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E o vento levou: a notável coleção de conflitos de um grande sucesso [Milton Ribeiro]
A
produção de E o Vento Levou foi absolutamente conturbada. Os direitos de filmagem
do livro de Margaret Mitchell foram comprados por 50 mil dólares pelo produtor
David O. Selznick um mês após seu lançamento. O romance, lançado em 10 de junho
de 1936, tornou-se rapidamente um grande sucesso. Três meses depois, já vendera
um milhão de exemplares e, no ano seguinte, Gone with de Wind, um livro cheio
de personagens odiosos ou meramente interesseiros, foi premiado com o Pulitzer.
Foi o único romance da autora. Os direitos autorais recebidos pela obra e pela
adaptação cinematográfica tornaram-na uma mulher rica, e ela, envolvida em
atividades de filantropia, decidiu encerrar sua carreira literária. Morreu
atropelada por um táxi poucos anos depois. O roteiro do filme não contou com a
participação de Mitchell, que é de autoria de Sidney Howard. Porém, dentre os
colaboradores havia os nomes grandiosos de F. Scott Fitzgerald e William
Faulkner.
Fleming:
100% da direção nos créditos, 45% de fato
As
confusões e desentendimentos são incríveis. Talvez baste dizer que, apesar de
nos créditos figurar apenas o nome do diretor Victor Fleming, este só tenha
dirigido 45% do filme. Mas vamos a um resumo.
As
filmagens começaram em 26 de janeiro de 1939. George Cukor estava escalado para
dirigi-las. A primeira a desembarcar do projeto foi Bette Davis. Ela soube que
Errol Flynn estava cotado para um dos papéis e pediu para sair de forma
preventiva. Afinal, eles já tinha discutido violentamente no passado e não se
suportavam. Mas sua decisão foi precipitada, pois Flynn nunca chegou a fazer
parte do elenco.
Selznick
escolheu – entre 1400 candidatas – Vivien Leigh para viver a heroína sulista
Scarlett O’Hara. Ela era casada com Laurence Olivier, o que certamente influenciou
na escolha. Cukor ficou indignado com o resultado do certame e abandonou a
produção com apenas 4% do trabalho concluído. Aproveitando o, digamos, vácuo de
poder, Selznick tomou conta de tudo, chamando Clark Gable para o papel de Rhett
Butler e Fleming para a direção.
Boa
atriz, só que inglesa…Que mau hálito…
Mas
o conflito de egos entre os atores só poderiam ser medidos por sismógrafos.
Vivien Leigh trabalhou nos sets de filmagem por 125 dias, recebendo a quantia de
25 mil dólares; já Clark Gable trabalhou por 71 dias e ganhou 120 mil dólares.
Mesmo ganhando muito mais, Gable opinava ser um absurdo oferecer um papel
essencialmente norte-americano a uma atriz inglesa. Paradoxalmente, nos
corredores, durante as filmagens, todos achavam que Gable conquistaria Leigh
também fora de cena, mas ela não o suportava e mais: considerava pouco
profissional que ele deixasse o estúdio sempre às seis da tarde, pontualmente,
todos os dias. Como vingança, ele comia cebolas e bebia licor poucas horas
antes de gravar. Ela, é claro, não suportava seu hálito. Para completar, Gable
dizia a todos que, quando a beijava, pensava num bife.
Se
o desentendimento entre a dupla romântica não provocava baixas, o mesmo não se
pode dizer dos restantes. Em meio às gravações, Fleming brigou com Vivien Leigh
e Olivia de Havilland – que eram amigas e desejavam o retorno de George Cukor à
direção –, e pediu demissão. Gable adorava Fleming, claro. Estranhamente, o
demissionário alegou outro motivo para sair: disse que tivera um colapso
nervoso e acusou Selznick. Para tentar finalizar a superprodução de quase
quatro horas, foi chamada uma fila de diretores que foram sistematicamente
demitidos pelo produtor: Sam Wood, William Cameron Menzies, Sidney Franklin… Ao
final, Fleming recuperou-se e finalizou o trabalho.
David
O.Selznic: o produtor, montador e
verdadeiro tocador do projeto
Finalizou?
Nem tanto. Foi Selznick e o montador Hal C. Kern quem deram acabamento ao
filme. Eles ficaram quase um mês cortando e cortando. A lenda diz que eles se
fecharam no estúdio com 60 mil metros de película gravada ou, em outras palavras,
28 horas de material.
O
filme foi lançado em 15 de dezembro de 1939. O resultado foi estrondoso.
Considerando-se a inflação, é o filme com maior faturamento da história, além
de o mais visto de todos os tempos. Foram 400 milhões de pessoas em todo o
mundo. Atualmente, seu resultado financeiro seria de mais de 3 bilhões de
dólares, ou seja, deixaria qualquer Hobbit na poeira. E custou para a MGM
apenas cinco milhões.
O
argumento da película de Selznick e Fleming, assim como o romance, estão
inteiramente fora de moda, mas o filme é surpreendente por vários motivos. Em
primeiro lugar pela proeza técnica em todos os campos. Apesar de nada
naturalista, apesar de ser teatral, a narrativa é poderosa, a reconstituição de
época é impressionante, a trilha sonora está no contexto e a fotografia é
belíssima. Difícil acreditar que estivéssemos em 1939. Além disso, o desempenho
de Vivien Leigh como Scarlett O`Hara é arrebatador. O filme ganhou 8 Oscar e
saudado como obra-prima. Visto hoje, é excessivamente acadêmico e discursivo,
além de ser o habitat de tanta, mas tanta maldade e casamentos por metro
quadrado, que deve ser mais um recorde.
E
o vento levou é uma grande história, literalmente. Em livro, são quase mil
páginas de reviravoltas; em filme, são 241 minutos. Mas Mitchell e Fleming
sabiam contá-la com brilhantismo.
O
cartaz do filme
O
filme, na sua primeira parte, mostra uma visão idealizada da sociedade branca
do velho sul dos EUA. Os senhores de escravos são mostrados como protetores
benevolentes, e a causa confederada como nobre defesa da terra natal e de um
modo de vida. Essa civilização que o vento levou é definida assim na abertura
do filme:
Existia
uma terra de cavalheiros e campos de algodão chamada “O Velho Sul”. Neste mundo
bonito, galanteria era a última palavra. Foi o último lugar que se viu
cavalheiros e damas refinadas, senhores e escravos. Procure-a apenas em livros,
pois hoje não é mais que um sonho. Uma civilização que o vento levou!
Os
responsáveis pelo filme demonstraram certo amor pelos incêndios
Deste
modo pouco realista, o filme apresenta uma visão simpática da sociedade
sulista. Mas alguém se interessa por isso ou diz como Butler: Frankly, my dear, I don´t give a damn?
Mas
voltemos ao filme em si. O trio central de personagens é estupendo e atípico.
Frustrada
por não conseguir se casar com Ashley Wilkes, Scarlett acaba se envolvendo com
o charmoso aventureiro Rhett Butler. Scarlett é a bela mulher com o demônio no
corpo. Orgulhosa, egoísta, geniosa, cabeça dura, é capaz de absolutamente tudo
para conquistar o que quer. Tudo entremeado de rios de lágrimas, claro. Porém,
antes de ordinária, Scarlett impressionava os leitores e espectadores por ser
empreendedora, decidida e forte. Rhett Butler é o canalha incorreto, uma
estranha mistura de estúpida sinceridade, sedução e esperteza. Talvez por isso
seja perfeito para Scarlett. Ele é debochado, ela tem interesses. Ela entorna
um pouco de açúcar a uma relação entre duas personagens nada simpáticas; ele dá
uns beijos, mas mantém-se na incorreção. O notável é que a química entre eles –
com a Guerra ao fundo – funciona como poucas vezes se viu.
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