Entre
o escuro e o esplendor
Fuks
recria os últimos dias de Borges, Cabral e Joyce, marcados pela cegueira e pelo
gênio literário
por
Ricardo Lísias
HISTÓRIAS
DE LITERATURA E CEGUEIRA Julián Fuks, Record, 160 págs., R$ 30
Antes
de publicar Histórias de literatura e cegueira, Julián Fuks lançou, em 2004,
Fragmentos de Alberto, Ulisses, Carolina e eu. Os dois livros são muito
diferentes, mas já no primeiro ficava evidente a preocupação estilística do
autor, que parece disposto a criar um estilo elaborado, elegante e muito
cuidadoso. Se acrescentarmos o fato de que Histórias de literatura e cegueira
revela também uma enorme disposição de leitura e, por fim, um respeito maduro
pelos clássicos, podemos apontar Julián Fuks como um escritor que se destaca de
outros da nova geração.
O
livro ficcionaliza o final da vida de três escritores que, além do fato de
serem já clássicos, tiveram em comum o destino de perder a visão. O fenômeno da
cegueira foi tão marcante para Jorge Luis Borges, João Cabral de Melo Neto e
James Joyce que praticamente se incorporou à descrição de suas obras e às
respectivas histórias literárias da Argentina, do Brasil e da Irlanda. Fuks
imagina três vidas perdidas entre o escuro da vista e o esplendor de textos
marcantes e, com perdão do trocadilho, luminares para cada uma das três
tradições. É esse choque entre o olhar cego de Borges, Cabral e Joyce e a força
de sua literatura que prende o leitor a cada uma das lapidares páginas de
Histórias de literatura e cegueira.
Nos
três textos, o constante ir e vir temporal ordena o espaço melancólico mas
muito diferente para cada um deles. Borges passeia entre a Genebra que acolheu
seus últimos dias e a Biblioteca Nacional Argentina, seguramente o lugar de que
ele mais gostava no mundo. Maria Kodama o acompanha em alguns momentos, e a
imaginação onírica, que parece ter sido uma de suas principais obsessões, toma
praticamente conta de tudo e faz o texto terminar com um ruído ao longe, misto
de imaginação e lembrança. O final do primeiro texto é comovente.
Para o poeta brasileiro, Fuks reservou descrições minuciosas com um diálogo
seco, tudo muito adequado à obra de João Cabral. Nesse segundo texto, a
plasticidade toma lugar do onirismo, e uma cena muito cotidiana, um
atropelamento, encarrega-se de trazer tudo para o plano do palpável. A história
é triste e produz efeito marcante: o jornalista que vai entrevistar o poeta
nota em seus olhos cegos uma grossa camada líquida, que ele não sabe o que é.
Já nos nossos olhos, de leitores, são as lágrimas, que desse segundo capítulo
não passam.
A
terceira história, sobre Joyce, é a que mais evidencia a disposição de pesquisa
de Fuks. Depois das duas anteriores, muito comoventes, esta última é mais
colorida, um pouco exótica e bastante feliz na tentativa de parodiar o estilo
joyceano. O autor de Ulisses briga com a esposa e se vê soterrado por uma
montanha de cartas recusando o seu livro. O irmão o aborrece e ele já não
enxerga nada direito, muito embora esteja disposto e preparado a compor o
enorme raio de luz que é o Finnegans Wake.
Em
nenhum dos três textos Julián Fuks se deixa levar pela comiseração e muito
menos sente pena da situação dos três escritores cegos, privados da melhor
coisa que existe no mundo, a leitura. De fato, Borges, Cabral e Joyce merecem
muita coisa, mas não pena. Enfim, um livro como esse, ao mesmo tempo uma
homenagem e uma espécie de declaração de amor, eles sem dúvida merecem. E nós,
leitores, também merecemos: vale a pena tatear entre a bruma contemporânea,
pois no meio do nevoeiro existem pessoas fazendo literatura, e muito boa
literatura, por sinal!
JULIÁN FUKS é jornalista e escritor. Nasceu em São Paulo, em 1982.
Formado em jornalismo pela Universidade de São Paulo, foi repórter do jornal
Folha de S.Paulo. Seu primeiro livro, Fragmentos de Alberto, Ulisses, Carolina
e eu, foi publicado em 2004 pela editora 7 Letras e ganhou o prêmio Nascente da
Universidade de São Paulo em 2003.
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