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Auto-retrato em um vestido de veludo (1926) |
O vermelho de Frida Kahlo
“No se si mis pinturas son o no surrealistas pero que lo si estoy segura es que son la expresión más franca de mi ser.”
Frida Kahlo
Assustadoramente excitante. Essa definição é – a meu ver – a melhor forma de descrever a obra de Frida Kahlo (1907-1954). A artista mexicana de traçado firme e formas surreais teve sua vida marcada pelo vermelho de seu sangue e de suas paixões. Consumida pela agonia incessante de ser ela mesma, Frida sempre preferiu apoiar-se em suas próprias verdades para sobreviver à dor e às suas agonias.
Magdalena Carmen Frieda Kahlo y Calderón, de nascença, Frida Kahlo por opção, a artista tinha uma personalidade forte e marcante. Talvez tenha sido – em uma análise superficial - essa devoção com que enxergava a vida, e o viver, o melhor modo que ela encontrou para lidar com as tragédias de sua história. Digo “em uma análise superficial”, pois Frida não é, nem nunca foi, uma dessas personalidades que se permitem ser entendidas. Sejam lá quais foram os motivos da pintora, nobres ou torpes, uma coisa é certa: mergulhar no mundo cheio de formas de Kahlo é uma viagem sem volta.
As Duas Fridas (1939)
Imprevisível e autêntica - como só ela sabia ser - a originalidade sempre esteve presente em cada instante de sua trajetória. O colorido de sua vida foi consecutivamente marcado pelo gosto intrínseco e ferroso do vermelho que, em um momento ou outro, lhe era empurrado garganta a baixo.
A primeira vez foi aos seis anos de idade quando, vítima de poliomielite, Frida se viu fadada a passar o resto de sua vida com uma deficiência, uma perna fina e um pé torto, que lhe rederam o apelido de “Frida pata de palo”.
A segunda vez em que ela se viu assediada pelo aconchego do vermelho foi quando, embalada pelos sonhos de cursar medicina, entrou para o “Las Cachuchas” a Liga da Juventude Comunista Mexicana onde, inesperadamente, conheceu o jovem Alejandro Gómez Arias. E o aroma doce do vermelho preenche o vazio de uma vida solitária. Nos braços de seu eterno “Alex”, Frida se rendeu a seu primeiro amor sem reservas. Essa foi à terceira vez que sua vida foi marcada pelo vermelho.
A Coluna Partida (1944)
Na quarta vez em que o vermelho atravessa a vida de Frida, foi sem pedir licença, de um modo menos quente e romântico, na forma de uma viga de ferro que violentou sua pélvis e saiu pela sua vagina. No súbito acidente de um ônibus contra um trem, ela perdeu sua virgindade, seu corpo, seu sangue e seu grande amor.
Frida experimenta, literalmente e integralmente, o que é a morte, e todos os limites do que chamamos de dor, mas que, para ela, adquirem um novo significado. É em meio aos pedaços de seu corpo todo desfeito e refeito, fadada à sua própria forma desconstruída e cirurgicamente recriada, que Frida entra em contato com a pintura.
“Pinto autorretratos por que estoy gran parte de mi tiempo sola, por que soy la persona a quien mejor conozco” - Frida Kahlo
E no quinto encontro, o vermelho molhado da tinta, esboça nas telas a dura realidade com a qual Frida tem que viver e conviver diariamente. Sua verdade. Seu modo de enxergar a sua própria vida, para muitos, insano e surreal, para ela, nada mais era que sua realidade expressada em pincel e tinta. Frida tinha um traço forte, marcante e encharcado de sentimento.
Venadito (1946)
Depois de ter a coluna vertebral destruída, e de passar por diversas cirurgias, a jovem Frida teve seu corpo reconstruído. Foi nesse período, fadada a usar um corselete de gesso que ia de sua clavícula até a pélvis, presa em seu leito várias horas por dia, que ela começou a pintar. Utilizando a velha caixa de tintas de seu pai, um cavalete especial e um espelho instalado sobre sua cama, Frida arriscava-se em pintar autorretratos.
Aos 21 anos ela entrou para o Partido Comunista, onde conheceu pintor Diego Rivera (1886-1957), seu inferno e sua salvação. É possivelmente aqui que o vermelho se apresente à Frida em sua forma mais densa e escura. Em sua paixão por Rivera, Frida se viu corrompida e impelida a despir-se de seus preconceitos, tornando-se permissiva, experimentou a lesividade de seus mais primitivos instintos.
O dia 21 de agosto de 1929 é eternizado como a data de seu casamento com Rivera, e o início de uns dos relacionamentos mais intensos, sedutores, turbulentos e inebriantes de todos os tempos. O sexto encontro de Frida com o vermelho é marcado a lápis nessa data no calendário. Ela se entregou de corpo e alma a essa paixão que mudaria sua vida e obra para sempre.
Moisés o núcleo Solar (1945)
No momento mais frágil de sua vida, em que ela se encontrava perdida e assustada, estranha de seu próprio eu, aprisionada em um corpo destroçado, Rivera lhe apareceu como uma base sólida, transmitindo segurança, acreditando nela e, principalmente, acreditando em sua arte. A pintora nunca negou saber dos casos extraconjugais de Rivera, todavia sujeitou-se a eles. Estimando não perder seu grande amor, acabou perdendo-se de si mesma. Nessa busca, Frida foi mais longe que qualquer um e, ao assumir essa nova identidade, perdeu-se em si mesma e se reinventou, descobrindo novos prazeres.
As próximas vezes em que o vermelho se mostra para Frida são tentativas menos sedutoras, inebriadas pelo aroma torpe da morte e do adultério. A série de acontecimentos que segue marca profundamente seu casamento, sua obra e sua vida. Em meios aos vários adultérios de seu marido, às brigas exaustivas e violentas no casamento, à morte de seus pais, Frida sofre a amargura de três abortos - por complicações herdadas do acidente de ônibus - e descobre um caso de seu marido com sua irmã mais nova.
Abrazoamoroso (1949).
Impedida da realização de seu maior sonho, o de se tornar mãe, e diante da traição imperdoável de seu amor com sua irmã, ela pede o divorcio. E, mais uma vez, e sem explicação, Frida encontra no sofrimento a inspiração necessária para criar, com seu estilo único e tracejado particular.
Aos poucos Frida vai ganhando espaço entre os maiores pintores de seu tempo, e conquistando admiradores em todo o mundo. Sua parceria com André Breton resulta em exposições em Nova Iorque e Paris, a artista mexicana agora tem renome internacional. Mas seu amor por Rivera ainda persiste, e eles reatam o relacionamento conturbado.
13 de julho de 1954 marca a última vez que o vermelho, agora silencioso e embebido de mistérios, cruza o caminho de Frida Kahlo. Ela é encontrada morta em sua casa. Em seu diário, as últimas palavras "Espero que minha partida seja feliz, e espero nunca mais regressar", deixa em aberto a suspeita de um possível suicídio, ou simples embolia pulmonar, resultando de uma forte pneumonia que havia contraído. Frida Kahlo deixa a vida, mas permanece eternizada em suas telas que, mudas, carregam consigo todo o peso e força da história de vida de uma mulher como poucas, autêntica até no seu ultimo ato.
(acesso em 23 de janeiro de 2013).
Hudson Eygo-Acadêmico de Psicologia do CEULP/ULBRA. Voluntário do (En)Cena e Colunista do Blog Psicoquê? Ajudando a Construir a Psicologia. Membro do Centro Acadêmico de Psicologia do CEULP/ULBRA (CAPsi).
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