Anjos e sapatos
Sempre tive um pé maior do que o outro, mas com ambos
vou levando a vida, caminhando e agradecendo, apesar do desconforto dos sapatos
fechados número trinta e cinco. Nesse
caso, o dedão do pé maior, o esquerdo, fica dolorosamente amassado, apertando a
unha, enquanto o do pé direito fica
muito folgado dentro do seu par e sai do pé quando ando. De tal forma me
acostumei com esse suplicio que acabei me acomodando à situação. É incrível que
só agora resolva protestar e tomar providência! Uma delas é comprar dois pares
de sapatos iguais com tamanhos diferentes: Um trinta e quatro para o pé direito
e trinta e cinco para o esquerdo. Mas esse basta de flagelo, não foi só em
relação aos sapatos, mas também no que se refere às dores emocionais. O ruim é
a gente se acostumar com elas. Dos sapatos que fazem calos e feridas nos pés,
às desconfortáveis feridas e calos do coração.
Confesso que hoje, depois de lamber algumas delas e
apalpar certas protuberâncias emocionais cardíacas sensíveis a dor, senti que, infelizmente, adquiri aquela calosidade própria do
que, aperta e machuca: a presença de
pessoas destrutivas. Tudo isso porque
assumi, dentro de mim, um anjo que suporta sapatos fechados, mesmo com dor no
dedão do pé. De quem apesar do incômodo,
continua a tolerar quem lhe agride todo o tempo, testando o estado de compaixão
que me amortece dores morais. No
entanto tudo tem um limite! Mora também dentro de mim, um demo que não tolera
ferida e apertos, e que se revolta com as aquiescências do tal anjo que não
reclama do sufoco.
Nem anjo, nem demo: somos seres humanos! Esta dicotomia
anjo x demo, incentivou-me a escrever histórias infantis, sempre procurando
expressar a síntese da relação positivo x negativo. Se meus pés não se encaixam
dentro dos sapatos deve haver solução para os embates com pessoas que machucam
o coração, antes que a gente se acomode á agonia, e não consiga sair mais do
circulo vicioso. Permanecer nesse tipo de relacionamento é se sentir num eterno
purgatório!
Devo então
procurar novas posturas em que possa me reequilibrar, e perder o medo da culpa
e do novo , a fim de prosseguir nessa inevitável viagem pelas estradas, avenidas, ruas e becos
da vida, cheios do bafo das contradições, onde
andamos, nós todos, por cima da mesma corda bamba.
Não posso viver aceitando um anjo que me deixa a mercê
da autoflagelação pela culpa. Absurdo maior é o de querer carregar a cruz que não nos pertence. Como se a nossa não
pesasse o bastante. Feito esse ato de
auto violência, ficamos paralisados
frente à vontade de amar e ser livre!
Isso deixa o coração doente!
A pretensão vaidosa de querer ser Deus tem um preço
muito caro! Quando não é questão de vida
ou de morte. É mergulhar num labirinto sem encontrar saída.
Tenho o demo sim, dentro de mim, mas também tenho o
anjo que tolera sapatos fechados. Contudo não quero me culpar por isso.
Melhor repetir a si mesmo que é impossível querer curar
as feridas dos que não querem ser curados. Quando a gente mesmo luta para
conseguir aceitar a cura das próprias feridas.
Hoje estou ciente disso: que preciso ser curada do hábito de continuar
calçando sapatos desajustados. Vale a
pena mudar. Não basta conhecer o caminho
da fuga quando a coisa fica fora de controle.
Preciso saber também da via do enfrentamento. Não em relação às pessoas
que me fazem mal, mas aquele comigo mesma. Principalmente em relação aos
que praticam divinamente bem, a arte de
culpar os outros por seus flagelos.
Anjo que é anjo tem que ser guerreiro. Usa armadura para se proteger, mas
também carrega a lança, que mata o
dragão da culpa eterna e a espada nas horas de vigília. Se for esse tipo de anjo, dou-lhe
acolhimento. Ele sabe do que é capaz! I Ele tem a solução para pés desiguais e
nos ajuda a encontrar o caminho da liberdade!
Maria J. Fortuna-Nasceu em São Luís, Capital do Estado do Maranhão.
Escolhi
Serviço Social como profissão. Com toda esta incursão no mundo das
artes, descobri que não podia viver longe desse cenário. A literatura
havia brotado cedo. Desde menina, sou fascinada pela palavra.
Ingressei
na REBRA, onde recebi incentivo e divulgação do meu trabalho e resgatei
alguns textos que foram escritos no desenrolar da minha existência, aos
quais não dei muito valor na época em que foram produzidos. Recomecei a
escrever poesias, crônicas e livros infanto-juvenis.
Publiquei cinco obras infanto-juvenis, ao longo dos últimos anos: O menino do velocípede, A incrível estória de amor de Mimo e Dedé , ilustrados pela autora, ambos esgotados. O anjinho que queria ser gente, que está na 2ª edição e O pardalzinho desconfiado,
com ilustrações de Josias Marinho. Os dois últimos pela Mazza Edições
de Belo Horizonte. Em 2008, foi lançada em Portugal outra obra de minha
autoria por essa Editora: A sementinha que não queria brotar, com ilustrações de Regina Miranda. Este livro foi adotado pela Prefeitura de Belo Horizonte para as crianças da rede escolar.
Participei de duas Antologias a convite da Editora Rosane Zanini: "A cidade em nós" - em três línguas (2010)," Um dia em minha cidade"(2012). Ambas com crônica. Neste último ano, participei da Antologia: "L´indiscutable talento des Écrivaines Brésiliennes" pela REBRA, com poesia.
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