ENTREVISTA
COM O ESCRITOR CLÁUDIO PORTELLA
“Se eu não fosse escritor seria diretor e ator de filme
pornô. Inclusive tenho muitos textos eróticos, melhor, pornográficos mesmo.
Adoro sexo!” (C.P.)
Por Elenilson Nascimento
Ele é escritor, poeta e resenhista literário. Cláudio
Portella nasceu em Fortaleza, no ano de 1972 (41 anos), mas ainda tem cara de
adolescente. Autor de “Bingo!” (Editora Palavra em Mutação, Porto/Portugal,
2003) e de “Os Melhores Poemas de Patativa do Assaré” (Global Editora, São
Paulo/SP, 2006), é uma das figuras que presentes em mais de trinta antologias
literárias, entre nacionais e estrangeiras – e eu estou louco pra ele entrar em
uma das minhas também. Seus trabalhos estão traduzidos em vários idiomas. O
escritor é publicado em revistas, jornais, suplementos, revistas eletrônicas,
sites, blogs e flogs.
Sua poesia e a prosapoesia é cheia de humor, muito
humor e muito erotismo também, como no caso do delicioso poema “Cabaço” –
dedicado à Hilda Hilst:
“Quando digo mulher todo o meu saber fazer/fora
preparar um peixe e exagerar no sal/Mulher para os devaneios /é um intervalo
entre um poema feminino de Vinicius/e um dia de ressaca...”
Numa de suas inúmeras entrevistas disse ter como maior
sonho fumar crack usando as cinzas da mãe. Ficou chocado, caro leitor? Eu não,
talvez essa fosse uma suprema homenagem. E por aí vai em “Crack”, um livro
cheio de gritos a homenagear referências, a descarnar sensações mórbidas, a
sacanear nossos pruridos de pretenso bom-mocismo, a queimar até a última
fumaça, a lançar estilhaços de provocações de um submundo erigido em mundo
(mundus: limpo, puro, purificado). “Fui viciado em crack. Eu falo sobre a droga
através da literatura. Não é um livro de autoajuda. Ele não fala de minha
experiência com a droga, nem como se livrar do vício”, disse nessa entrevista.
Assim, como leitor e agora fã, lendo Cláudio Portella, atrevo-me apenas a dizer
se gosto ou não gosto disso ou daquilo. Mas gosto muto. É de ler até a última
pedra..., digo, palavra! Visite seu Facebook.
Elenilson – Antes de mais nada, queria agradecer por
sua gentileza em tirar um tempinho para essa entrevista. Conta logo sobre qual
o lado bom e ruim de ser um escritor num País onde a grande maioria não tem
acesso a uma boa educação.
Cláudio Portella – Também agradeço. Não há lado bom,
nem ruim em ser escritor. A profissão do escritor não está diretamente ligada
ao acesso à boa educação que o povo tem ou não. Isso em qualquer País do mundo.
O escritor de um País pobre ou rico, com sua obra, consciente ou não, está,
através dela sempre mudando alguma coisa. Para o bem ou para o mal.
Elenilson – A partir de sua trajetória pessoal, como
você vê o desenvolvimento do campo profissional, literário e acadêmico no
Brasil, levando-se em conta as diferenças desse processo nos diferentes
estados, principalmente numa província atrasada como é o caso do nosso País?
Cláudio Portella – Sem dúvida o País precisa melhorar
muito nos campos literários e acadêmicos. Mas eu percebo melhoras. O escritor
passou a ter mais possibilidades de desenvolver sua profissão, e os acadêmicos
estão mais humildes, menos retrógrados.
Elenilson – Como você enxerga a não abertura do campo
profissional para escritores no Brasil?
Cláudio Portella – O escritor tem um leque cada vez
maior (espero) de possibilidades para exercer seu ofício. O que lamento é quase
não haver escritores profissionais no Brasil. E isso reflete a pobreza cultural
do País.
Elenilson – Você já disse em algum lugar que já nasceu
com vontade de escrever, quando percebeu isso?
Cláudio Portella – Quando percebi que eu era um inútil,
que não sabia fazer absolutamente nada.
Elenilson – Como você se sente em relação ao retorno
que os leitores dão sobre seus livros?
Cláudio Portella – Feliz, deveras!
Elenilson – De onde surgiu a ideia de escrever “Crack”?
Fale um pouco sobre ele.
Cláudio Portella – Fui viciado em crack. Eu falo sobre
a droga através da literatura. Não é um livro de autoajuda. Ele não fala de
minha experiência com a droga, nem como se livrar do vício. Apenas conta, com
as ferramentas da literatura, a história de um mundo cheio de fumaça, de pedras
no caminho, de cachimbos, de cinzas, de cracolândia, de humor, de crítica, de
ego etc.
Elenilson – Por que no Brasil, em especial na Bahia,
nunca se investe em inteligência?
Esse "em especial" não é só na Bahia. E tudo
me leva a crer que não investe porque o brasileiro não é inteligente. E não
está nem aí pra sê-lo.
Elenilson – Não há dúvida de que a sociedade brasileira
está atravessada por injustiças sociais. E não há dúvida de que esse quadro de
desigualdades deve ser superado aos poucos ou rapidamente. A esquerda
brasileira está inquieta e parte dela se sente desconfortável com o momento
político, como se estivesse sendo inculpada das desigualdades sociais. Como
você analisa esse quadro?
Cláudio Portella – Quando eu descobrir quem é direita
ou esquerda no Brasil eu te respondo. O brasileiro é ambidestro.
Elenilson – Existe uma coisa aqui no Brasil que quando
o cara está no fundo do poço ou vira evangélico, ou faz pornô ou se torna
político. Você usaria a sua imagem na TV para se candidatar a alguma vaguinha
na política da Bahia ou abrir alguma igreja evangélica?
Cláudio Portella – Eu alcancei certa notoriedade nos
primeiros anos de minha carreira de escritor que cheguei a receber telefonemas
de pessoas me convidando para me candidatar à vereador. Segundo elas meu nome
estava tão conhecido que eu tinha ótimas chances de ser eleito. Achei tudo
muito engraçado e cheguei a me assustar. Não fazia ideia que meu nome estava tão
popular. Depois me viciei no crack e estive pra lá do fundo do poço. Sabe
aquela história de chegar ao fundo do poço e continuar cavando. Foi o que eu
fiz. Quase perdi a vida, e, o pior, quase jogo para o espaço minha carreira de
escritor. Passei por 10 internações para me livrar do vício do crack, algumas
delas em clínicas evangélicas. Mas não tenho religião especifica. Gosto do
catolicismo, do evangélico, do espiritismo, do budismo etc. Sempre aprendo um
pouco com cada uma delas. Quanto a filme pornô, se eu não fosse escritor seria
diretor e ator de filme pornô. Inclusive tenho muitos textos eróticos, melhor,
pornográficos mesmo. Adoro sexo!
Elenilson – A juventude hoje não tem opinião e não quer
saber de política, mesmo com essas últimas passeatas e manifestações, em
consequência disso continuaremos sendo mandados por um bando de parasitas
travestidos de políticos. Os poucos que se aventuram a entrar na política o
fazem somente pela recompensa financeira. Comenta.
Cláudio Portella – Não há muito o que comentar. Se
dependermos dos políticos e dos jovens para termos um país melhor, estamos
perdidos.
Elenilson – Profissões de jornalistas, professores,
escritores, médicos e todas que têm que atender a uma demanda prioritária da
nossa sociedade têm se tornado cada vez mais perigosa nos grandes centros
urbanos. E Salvador não é muito diferente. Você acha que esse tema deveria ser
debatido nas universidades? E porque não ninguém debate?
Cláudio Portella – Esse e outros temas deveriam ser
debatidos nas universidades, sim! Mas há muito as universidades não debatem
nada. Percebo festa, calorada, bebida e outros secos e molhados nas
universidades. Debate quase não vejo, e quando fazem, não passam de discursos
vazios.
Elenilson – Temos visto tentativas em países como
Venezuela, Nicarágua, Equador, Bolívia, Turquia e até no Brasil do cerceamento
da liberdade da imprensa. O nosso incompetente governo, copiando o governo
Obama, quer limitar o acesso à informação na internet e todos os meios de
comunicação. O que fazer, caso o senhor ficasse sem poder exercer a sua
profissão com plena liberdade ou sem poder debater essas coisas num blog
inteligente como o nosso?
Cláudio Portella – Eu iria morar numa caverna e
escreveria nas pedras. Ou escreveria na areia como fez Jesus Cristo.
Elenilson – O sensualismo do poder é irresistível. O
fascínio do poder e, claro, a ilusão de que vai governar um Estado nação, induz
os membros desse governo patético a crer que estão realizando uma tarefa
meritória. Na verdade estão contribuindo para que o País se mantenha nesse
estado de inanição, podendo até piorar, mas que, pelo visto, alguns estão
acordando e indo para as ruas protestar. O que o senhor atribui essa súbita
atração dos jovens pelo globalismo nessas manifestações?
Cláudio Portella – Sinceramente: falta de algo melhor
pra fazer. Se eles ficassem em casa lendo literatura de verdade, aí sim,
teríamos uma revolução.
Elenilson – Até que ponto essas últimas manifestações
representam alguma ameaça à soberania nacional e à gangue do PT? Há riscos
sociais nesse processo?
Cláudio Portella – Ameaça nenhuma, risco nenhum. Ainda
vivemos no País do Carnaval e do futebol.
Elenilson – Como você analisa o discurso do
ex-presidente Lula, chefe de toda a gangue asquerosa do PT, quando ele dizia,
por exemplo, que tinha "quatro anos para provar que um torneiro mecânico
pode governar esse País com muito mais sabedoria do que ele já foi
governado"? Resultado é isso que estamos vendo hoje, mesmo com a imagem do
presidente de quatro dedos, principalmente no exterior, ainda ser muito
positiva!
Cláudio Portella – A resposta que te dou é a seguinte:
acho mais simpático um torneiro mecânico do que um acadêmico da USP.
Elenilson – Eu acredito que deveria ser passado para o
público a visão de conjunto de sociedade para não ficar nessa artimanha dos
argumentos governamentais das Bolsas Misérias da Dilma. Mas um governo que vem
a partir de movimentos sociais está se dedicando muito apressadamente a
satanizar, por exemplo, as atividades intelectuais nas universidades públicas.
Portanto está contribuindo sim para favorecer a privatização e o economicismo
no primeiro, segundo e terceiro graus, que é um item do ideário de Washington,
ou mais concretamente uma exigência do Banco Mundial. Mas o que as
universidades públicas andam produzindo de efetivo? Pois se realmente produzem
algo, essas informações continuam escondidas dentro dos muros acadêmicos.
Cláudio Portella – O governo não está nem aí para o
ensino público e o ensino público não está nem aí para o governo. São amigos e
se tão muito bem. Enquanto isso o ensino privado fica cada vez mais rico e a
população mais idiota.
Elenilson – Mas o governo do PT diz que é justamente o
oposto: que tem um projeto nacional para a educação que outros nunca ousaram
ter. Em sua opinião, quais seriam as consequências dessa postura burra,
mentirosa e incompetente desse governo
para o ensino superior público?
Cláudio Portella – Respondi na pergunta anterior. O
governo não está nem aí para a educação pública. E a educação pública sabe
disso, e até gosta. É um jogo de faz de conta. Um RPG.
Elenilson – “Cão chupando manga” é quase poesia, já
disse Mia Couto sobre gírias. O que você pensa de escritores que falam gírias e
expressões que carregam um pouco de raiva e ironia, mas lembram também um certo
perigo do humor?
Cláudio Portella – A escritora Joyce Cavalccante tem um
romance com o título "O cão chupando manga". Mas não gosto do título.
Acho feio. Não gosto de expressões feitas. Não acho nada poético. Acho falta de
originalidade. É preciso ter cuidado para usar gíria na literatura, se não o
texto fica datado, deslocado, muito pessoal etc. Quanto a raiva, ironia e humor
são ótimos elementos para se usar na literatura.
Elenilson – O que ainda lhe inspira a escrever?
Cláudio Portella – Acordar no dia seguinte.
Elenilson – Quais são suas referências literárias? Que
autores influenciaram em sua formação como escritor?
Cláudio Portella – Leio muito desde muito jovem.
Poderia lhe citar um porção de livros e autores. Mas não tenho referências
literárias. Aprendi muito lendo bula de remédio e revista pornô.
Elenilson – Você escreveu recentemente no seu Facebook
que “o escritor será sempre um fracassado. Não importa o sucesso que faça”.
Isso é apenas uma provocação ou você pensa dessa forma mesmo?
Cláudio Portella – É uma provocação. Mas o que falo na
frase é sobre a relação do escritor com a produção de seu texto. E sobre o ato
da criação, da melancolia que isso muitas vezes traz. Mais ou menos como uma
possível depressão depois do coito. A sensação de que nada faz sentido:
escrever um puta texto ou comer o cu de alguém.
Elenilson – Que dica você dar para as pessoas que estão
iniciando carreira como escritor?
Cláudio Portella – Não desistir nunca, jamais!
Enfrentar tudo que vier contra a carreira. Eu sou um exemplo bem propício, o
crack quase levou minha carreira embora. Superei e estou aqui dando este
conselho.
Elenilson – Pois bem, estamos chegando ao fim da
entrevista, agradecemos sua participação, muito bom conhecer mais um escritor
bacana, que mensagem você deixa para nossos leitores?
Cláudio Portella – Gostei de responder suas perguntas!
Ernest Hemingway dizia que se quisesse passar mensagem enviaria telegrama. Eu
não tenho mensagem para deixar. Mas foi um prazer conceder esta entrevista.
Abração em você e nos leitores.
fotos: divulgação
Contato: clautella@ig.com.br
Elenilson Nascimento. Seu instrumento de trabalho: a literatura. Suas vítimas: os
leitores incautos. Sua meta: criticar, escrever, publicar, deliciar. Sua cara:
ainda pouco veiculada. Seu endereço: desconhecido. Seu diálogo com o público:
um monólogo interior. Seu número de telefone: nem mesmo sua família sabe. Ele é
um ex-professor (*que não acredita mais em educação e nem em instituições desse
país), escritor desaforado, poeta indignado, e como se não bastante,
ficcionista de mão cheia. Já participou de várias antologias pelo país, 1º
Lugar no I Concurso de Literatura Virtual e classificado no II Prêmio Literário
Livraria Asabeça 2003. Autor de alguns livros desaforados e, assim, vai
seguindo e experimentando dessa dor de fazer o novo diante de uma vanguarda
feita de elite e de passado. Mas o que mais me orgulha foi ter colocado no ar
(desde 2003) o blog LC, pois "...na esquina da cadeia desemboca o enterro.
O caixão negro, listado de amarelo, pende dos braços de quatro homens de preto.
Vêm a passo cadenciado os amigos, seguindo, o chapéu na mão, a cabeça baixa. As
botas rústicas, no completo silêncio, fazem na areia do chão o áspero rumor de
vidro moído." Pronto, esse sou eu. Quer saber mais, então manda sinal de
fumaça! Sobre o Blog: A Web é uma fronteira por onde eu (ainda) posso expandir
as minhas linhas tortas. Este blog é o início da minha campanha rumo a minha
expulsão da ABL. O primeiro passo poderia ter sido o Twitter, mas lá é um
território arrogante de irredutíveis gauleses. * Me siga pelo Twiiter:
Elenilson_N
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