Gilda Barradas - Sou natural de Alto Paraná (PR), vivi em São Paulo, capital, por alguns anos, quando, finalmente, radiquei-me em Cuiabá. Hoje me sinto totalmente adaptada e filha dessa terra.
Comecei muito cedo a escrever. Tinha meus nove anos e lembro-me bem de meus primeiros escritos. Falavam de amor. Um amor que eu ainda não conhecia, mas que, precocemente, eu traduzia em palavras. A incompreensão que eles geraram e as ameaças que ganhei, forçaram-me, por medo, a abandonar minha arte ingênua e espontânea. Escondi-me em meus pensamentos e não ousava traduzi-los em palavras. O gosto pela escrita despertou em mim o inesgotável encanto pela leitura. Principiei por José de Alencar, por volta dos 10 anos, lendo todas as suas obras e, a partir daí, fui descobrindo um mundo imaginário onde passei a pernoitar seguidamente. Senti o conforto adequado em outros escritos, visto que não poderia fazer os meus. Muitos anos depois busquei resgatar a mesma singeleza e espontaneidade na minha escrita. A escola deu-me a conhecer os clássicos – de Gonçalves Dias, Castro Alves e Olavo Bilac, aos modernos-revolucionários. Afinei-me com alguns, outros nem tanto. Hoje sei que vivem dentro de mim em afinada harmonia.
São meus principais inspiradores Carlos Drummond de Andrade, Mário Quintana, Pablo Neruda, Alberto da Costa e Silva, Florbela Espanca, Daufen Bach e Manoel de Barros.
No meu dia-a-dia trabalho com pessoas que esperam em mim a resposta para suas angústias. Assim como adoro escrever, adoro ajudar. Acredito que a vida é uma somatória de atitudes gentis. Amo minha vida! Quero poder contribuir para que a felicidade do outro se manifeste sem preconceito, sem limites. Isso é o que me move. Ter a certeza de que pude fazer o outro feliz.
(Sou servidora pública federal e exerço minhas funções no INCRA)
Meu primeiro livro foi “Caminhos Trocados” (2002) e o terceiro, “Canção ao Luar” (2010), são de poesias. “Caminhos Trocados” é um livro um pouco tímido, como alguém que chega a uma festa sem conhecer ninguém.
“Canção ao Luar” retrata a inconstância da vida cotidiana, com suas mazelas e a magia do sonho.
“Kyyaverá - Ipor'aite co nande mba'tee va – (2005) retrata a ocupação das margens do rio Cuiabá, enfocando os 12 principais conglomerados humanos; aborda os aspectos físicos, geológicos, humanos e culturais dessa ocupação e como se reflete na vida dessas populações; o impacto causado em suas águas devido às diferentes atividades humanas praticadas e sua ação direta sobre as populações naturais animais e vegetais. É um livro dinâmico e de fácil leitura.
“O Pé-de-mamão que cantava ópera” (infantil) - 2011, surgiu de um sonho, literalmente falando. Eu sonhei com a história duas vezes na mesma noite. E a interpretação que dei é que essa história deveria se converter em um livro. E assim foi. Aborda o significado, indispensável, da amizade, na vida de todos nós e como estamos sempre perto de provocarmos sofrimento em pessoas que amamos e com quem mantemos um relacionamento de significativo afeto.
“Yauí, a Rainha dos Xaraiés” (infantil) – 2012, aborda a relação entre homem e natureza, personificada na figura de uma onça que, de maneira lacônica e triste, narra o fim das espécies animais. Através da personificação dos animais, dotando-lhes de sentimentos humanos, busca despertar o sentimento de reciprocidade afetiva entre homens e animais silvestres, de modo a ofertar a todos a continuidade da vida como direito inerente a todas as espécies.
Também é relevante:
Participação especial na peça teatral “O teatro foi esquecido” com o texto “Cidadão brasileiro”, XI Fester (2007), ganhadora como melhor texto.
Atuação na peça teatral “As trapalhadas de um anjinho” (personagens d. Corujina e Fantasma Cinza), encenada no Clube Feminino e Teatro SESC Arsenal (2007). A peça é uma comédia e conta a história de um anjo que vem à terra com a missão de entregar a declaração de Imposto de Renda de São Pedro, mas durante o vôo perde o equilíbrio e cai numa floresta encantada. Ali, descobre que perdeu as suas asas e a declaração de São Pedro. Com a ajuda dos mais diversos e engraçados personagens, entre eles um esperto elefante e uma coruja complexada, ele consegue enfrentar um bando de atrapalhados fantasmas.
No amor basta uma noite
para fazer de um homem um Deus.
Propércio
Noites de vigília
Nas noites em que revolvo acordada
atravesso cordilheiras
sombrias
paisagem árida
de meus desertos
que se expandem em mim
secos
pobres
gélidos
tempestades de areia cerram meus olhos
quando a primavera chega
Vivem em mim
montanhas
delineadas por vales
que minhas mãos escavaram
são picos, rochas, nuvens
Correm por minhas matas
selvagens animais
a dilacerar-me a carne
a verter meu sangue
Sinto-me como a terra lavrada
em dia de estio
quando a chuva não cai
São noites insones
noites de vigília.
Como demora a morrer a juventude em mim
Se recomeço a amar eu me afasto do fim.
Amo ao contrário do tempo.
Não me posso envelhecer.
Talvez eu venha a morrer
Como se estivesse nascendo
Roberto Freire
Presença
Meio dia
sol a pino
Nenhuma sombra
a se projetar sorrateira
por entre as árvores
Panela chiando
sobre o fogão
e num sussurro repentino
o teu cheiro
carregado da tua presença
postou-se ao meu lado
para te lembrar
querendo sentir de perto
junto
o abraço
o olhar matreiro
o sorriso cúmplice
Era meio dia
e você perambulava
em meu coração.
Quero um olhar que me arrebate o siso,
Me queime o sangue, m’escureça os olhos,
Me torne delirante!
Almeida Freitas
Andarilho
Sou como o andarilho
que em protesto
mudo e emocionado
se desfez de toda gente
Penso em você
enquanto a tarde morna
escapa por entre os dedos
como teu cabelo
afagado
como esquecimento
A noite com seus lampiões
a gás
criam fantasmas
meus fantasmas
Agora sou como o rio
que corre sozinho
são tantas paisagens
tantas lembranças
Como um tema recorrente
busco por tua presença
só me resta agora este velho retrato
e tua imagem refletida
onde me posto e te beijo
e faço juras de amor
onde te amo e me tens amor.
Esse olhar, que sai como um beijo da pupila,
— Que as implora, que bebe a sua luz tranquila
Que morre ... e nunca mais, nunca mais há de vê-las!
Olavo Bilac
Sentimento
O sol
esmaltado
sobre a fronha
a balançar
em minha janela
por entre fendas vazias
espiãs
penetra na sala
O corpo adormecido
suspira
no lapso relâmpago
de repousar
como noite de chuva mansa
como noite de amor intenso
Tua alma invade a minha
Sussurro nostalgias
e saudades
como a escada que abriga a prece
como a noite abriga a solidão
minha imagem refletida em teu olhar.
E a minha boca tem uns beijos mudos ...
E as minhas mãos, uns pálidos veludos,
Traçam gestos de sonho pelo ar ...
Florbela Espanca
Beijo
A boca entreaberta
a espera de teu
beijo
águas profundas
como luar desmaiado
Perscruta minha boca
com a tua língua
rija
Teu beijo
meu acalanto
nas noites entristecidas
na solidão derradeira
quando as ilusões adormecem serenas
no teu colo
Teu beijo
para reter a leveza
presente de teus sabores
... que a veces amenezco
y mi alma está mojada,
Co viento fuente de amarga
humedad.
César A. Miranda Ré
Ritual
A amurada projetava-se
por sobre o rio
A tarde fugidia
partia escorregando
mole
macia
O homem sentou-se no beiral
e pensou-se ave
pássaro radiante
e, de sôfrego, mergulhou no ar
corpo solto
balançando-se desengonçado
O céu, amarelado pela claridade
noturna do sol
observava impassível
O rio, em sua desabalada carreira
esperava
e, de súbito, o corpo penetrou suas águas
num mergulho derradeiro.
Num suspiro sibilante
triste e lento
Gritos agônicos ecoavam ao longe
e, pouco a pouco
o dia adormecia
As mãos, descarnadas e temerosas
fundiram-se no vazio
num gesto resignado de solidão.
E, de chofre, fez-se noite.
e hoje outra vez a primavera passa.
Mas eu me cumulei com tuas flores
e vou com teu triunfo sobre a face,
seguem vivendo em ti minhas raízes.
Pablo Neruda
AO luar
Silêncio profundo
É noite
o véu implacável da tristeza
recobre meu corpo
e o vento sibilante
embala-o no repentino
clarão da lua
Meu coração agita-se de espanto
A noite,
o luar
o mar
emolduravam nossos sonhos
tresloucados de paixão e
inércia
A areia quente acolhia nossos corpos
rijos
e as ondas dormiam na praia
Enquanto o amor nos percorria
em sonho
E a lua, em silêncio,
debruçada no céu
a nos espiar.
E ainda porque te amo, os pinheiros, no vento,
querem cantar teu nome, com suas folhas de cobre.
Pablo Neruda
Noturno
Meu corpo soluça ao vento
como em descompasso
como barco tingido de ocaso
abandonado à deriva
Como a flor que não se abriu
meu coração soluça
saltitante
ora abismo
ora treva
Não posso ver-te o rosto
nem fitar-te os olhos arredios
Meus braços, rijos
já não ofertam compaixão
meu coração jaz ancorado
Qual brisa sem rumo
como velas infladas
nosso amor partido
porto de chegada
afogo-me nas areias
de arraias
Náufrago e navegador
as ondas de teu mar
são espectros de luz
gamela onde deposito
meu riso e minha morte.
Mas hoje, que sinistra ventania
Muge nas selvas, ruge nos rochedos
Castro Alves
Rosa
Rosa bela
triste Rosa
Negra Rosa
Rosa morreu
sentada em uma cadeira
no pronto-socorro municipal
Aguardava socorro
Seu coração cresceu
cresceu
cresceu e
Puff!
Desistiu!
Não tem mais Rosa!
cordial Rosa
gentil Rosa
acolhedora Rosa
Ai, que saudades da Rosa!
como o riso curvo
pendendo do lábio mudo
Newtron Alfredo
Meus dias
Mais do que as mãos
os pés nos denunciam
A roupa impecável nos
absolve,
mas os pés...
o calçado empoeirado,
gasto, desbotado,
meiassola
tentam esconder
os pés
pés sofridos de longas caminhadas
forçadas
embrutecidos pela bacia,
pelo fogão
pelo tanque
A nos manter em pés.
Sofridos pés.
Ressecados, esbranquiçados,
rachados.
Tudo se revela através dos pés.
A retidão, a constância,
a angústia diária
do ir e vir
sobre os pés
Cansados
Traidores pés.
Teus sonhos são tuas tardes imóveis
são o quadrado dos teus olhos
João Carlos Pádua
Silêncio
Como cicatriz que lateja
pulsante
sobre a carne
tua ausência cresce desfolhada
lenta
em silêncio
como noites insones
debruçadas pelas ruelas
emudecidas pela indiferença
de teus olhos
que jazem nos meus
às vezes deserto, às vezes sertão.
Tua presença
é como sol de maio
como a semente que o vento traz
distraída e ligeira
Tua presença
tem gosto de infância,
de terra molhada
é paisagem renovada
é a mão serena ofertada
é a vida ressurgida.
A terra é sempre a mesma
o resto dirão os homens!
Costa Andrade
Chuva de verão
A água pinga
goteja água
escorre
molha
Água, sempre água
em poças
na caixa
na calha
no rio
Água gotejante
pin! pin!
na lata
escorre
água limpa
suja
esgoto
Água de beber
água, água
doce água
água doce
azul
verde
de rio e mar.
Já não preciso de rir.
Os dedos longos do medo largaram minha fronte
E as vagas do sofrimento me arrastaram
para o centro do remoinho da grande força,
que agora flui, feroz, dentro e fora de mim...
Guimarães Rosa
Noite
Sinto-me como estas
nuvens
Num breve espaço
nublado
de chuva não
caída.
Suspensa
numa fração de gota
no pedúnculo
da flor
Como a semente que o vento traz
por sobre a terra
fria
como janelas caladas
onde a lua cintila
fantasmas
prateados
Cheia de amor e
vazia
na inútil arte
de viver
perdida em algum espelho
feito corpo
feito adeus
como sombra
cheirando a
terra
Trovão
Relâmpago
Calmamente
deságua sobre mim
o céu
partido em gotas.
... a morte que te ocupa o peito todo,
com as mãos imóveis e frias, toda a alma
afastada de nós, do humano lodo,
calado o coração, calada a fala,
mortos os sons nas dobras das orelhas.
Alberto da Costa e Silva
Hiato
Tua casa é cativa eterna
de tua dor
Tua última morada
raio de luz.
Por que dormias
tão ingenuamente naquele dia?
Por que não te levantastes e
brandistes as mãos
em fúria
contra o tempo
indignado na imensidão dos olhos
fustigados pelo vazio?
Tua presença desfez-se
como o som de passos
na calçada
quando a noite já vai alta.
Trancaram-te
e minha dor debulhou-se
como espiga de milho
maduro
Indignei-me com a roda
que ora vive
ora morre.
Em vão.
O toque gelado de tuas mãos.
Tua casa é a morada
de minh’alma
de onde desenterrei meu coração
para amanhecer-te
nos olhos
de minha filha
onde eternamente estarás em mim.
Sozinho estás.
Porque solitária fora tua vida
e não desejavas
incomodar
ninguém
com tuas dores e sonhos...
Ao coração que sofre, separado
Do teu, no exílio em que a chorar me vejo,
Não basta o afeto simples e sagrado
Com que das desventuras me protejo.
Olavo Bilac
Ausência
Olho através da vidraça
e fisgo as janelas vizinhas
com o olhar
perdido
no tempo da tua ausência
O espaço tornou-se
enormemente
grande
na falta da tua presença
As horas
estagnaram-se
com a tua partida
e esqueceram de
envelhecer
Espreito a porta
olho o calendário que grita
os dias
mormente e angustioso
com a minha expectativa de
esperar-te
A noite escurece
lentamente
e eu te escuto como que presente
para enlouquecer no silêncio
do teu carinho
úmido
relaxante
A chuva salga as vidraças
gotejantes
que murmuram paixões
embaçadas
com o vapor que sobe do asfalto
embaçam os olhos
ferindo a alma
misturando-se, por fim,
à água que escorre
pela sarjeta
densa
pesada
Esqueço de mim e fixo
o corpo
na água rápida
Ainda assim
você me olha
e sorri.
Eu e tu: a existência repartida por duas almas;
duas almas numa só existência.
Tu e eu: a vida de duas vidas que uma só resuma.
Silva Ramos
Ainda ontem
O corpo largado
sobre a cama
espreita o vestido
o corpo agitado
pressente
a despedida
Tudo se rompe
Minha dor resume-se em um adeus
dolorido e triste
A tarde cai
com suas sombras cansadas
essas janelas cerradas relembram
seus ares de festa
em dias de procissão
Sinto-me como as águas
negras do rio
onde galhos e destroços
reportam às minhas profundezas
No jogo das marés
recomponho meu destino
meu cotidiano
sem promessas
lento e úmido
como tarde chuvosa
Só teus olhos,
cápsulas douradas com que
adormeci meu pensamento
vertem sobre mim
um último olhar.
Assim as ilusões chegam, garbosas,
Palpitam sonhos, desabrocham rosas,
Na esteira azul das peregrinas frotas...
Medeiros e Albuquerque
Paisagem
Minha existência dolorida
esvai-se como as pedras lisas
envoltas por musgo
ao sopé da montanha
vertida em águas
geladas
agitadas
desafiadoras
carreando embriaguez e tormento
solidão e morte
Assim desejei teu perfil estático
encerrado num retrato
de onde, entre sombras e folhas
poderia te contemplar
como as águas que desafiam a encosta
como saudade desfolhada
num rito de heroísmo e covardia
Que caminhos trilham minhas esperanças?
Por que abandonou-me a paz?
Alada, corta o espaço uma estrela cadente.
As folhas fremem. Sopra o vento. A sombra avança.
Paira no ar um langor de mística esperança
E de doçura triste, inexprimivelmente.
Martins Fontes
Caminhos
A rua
sobe
a rua d
e
s
c
e
vira
quebra na esquina
vira à direita
vira à esquerda
Para onde levará essa rua?
Essa rua é minha vida
às vezes vou
às vezes fico
às vezes me fecho
e não deixo ninguém passar
Gilda Barradas
Todos os direitos autorais reservados a autora
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