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Livro, filmes e teatro revitalizam Hilda Hilst [RAQUEL COZER]


Livro, filmes e teatro revitalizam Hilda Hilst 

RAQUEL COZER 
COLUNISTA DA FOLHA 

Hilda Hilst na juventude; escritora chamava a atenção por fugir aos padrões da época
 
Hilda Hilst tinha uma tese. Massao Ohno, seu editor, devia colecionar tiragens inteiras dos livros dela embaixo da cama. Só isso, dizia a poeta, dramaturga e prosadora, com seu usual tom de deboche, explicaria as vendas irrisórias de obras tão amadas pela crítica.
Quem melhor descreveu a real razão da discrepância entre a recepção crítica e a do público para obras como "A Obscena Senhora D" (1982) e "Poemas Malditos, Gozosos e Devotos" (1984) talvez tenha sido o crítico de teatro Anatol Rosenfeld (1912-1973). 



"Por que acham que escrevo para eruditos? Eu falo tão claro. Falo até sobre a bunda", ela lamentou, mais de uma vez, ao amigo. "Tua bunda é terrivelmente intelectual, Hilda", diagnosticou Rosenfeld. 

A poeta, que faria 83 anos, nunca chegou a se sentir reconhecida. Morreu em 2004, aos 73, de falência múltipla de órgãos, menos de dois anos após sua obra começar a ser, enfim, editada por uma grande casa, a Globo. 

Passada uma década, sua produção passa por uma revitalização que impressiona. Os livros ainda não vendem essas coisas, embora não fiquem mais, por assim dizer, embaixo da cama. A média de vendas gira em torno de 5.000 cópias por título, segundo cálculo de herdeiros --a Globo não divulga números. 

FILMES
 
Mas seu legado tem sido revisto como nunca. Há dois filmes em pré-produção sobre sua vida: um documentário, dirigido por Gabriela Greeb, e uma ficção, produzida e protagonizada por Tainá Müller, sob direção de Walter Carvalho. Devem sair, respectivamente, em 2014 e 2015. 

Já publicada na França, nos anos 1990, Hilda começa a ter seus livros nos EUA, com traduções sob a batuta da carioca A Bolha. Em 2012, saiu "The Obscene Madame D"; neste ano, será publicado "Letters from a Seducer". 

Amanhã, acontece o evento que inaugurará um rústico teatro de arena na Casa do Sol, em Campinas, onde a escritora viveu dos 35 anos até a morte. A casa, que vem recebendo artistas para residências, é capítulo à parte nesta história (leia ao lado). 

Boa parte dessa onda hilstiana é fruto do empenho de Daniel Fuentes, 29, um herdeiro desses que só Hilda poderia ter. Antes de morrer, a poeta escolheu deixar seus direitos autorais sob os cuidados do rapaz, filho do escritor espanhol José Luis Mora Fuentes (1951-2009) com a artista plástica Olga Bilenky. 

Hilda conheceu Mora Fuentes nos anos 1970. Recebeu-o como visitante da Casa do Sol e amante --ela beirando os 40 anos, ele perto dos 20. O caso acabou, a amizade continuou, ele virou morador da casa. Levou Olga para morar com ele e Hilda, e o filho dele com a artista, Daniel, virou filho da casa.
Quando Mora Fuentes morreu, em 2009, Daniel, já herdeiro dos direitos autorais da escritora, passou a tomar conta do Instituto Hilda Hilst, nome pomposo para o que até então era só uma casa mantida tal como Hilda a deixara. 

ENTREVISTAS
 
Após reeditar a obra de Hilda em 21 títulos, a Globo lança, no final deste mês, "Fico Besta Quando me Entendem: Entrevistas com Hilda Hilst" (org. Cristiano Diniz; 239 págs; R$ 44,90), com 50 anos de conversas com a autora.
São do livro, ilustrado com desenhos inéditos de Hilda, histórias como a de que Massao Ohno guardava os livros da poeta ou a tese de Rosenfeld sobre a bunda intelectual. 

"As entrevistas da Hilda sempre foram divertidas, para dizer o mínimo. Ela tinha um humor malvado e, em geral, fazia sofrer os entrevistadores", diz o crítico literário Alcir Pécora, professor da Unicamp e organizador da obra de Hilda na Globo. 

Como escreve Cristiano Diniz na apresentação, "ao se levar em conta a leitura de entrevistas da autora, é possível afirmar que ela também soube 'escrever' nesse gênero". 

Falando a jornalistas, ela criou a "persona" que poderia atrair a atenção para sua obra, observa Diniz à Folha. A leitura da seleção, que vai de 1952 a 2003, permite notar como a autora adotou um tom cada vez mais pessoal. 

A princípio, ela aceitava decifrar a própria obra. "Meu tema mais constante é a problemática da morte. Ela esteve presente em toda minha poesia, em todos os homens e mulheres, meus personagens", diz, em entrevista de 1975. 

Nos últimos anos, ela tirava sarro de editores, como Massao Ohno e Luiz Schwarcz --a quem certa vez criticou por não dar a atenção que considerava devida ao então autor da Companhia das Letras Caio Fernando Abreu. 

Depois, pediu desculpas.

"Até fiz um telegrama divertido para ele. Mas ainda não enviei. Diz o seguinte: 'Ó poderoso, esquece rusgas e tretas, edita-me!, pois traças e cupins somam-se por livros e a mim, snif snif. Ó, sede generoso, publica-me para o teu e meu gozo / beijos /fofo / liga-me'", conta, em 1994. 

Schwarcz diz que nunca recebeu o telegrama.

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