Animais feito gente
WALSH, María Helena. Zoo louco. Trad. de Gláucia de
Souza. Ilustrações de Angela Lago. Porto Alegre, Projeto, 2011. 56p.
Para não dizer, diretamente, que tudo isso acontece com
o ser humano, elegemos os bichos como nossos substitutos-semelhantes! Ou nossos
espelhos? O fato é que desde que o mundo é mundo, para apontar e criticar o
comportamento “animal” dos homens, os contadores de histórias inventam
narrativas com bichos humanizados, vestidos, pensando, falando e se comportando
como seres humanos! Pronto! Está feito o paralelo!
Mas aqui, neste livro, não estamos diante de fábulas.
Estamos diante de estrofes de 5 versos, escritas para brincar, provocar risos,
mostrar situações absurdas e comprovar que a maluquice linguística pode ser bem
divertida. Na verdade, quem popularizou este tipo de poema foi o escritor
britânico Edward Lear. Eles são conhecidos como limeriques. Neles os dois
primeiros versos e o último rimam entre si e são mais longos; e o terceiro e o
quarto também rimam entre si, mas são mais curtos.
E como o título do livro anuncia, todos os poemas desta
obra são sobre animais, compondo um zoológico louco e único. São 48 pequenos
poemas, que fazem desfilar diante dos olhos do atento leitor, vacas,
tartarugas, hipopótamos, gatos, focas, elefantes, touros, garças, pinguins,
etc. Todos vistos de um jeito meio engraçado, como a rã que chora porque o sapo
não quer deixá-la andar de bicicleta, ou o leitão que deveria latir como um
cachorro, mas por não ter estudado direito a lição, dizia miau! E os poemas
ficam ainda mais saborosos quando ditos em voz alta, principalmente porque
ajudam a acompanhar o fio da meada, já que nem sempre a ordem das palavras é a
mais comum na língua portuguesa.
Outra coisa divertida nestes poemas são os nomes dos
lugares que eles anunciam. Então, cada bicho vive num lugar específico,
espalhado pelas cidades brasileiras, como o lobo de Vacaria, a perua de
Charqueada, a tartaruga de Abrolhos etc. E como a autora é argentina, há também
cidades de seu país ou da América Latina.
María Elena Walsh, que publicou este livro em 1964, na
Argentina, nunca tinha sido editada no Brasil. Aliás, esse livro é uma das
obras que dá origem à sua escrita para crianças. Ela faleceu em janeiro de
2011, com 80 anos e deixou uma vastíssima obra. Escritora das mais veneradas e
lidas em seu país, ainda precisa ser descoberta pelos leitores brasileiros.
Além dos livros infantis, Maria Elena tem obras para adultos, escreveu para
televisão, para o teatro, foi poeta, compositora, e deixou uma obra musical,
das mais populares entre as crianças argentinas (como as composições “Canción
para tomar el té” e “Manuelita, la tortuga”) e em 1985 foi nomeada cidadã
ilustre de Buenos Aires.
Neste livro, Maria Elena está acompanhada de duas
grandes escritoras brasileiras. Glaucia de Souza fez a tradução dos poemas e
Angela Lago ilustrou o livro. Glaucia, como tradutora esteve sempre preocupada
em manter as rimas, o tamanho dos versos e situar vários dos poemas em terras
brasileiras, para não dificultar a compreensão para o leitor daqui. Angela,
como ilustradora, escolheu para as páginas um fundo marrom, com desenhos
“pincelados” com ferramenta digital, em cores contrastantes. Os risquinhos, os
pequenos rabiscos, simulados pelo computador, por vezes funcionam como “massa”
de tinta. E os bichos, com corpos humanos, têm sempre suas caras naturais, de
bichos mesmo!
Diante do prazer provocado por este livro, ficamos com
um enorme desejo de mergulhar na grande obra de María Elena Walsh. Que este
primeiro livro no Brasil sirva de estímulo para as outras editoras do país
investirem na mais consagrada escritora de literatura infantil argentina de
todos os tempos!
Celso Sisto
é escritor, ilustrador, contador de histórias do grupo Morandubetá
(RJ), ator, arte-educador, crítico de literatura infantil e juvenil,
especialista em literatura infantil e juvenil, pela Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ), Mestre em Literatura Brasileira pela
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Doutor em Teoria da
Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
(PUC-RS) e responsável pela formação de inúmeros grupos de contadores de
histórias espalhados pelo país.
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