A Paris descomplicada de um jovem escritor que passou fome pela sua arte [Stéfanie Medeiros]
Hemingway na década de 20 |
Artigo publicado no OlharConceito
por Stéfanie Medeiros
As ruas de Paris. Se estiver chovendo e se for a noite, melhor ainda. É neste cenário parisiense romântico, mas com toques realistas, que um Hemingway entre seus 22 e 27 anos passou seus dias tentando deslanchar sua carreira de escritor. Para aqueles que ainda não estão familiarizados com Ernest Hemingway, talvez o filme “Meia noite em Paris” refresque a memória: Ele é o personagem que está sempre com uma garrafa de vinho na mão e diz coisas como “Nenhuma história é ruim se a prosa for limpa e o tema sincero” ou “você nunca vai escrever bem se tiver medo da morte”.
O escritor americano ganhador de um prêmio Nobel não teve uma vida fácil.Quando seu pai cometeu suicídio, a mãe lhe enviou a arma usada pelo correio. O próprio Hemingway, aos 61 anos, com problemas de saúde, depressão e perda de memória, decidiu por um fim à sua vida. Duas gerações seguintes seguiram seus passos, também cometendo suicídio. Mas não é este Hemingway que vemos em “Paris é uma festa”. Não. Neste livro auto biográfico temos o jovem escritor, casado e com um filho, trancando-se num quarto de hotel pela manhã para escrever ou andando pelas ruas de Paris observando os pescadores, as lojas, os cafés, as pessoas.
Nesta época, muito antes de sua fama, Hemingway já fazia parte do círculo cultural de Paris. Ia com frequência no apartamento de Gertrude Stein, a colecionadora de quadros e escritora feminista que “não falava com esposas”, era arrogante e vaidosa, muito diferente da personagem retratada em “Meia noite em Paris”. Outro personagem proeminente retratado no livro é Scott Fitzgerald e sua esposa, Zelda. Hemingway relembra do frenesi doentio em que viviam, das provocações de Zelda e da sua iminente insanidade. Em um trecho, a esposa de Fitzgerald diz que ele jamais poderá fazer uma mulher feliz com o tamanho de seu órgão sexual. Scott, pálido, nervoso e hipocondriaco, pede ao amigo para olhar e dizer se isto é verdade. Pondera até a ir num médico para ver se “é normal”. Era assim a rotina de Scott e por isso, assim como no filme, vemos um Hemingway que não é muito amigável com Zelda.
Hemingway não tinha dinheiro. Pegava livros emprestados de Sylvia Beach na “Shakespeare and Company” e sempre estava atrasado com o pagamento das taxas de empréstimo. Sylvia, no entanto, é bondosa e solícita, incentiva o jovem casal [Hemingway e Elizabeth Hadley] a pegarem o máximo de livros que puderem. Um dos capítulos, inclusive, chama-se “A fome como boa disciplina”, no qual Ernest afirma que caminhar pelos museus com o estômago vazio o faz apreciar melhor as pinturas e obras de arte.
“Paris é uma festa”, no entanto, foi escrito por um Hemingway mais velho. Ele concluiu o trabalho aos 61 anos e foi provavelmente o último livro que escreveu. Além da Paris idílica, do jovem escritor que largou a carreira de jornalista e passou fome pela sua arte e dos grandes nomes da literatura, temos também o Hemingway narrador, pouco antes de cometer suicídio. No capítulos finais, a nostalgia fica aguda e Hemingway começa a analisar, de forma sutil, onde sua vida começou a dar errado, que, segundo ele, começou logo depois da publicação de seu primeiro romance.
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