As mulheres poetas na literatura brasileira (3)
Num dos artigos pioneiros no sentido de mapear as
características da história da mulher no Brasil, escrito por Maria Beatriz
Nizza da Silva, a autora afirma: “não temos acesso direto ao discurso
feminino senão tardiamente no século XIX e, até então, temos de nos contentar
em conhecer os desejos, vontades, queixas ou decisões das mulheres através da
linguagem formal dos documentos ou petições, manejada pelos homens.”
Debret, pintor e historiador que viveu 15 anos entre nós, já registrava
que a educação das mulheres se restringia, até 1815, a recitar preces de cor e
a calcular de memória, sem saber escrever nem fazer as operações. Somente o
trabalho de agulha ocupava seus lazeres, pois os demais cuidados relativos ao
lar eram entregues sempre às escravas. Só a partir de 1827, com a primeira
legislação referente à educação feminina, é que as mulheres tiveram direitos
assegurados à educação. Portanto, mesmo em meados do século XIX, a mulher ainda
permanece isolada do ambiente cultural.
Talvez a marca mais evidente dessa condição de
subordinação seja a do silêncio e a de uma ausência, notada tanto no cenário
público da vida cultural literária, quanto no registro das histórias da nossa
literatura. Na esperança de poder contribuir, modestamente, na reversão da
nossa falta de conhecimento sobre a questão, resolvi abrir este espaço para
divulgar alguns momentos significativos da história da literatura brasileira
feita por mulheres. Já fizemos duas postagens, elencando autoras muito pouco
conhecidas e divulgadas. E prosseguimos, agora,nessa mesma direção.
Esclarecendo que minha atenção está voltada, exclusivamente, nas poetas
mulheres. Com vocês, as vozes femininas que quebraram barreiras e se fizeram
ouvir.
Ângela do Amaral Rangel (1725), carioca, deve ter
sido a primeira poeta brasileira a ter seus versos publicados antes de 1822.
Participou como membro da Academia dos Seletos, em 30 de janeiro de 1752, das
comemorações em homenagem a Gomes Freire de Andrade, governador e
capitão-general das capitanias do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo.
Nesta ocasião, declamou os dois sonetos que lhe fizeram ser lembrada como
poeta. Um simples menino de 12 anos que ali os escutava era José
Basílio da Gama que, anos depois, já escritor, publicou o seu
livro Uruguay que imortalizou Gomes Freire de Andrade.
MÁXIMAS CRISTÃS, E POLÍTICAS
Soneto
Ilustre General, vossa Excelência
Foi por tantas virtudes merecida,
Que, sendo já de todos conhecida,
Muito poucos lhe fazem competência:
Se tudo obrais por alta inteligência,
De Deus a graça tendes adquirida,
Do Monarca um afeto sem medida,
E do Povo uma humilde obediência:
No Católico zelo, e na lealdade
Tendes vossa esperança bem fundada;
Que, na presente, e na futura idade,
Há de ser a virtude premiada
Na terra com feliz serenidade,
E nos Céus com a glória eternizada.
MÁXIMA PRIMEIRA
Entre as militares
Soneto
Já retumba o clarim, que a Fama encerra
Na vaga Região seu doce acento,
De Gomes publicando o alto alento,
Por não caber no âmbito da terra:
Declara, que se está na dura guerra,
Tudo acaba tão rápido, e violento,
Que o mais forte Esquadrão, em um momento,
Seus talentos vitais ali subterra.
Vosso Nome será sempre exaltado,
Que se voais nas asas da ventura,
Vosso valor o tem assegurado;
Porque nos diz a Fama clara, e pura
Que outro Herói, como Vós, não tem achado
Debaixo da Celeste Arquitetura.
Bárbara Heliodora (1758-1819) mineira de São João
Del Rey, viveu com o poeta inconfidente Alvarenga Peixoto, teve cinco
filhos,e foi considerada heroína da inconfidência mineira. Sua
produção literária é bastante reduzida e controvertida.Os
poemas Conselhos a meus filhos e um soneto dedicado a
filha Maria Ifigênia, são atribuídos a ela, mas nem todos os estudiosos
são unânimes nisso.E a pesquisadoraEliane Vasconcellos destaca um
aspecto curioso: tendo produzido tão pouco, existe uma imensa bibliografia
sobre ela.
SONETO
Amada filha, é já chegado o dia,
em que a luz da razão, qual tocha acesa,
vem conduzir a simples natureza:
- é hoje que o teu mundo principia.
A mão, que te gerou, teus passos guia;
despreza ofertas de uma vá beleza,
e sacrifica as honras e a riqueza
às santas leis do Filho de Maria.
Estampa na tua alma a Caridade,
que amar a Deus, amar aos semelhantes,
são eternos preceitos da Verdade.
Tudo o mais são idéias delirantes;
procura ser feliz na Eternidade,
que o mundo são brevíssimos instantes.
Maria Josefa Barreto (1786-1837) é gaúcha de
Viamão –e foi, apesar de politicamente conservadora e anti-farroupilha, uma
feminista avant la lettre: professora, abriu uma escola primária
mista em Porto Alegre. Foi jornalista engajada e fundou dois jornais. Poeta e
repentista, escreveu muitos elogios dramáticos e vários poemas de nuance
árcade.
Aos 55 anos do Senhor D. João VI
(Soneto)
Lá onde o Tejo undoso ufano pisa,
Dos brilhantes lauréis já despojada,
De fúnebre cipreste a fronte ornada,
Lísia envolvida em pranto se divisa.
Na saudade cruel que a penaliza,
Invejosa suspira, consternada,
Quando América assaz afortunada
A glória de João imortaliza.
No seu erguido trono brasileiro,
Fundador de uma nova monarquia,
Qual de Ourique Afonso, Rei primeiro,
Ditando sábias leis, já neste dia
De onde lustros o giro vê inteiro
O grande filho da imortal Maria.
Adelaide de Castro Alves Guimarães ( 1854 - 1940)
foi poeta, musicista, pintora, desenhista e irmã do famoso poeta dos
escravos: Castro Alves. Aliás, atribuiu-se a ela o cultivo de sua memória,
a conservação do seu acervo e de seus manuscritos inéditos. Casada com o
jornalista e político baiano Augusto Álvares Guimarães, teve uma filha,
também poeta, Glória de Castro Alves Guimarães. Permaneceu inédita
até recentemente, quando aos 79 anos teve seus poemas publicados no
livro O Imortal, versos de outrora,por iniciativa de sua filha.
[Sem título]
Amor é um carpinteiro
Que ri com ar de matreiro,
Cerrando forte e ligeiro
Na tenda do coração...
Com toda a proficiência
Põe pregos de resistência,
Ferrolhos na consciência,
Tranca as portas da razão
Só
Acercou-se do leito em andar vagaroso:
Condenada dir-se-ia a chegar ao degredo...
O vazio... o abandono... o sossego penoso...
Na marmórea brancura um funéreo lajedo!!...
Onde a estância risonha, o país venturoso
dos afagos sutis... da carícia em segredo...
Dos seus dous corações o pulsar amoroso
De onde a sorte cruel, a expulsara tão cedo?!...
Nesta angústia, que espera esse olhar assim fito
No macio colchão, na macia almofada,
Testemunhos do amor que ora mata-a ora a encanta
Se tão longe, tão longe! em lençóis do infinito
Prisioneiro ele dorme em alcova isolada
Nesse leito do qual ninguém mais se levanta?...

RubensJardim, 67 anos,
jornalista e poeta. Foi redator chefe Gazeta da Lapa e trabalhou no
Diário Popular, Editora Abril e Gazeta Mercantil. Participou de várias
antologias e é autor de três livros de poemas: ULTIMATUM (1966),
ESPELHO RISCADO (1978)e CANTARES DA PAIXÃO (2008). Promoveu e organizou
o ANO JORGE DE LIMA em 1973, em comemoração aos 80 anos do nascimento
do poeta, evento que contou com o apoio de Carlos Drummond de Andrade,
Menotti del Picchia, Cassiano Ricardo, Raduan Nassar e outras figuras
importantes da literatura do Brasil. Organizou e publicou JORGE, 8O ANOS
- uma espécie de iniciação à parte menos conhecida e divulgada da obra
do poeta alagoano. Integrou o movimento CATEQUESE POÉTICA, iniciado por
Lindolf Bell em 1964, cujo lema era: o lugar do poeta é onde possa
inquietar. O lugar do poema são todos os lugares... Participou da I
Bienal Internacional de Poesia de Brasília (2008) com poemas visuais no Museu Nacional e na Biblioteca Nacional. Fez também leituras no café Balaio, Rayuela Bistrô e Barca Brasília. E participou da Mini Feira do Livro, com o lançamento de Carta ao Homem do Sertão,
livro-homenagem ao centenário de Guimarães Rosa. Teve poemas publicados
na plaquete Fora da Estante, (2012), coleção Poesia Viva, do Centro
Cultural São Paulo. Páginas na Internet: Site: Rubens Jardim e Facebook: Rubens Jardim
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