Depois de Manuel Bandeira, sem dúvida, o melhor
Carlos Drummond de Andrade é um grande poeta, inclusive porque, quando foi preciso, soube reconhecer que Manuel Bandeira lhe era superior (leiam “Ode no cinquentenário do poeta brasileiro”, em Sentimento do mundo, 1940). Alguns objetarão dizendo que o itabirano afirma isso no espaço ambíguo de um poema, lugar onde se anulam a verdade e a mentira, e que, portanto, não se pode levá-lo a sério nesse gesto de desprendimento em que concede o primeiro posto ao poeta recifense. Mas como, do meu ponto de vista, a insuficiência do mundo exige a colaboração da arte para torná-lo plausível e tolerável, sou obrigado a discordar e insistir que Drummond não dissimulava, pois, neste momento moderno/pós-moderno, onde tudo se volta equívoco, a começar pala linguagem referencial (que serve de legenda ao mundo), me parece que o poema, paradoxalmente, acaba por se constituir em um discurso forte o bastante para justificar nossas mais caras ilusões.
Por outro lado, se me engano, isto é, se o que afirma o poema de Drummond (no tocante a superioridade de Bandeira) não pode ser levado a sério, então o crédito que se dá aos seus assuntos elevados e graves: o vasto mundo, o medo, a náusea, a memória, a pedra prosaica e dantesca, a bomba, enfim, todos os seus movimentos em direção à tematização do fracasso e da beleza do “humano” não merecem, por conseguinte, nossa devota confiança.
Talvez seja esse o problema: lê-se mais os assuntos e os temas do que o poema drummondiano. A verdade é essa: num poema bom, os acordes vão para um lado e as palavras para o outro. Um poema bom se plasma sobre uma consciência de linguagem que não teme a disjunção entre nome e coisa, aliás, essa coincidência não existe. Algo similar acontece com o cinema, a maioria se interessa pela fábula (a história) e se mostra desatenta à narrativa (como se conta a história), à estética fílmica (planos, angulações, movimentos de câmera), ou seja, não se dá atenção àquilo que singulariza tal linguagem. Prefiro ser um intérprete (em sentido musical) da música de Drummond a me solidarizar com os seus ombros fatigados.
A suposta humildade de Bandeira também não é a música de Bandeira. A “humildade” é a fábula. Joaquim Pedro de Andrade em seu curta-metragem O poeta do Castelo, filmou muito bem esse personagem da poesia de Manuel Bandeira. Sua música não se esgota nessa virtude-clichê.
Muito bem, mas eu estou aqui para falar de Drummond. E, por estranho que pareça, acho que já falei o suficiente; aliás, o formato da crônica me dá a prerrogativa de ser lacunar e de falar lateralmente. Grande Carlos Drummond de Andrade, o segundo melhor poeta de nós todos.
Ronald Augusto nasceu em 1961 no estado do Rio Grande do Sul. O escritor atua em inúmeras áreas: é músico, letrista, ensaísta e possui ainda um trabalho significativo no âmbito da literatura. Como poeta alcançou expressividade no cenário nacional e até mesmo mundial, de tal forma que suas produções foram publicados em revistas literárias, bem como em antologias, dentre elas destacamos: A razão da Chama, organizada por Oswaldo de Camargo (1986), a revista americana Callaloo: African Brasilian Literature: a special issue EUA (1995), a revista alemã Dichtungsring Zeitschrift für Literatur, e outras.
twitter.com/ronaldpoesiapau
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