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AVE, MARIAS! [Lêda Selma]

AVE, MARIAS!

Nome-símbolo, Maria. Assim como o segundo domingo de maio. Clichês que criaram raízes e se consolidaram na tradição. Para alguns, puro apelo comercial, estratégia da esperteza de empresário; para tantos, não mais que simples simbologia; para outros, simbologia que pode se converter em reflexão, em descobertas e redescobertas, em encontros e reencontros, em manifestações de carinho. Sim, e por que não?

Clichês, apelo comercial... certo, mas e daí? Mãe é mãe, não importa se domingo, segunda, de janeiro a dezembro, oitenta e seis mil e quatrocentos segundos por dia. Portanto, para ela, tudo é válido. Até um presente em forma de carinho ou um carinho com cara de presente. Lembrança e presente são fundamentais, uma dupla imbatível. Naturalmente, se revestidos de carinho.

Também, escolho Maria, nome-símbolo para mãe. E para todas as marias, santas ou não. Maria parideira, Maria das dores, Maria descalça, Maria da vida, Maria das ruas, Maria das drogas, Maria do mundo, Maria da noite, Maria dos tanques e dos fogões, Maria da mendicância, Maria da fila do SUS, Maria das cadeias, Maria das enfermarias. Maria sem rumo, sedenta, repleta de fomes. Maria de filhos sem sonhos, feitos em série, de pais sem nomes. Maria cheia de raça, mas nem sempre cheia de graça. Maria da maternidade violentada pela perda de um filho e, irreversivelmente, sentenciada à dor eterna. Maria das noites insones, dos pedregulhos na alma e de tantas vias-crúcis. Maria de sonhos espoliados, mas de fé inabalável. Maria das lutas, dos lutos, dos tombos, das buscas intermináveis. Maria rainha, sem coroa e cetro, Maria menina, Maria marias...

A você, mãe, que teve o infortúnio de ver um filho preso; a você que gerou um filho deficiente; a você que acolheu com amor o filho alcoólico ou drogado; a você esquecida pelo filho distante ou magoada pela ausência do filho tão próximo (quem disse que “Ser mãe é padecer no paraíso...?!); a você que escolheu ser mãe do filho abandonado, da cria alheia... A você, curvo-me, pois é em seu peito que reside a dimensão maior da maternidade.

A você, mãe, mais uma Maria estigmatizada pelo destino ou pela vida; a você que divide com seu filho esperanças débeis e sonhos murchos; a você que é espancada pelo marido e pelas carências do dia a dia; a você que faz da coragem trincheira na luta contra a discriminação física e moral, contra a violência e a impunidade, minha homenagem.

A você que foi escolhida para colocar a dignidade, o amor e o desvelo acima de qualquer fraqueza, de qualquer medo, de qualquer recuo, eu me penitencio. E o faço com a humildade da mãe que não conseguiu superar suas fragilidades e, por isso mesmo, ainda se encasula na própria dor, como se a sua fosse a maior de todas.

Maria, marias, autênticas mulheres, genuínas mães, legítimas santas. Heroínas sem medalhas. Invólucros da própria vida. A elas empresto um poema dedicado à minha mãe, nordestina de fibra baiana, mulher aguerrida,  que, aos 89 anos, foi convocada pelo Pai para auxiliá-Lo na Instância Maior.

Mães são manhãs
a colher lembranças
pousadas nas frestas
de tantos silêncios.
São fios de noites
a cerzir saudades
nos beirais do vento.

No rosto, travessuras do tempo
que esconderam dores
e acolheram folias.
Na fundura do peito,
apesar do cansaço,
pulsa e reluz,
feito sonho indomado,
um enorme sol
de infinitas pétalas. 


Baiana de Urandi e goianiense por adoção, LÊDA SELMA (de Alencar) é graduada em Letras Vernáculas e pós-graduada em Linguística. Poetisa, contista, cronista (escreveu para o Diário da Manhã por 21 anos, aos domingos), integra várias antologias nacionais e internacionais. É verbete em obras como o Dicionário Crítico de Escritoras Brasileiras, de Nelly Novaes Coelho, São Paulo/SP, e Enciclopédia de Literatura Brasileira, Afrânio Coutinho/J. Galante de Sousa, São Paulo/SP. Atual vice-presidente da Academia Goiana de Letras/AGL (ocupa a Cadeira 14), da Associação Nacional de Escritores/ANE, União Brasileira de Compositores/UBC, União Brasileira de Escritores/UBE-GO e Associação Goiana de Imprensa/AGI. Publicou 15 livros (poemas, contos, crônicas). Entre várias premiações, o Troféu Tiokô de poesia, da UBE/GO, Troféu Goyazes Marieta Telles Machado, de crônicas, da Academia Goiana de Letras, e o Mérito Cultural, pelo conjunto da obra, da UBE/RJ. Recebeu os títulos: Cidadã Goianiense e Cidadã Goiana.

Um comentário

Edna Domenica Merola disse...

Lêda Selma, que um "enorme sol de infinitas pétalas" a acalente, sempre! Feliz dia das Mães.