Trabalho perde valor, amigos perdem valor, boemia perde
valor, cinema perde valor, assim como teatro, bebida e futebol, nenhum evento é
mais importante do que estar com o outro.
Contam-se os minutos, as horas, para o encontro com
quem nos arrebatou.
Nosso foco é somente para uma pessoa. O mundo
desaparece, as notícias desbotam, unicamente se pensa em sexo e em enlouquecer
nossa conquista.
É uma alegria ininterrupta: todo abraço é um camarote,
todo beijo é conversa fiada.
O casal perde o relógio de vista, e fica ainda mais
feliz. Não dorme e ri – os bocejos se tranquilizam em suspiros.
Durante a paixão, somos admirados, invejados,
elogiados, e juramos que nos transformamos no homem dos sonhos, que os
pesadelos dos desentendimentos e das críticas das relações anteriores são águas
passadas e não retornarão com nenhuma enchente.
Na paixão, somos lindos, fortes, curiosos. Não é que
não enxergamos os defeitos, desprezamos os defeitos.
Meu problema é que a paixão passa, mas eu não passo
pela paixão.
O que digo sugere um autoelogio, só que é uma
autocrítica. Arco com os efeitos colaterais da atenção excessiva, de não me
distrair da amada.
Continuo apaixonado dentro do amor, esta é minha
principal crise.
A prioridade permanece sendo minha mulher, acima da
carreira e dos negócios, dos traumas financeiros e do calendário esportivo.
Comigo, as coisas não voltam ao normal.
Não sossego o ritmo, não acalmo a busca, não diminuo
minha disposição, não me isolo no escritório ou no quarto para fazer as minhas
tarefas. Não assumirei a neutralidade da confiança, a mornidão do conforto.
Realizo as obrigações do serviço previamente para
ostentar descompromisso nos momentos que partilho com minha esposa. Ela deve
pensar que sou um vadio, pois nunca digo que não posso ou não tenho tempo. Ou
deve supor que sou um trambiqueiro, um corrupto, um traficante, alguém que
sonega suas verdadeiras atividades.
Carrego uma doença incurável: a paixão não vai embora.
Ela é uma hóspede que adia sua despedida e toma para si o quartinho de
empregada do meu coração.
Persigo a leveza, a alegria, a ternura, a entrega
integral, o que é inviável. Corro atrás do inacessível que o apaixonado deseja:
garantir a paz sem diminuir a intensidade, declarar-se diariamente sem jamais
se enjoar.
Quero acordar serelepe, fingir que não estou com sono,
dar um jeitinho para chegar antes ao corpo dela e sair depois, bem depois.
Invento folgas, feriados, greve para desfrutar o máximo possível de sua
convivência. Antecipo escalas, levanto voo de carro, enlouqueço a equipe para
arrematar um almoço ou um jantar com ela. Qualquer fresta é festa surpresa.
Não é porque terei todo o tempo do mundo no futuro para
amá-la que não irei usá-lo agora. A urgência é de um apaixonado em estado
terminal. Meu lema é “já e sempre”.
Publicado no jornal Zero Hora
Revista Donna, p.6
Porto Alegre (RS), 10/11/2013 Edição 17610
Fabrício Carpinejar-poeta,
cronista, jornalista e professor, mestre em Literatura Brasileira pela
Ufrgs. Vem sendo aclamado por escritores do porte de Carlos Heitor Cony,
Millôr Fernandes, Ignácio de Loyola Brandão e Antonio Skármeta como um
dos principais nomes da poesia contemporânea.
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