E por falar em solidão, agora na ventania domingueira da rua da Aurora, Hellcife, lembro que existe uma estatística oficial do IBGE: somos quase 7 milhões de criaturas que moram sozinhas em alguma grande cidade do Brasil.
Não quer dizer que não tenham seus cachos, seus namoros, seus rolinhos primavera. Alguns raros até imitam o Jean-Paul Sarte e a Simone de Beauvoir: casados em apês separados.
Na frieza do relatório do IBGE –mais frio que a solidão do chicabom do tio Nelson-, a coisa pode ficar menos dolorosa: somos apenas habitantes de unidades domésticas unipessoais, UDU´s.
Chique no último, não?
“E, aí, na minha ou na sua unidade doméstica unipessoal?”, perguntaria o conquistador politicamente correto.
Somos quase 7 milhões de solitários. E como sempre repito aqui mesmo: é o domingo que pega. Dói no osso como uma bala alojada na perna em noites de inverno.
O domingo humilha, mas voltemos à frieza das estatísticas:
O contingente de pessoas morando sozinhas subiu, nos últimos dez anos, 8,6% para 12,1% da população.
Reparo nas estatísticas e me sobe logo ao nariz o cheiro do miojo do desprezo.
Mas isso não significa, amigo(a), obrigatoriamente o que sugerem os números.
Significa também independência. Principalmente daquele povo que vive, qual um Dr. Smith no velho seriado de ficção científica, reivindicando o seu “espaço”.
Significa uma certa síndrome de Greta Garbo (foto), a deusa que declarou à multidão de pretendentes o clássico “i want to be alone”.
Diz muito também da solidão da velhice. O ex país do futuro está virando uma pátria de bengalas.
Diz muita coisa. Conheço centenas de pessoas que não trocariam as suas confortáveis UDU´s por acasalamento algum.
Tem todo um luxo e é sonho de muita gente morar solitariamente.
Tem tudo isso, é bom, é ruim, como tudo na vida.
É bom ter sua liberdade, inclusive para curtir as mais inerciais das ressacas.
É, meu velho, depois dos 40 a ressaca não é mais apenas uma consequência natural da farra. Depois dos 40 a ressaca é uma dengue existencialista.
Somente na cidade do Rio de Janeiro, 15% vivem na solidão do próprio eco. Incluindo, óbvio, a mais luxuosa de todas as solidões, a solidão do sr. João Gilberto, que vive de cortinas sempre fechadas no Leblon.
Nem os entregadores do bife do restaurante Degrau, onde pede comida todo dia, avistam o gênio baiano de Juazeiro. A quentinha do seu João é deixada elegantemente ao pé da porta.
O Rio da bossa só perde para Porto Alegre, com 21% de tri-solitários -número próximo à média de grandes capitais europeias.
A solidão amazônica é a menor do país: apenas 8%. Os maranhenses, com 8,1%, também não querem saber de silêncio dentro de casa. Se o cara conhece “A Intrusa”, personagem do folhetim homônimo de Bruno Azevêdo, avimaria, aí é que o lar doce lar ganha mais erotismo e graça da ilha de São Luís.
E você, amigo, aprecia a arte de morar sozinho?
Xico Sá é escritor e jornalista, colunista da Folha, autor de “Chabadabadá – As Aventuras do Macho Perdido e da Fêmea que se Acha” e mais 10 livros. Na TV, participa do programa “Saia Justa” (GNT).
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