letras de Itapoá / SC.
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