Como
bate o coração de uma mulher
Para entender como bate o
coração de uma mulher é preciso ter sentido algum dia na vida um pássaro preso
na mão.
Não há blues, não há jazz,
não há bossa, não há rock.
Não há educação de ritmo
que nos faça entender, a princípio, essa coisa toda.
Não há escola, livro bom
ou picaretagem de auto-ajuda. Ou se convive loucamente ou nunca vai saber o que
seja uma mulher na vida. Mesmo convivendo loucamente, sabe-se pouco ainda. Eis
o mistério do planeta, baby.
O coração de uma mulher
sequer é bebop, é um sopro autoral no coração dos iluminados vagabundos, sopro
que nos mantém vivos entre uma sístole e uma diástole.
Elas vão notar, de cara,
quando se trata apenas de um donzelo a decifrá-las, um cabaço, mas tá valendo,
bom é que seja homem e tente.
“Vem, meu menino vadio…”
É mais fácil enganar a
Deus e a Darwin juntos do que enganar uma fêmea.
Cada mulher sopra de um
jeito. Pobre de quem tenta entender como gênero ou discurso amoroso uma
rapariga. Há mulher Billie Holiday, há mulher Nina Simone, há mulher crente, há
mulher desgostosa, há mulher e isso é o que interessa.
Uma cachorra de hoje, uma
Anitta, por exemplo, pode ser tão significante quanto uma Simone de Beauvoir na
laje. Tão revolucionária quanto. Com a vantagem de não ter aguentado o ser, a
náusea, o Jean-Paul Sartre.
Não há coração vira-lata
no peito de uma fêmea.
Só sei que nada sei, como
me disseram os dois Sócrates da minha vida, o grecorintiano e o grego de fato,
mas tudo que aprendi no mundo aprendi com os pobres corações dos pássaros.
Embora em pequena cadeia
comercial de família, capturei, prendi, vendi, trafiquei, no varejo de uma
cidade do interior do Nordeste brasileiro –o centro do universo-, aves, bichos,
passarinhos. Infinitas contradições da trajetória: amava, estimava e com tais
criaturas ganhava um troco para o xerém da existência.
É preciso ter prendido
algum pássaro ou soltado algum dia no aquário um peixe vermelho, mesmo sem ser
aqueles caras cinematograficamente charmosos e metidos do “Rumble Fish”(by Francis
Ford Coppola), para saber como desliza para dentro da sua vida uma mulher.
É preciso ter cuidado com
pássaros, peixes e mulheres, é preciso respirar os mesmos ares e oxigênios,
mesmo morando em São Paulo, mesmo dentro de um aquário ou de uma gaiola sob o
Minhocão aos domingos.
A primeira vez que eu vi
seu rosto, agora peço ajuda ao bardo Johnny Cash, digo, a primeira vez que eu
beijei sua boca, eu senti a Terra girar em minha mão como o coração trêmulo de
um pássaro de cativeiro, aquilo estava ao meu comando, minha pequena, como no
meu primeiro tráfico de pássaros.
Mal sabia que não há
domínio sobre os mistérios sagrados. As aves se domesticam; os peixes se
aquietam diante de luzes, algas e farelos; as mulheres criam escamas, asas,
mesmo as que não desejam sair nunca do mesmo canto –ou reino- cometem seus
belos deslizes.
As mulheres não se
contentam nunca. Aí mora a lindeza danada delas.
Tal como os tremores do
coração de uma ave em cativeiro, viejo Johnny Cash.
Tal, mas nunca qual!
Para segurar minimamente
uma mulher não há segredo. É só tentar rezar todas as manhãs para Nossa Senhora
das ~Belas Bucetas~ Impossíveis, amém.
Para entender como bate o
coração de uma mulher é preciso ter sentido algum dia na vida um pássaro preso
na mão. Liso como um peixe vermelho.
Xico Sá é escritor e jornalista, colunista da Folha,
autor de “Chabadabadá – As Aventuras do Macho Perdido e da Fêmea que se
Acha” e mais 10 livros. Na TV, participa do programa “Saia Justa”
(GNT).
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