O que Arthur Schopenhauer tem a dizer para você,
escritor
Por Jana Lauxen
Há alguns anos caiu em minhas mãos um livro de título
clichê chamado A Arte de Escrever (L&PM Pocket, 2005, R$16), de Arthur
Schopenhauer. Esta leitura realmente me colocou a refletir sobre a forma como
eu lia e escrevia, e posso garantir que o livro merece a atenção de todos –
especialmente dos escritores e aspirantes a escritores que andam por aí.
Apesar de ter sido escrita há mais de um século, a obra
ainda é atualíssima em sua forma e em seu conteúdo, e o texto, nada rebuscado,
literalmente nos coloca para pensar.
Estes dias, relendo o livro, sublinhei algumas
passagens que considero preciosas, e resolvi compartilhá-las aqui, no Homo
Literatus. Acredito que, como autores, só temos a ganhar e a crescer, se
refletirmos sobre este estranho ofício que é escrever. E que Arthur sabiamente
compilou em seu livro:
Tipos de Autores
"Se pode dizer
que há três tipos de autores: em primeiro lugar, aqueles que escrevem sem
pensar. Escrevem a partir da memória, de reminiscências, ou diretamente a
partir de livros alheios. Essa classe é a mais numerosa. Em segundo lugar, há
os que pensam enquanto escrevem. Eles pensam justamente para escrever. São
bastante numerosos. Em terceiro lugar, há os que pensaram antes de se pôr a
escrever. Escrevem apenas por que pensaram. São raros."
Muitos autores não param para analisar o que querem
dizer com seu texto, e como não sabem para onde estão indo, nunca chegam a
lugar nenhum.
É importante que, no momento em que sentamos para
escrever, já saibamos o que pretendemos contar. Ir pensando enquanto escrevemos
geralmente traz como resultado final um texto confuso, extenso e pouco
interessante, pois, como não sabemos o que desejamos dizer, acabamos não
dizendo nada.
Arthur acrescenta e finaliza:
"Poucos
escrevem como um arquiteto constrói: primeiro esboçando o projeto e
considerando-o detalhadamente. A maioria escreve da mesma maneira que jogamos
dominó. Às vezes segundo uma intenção, às vezes por mero acaso, uma peça se
encaixa na outra, e o mesmo se dá com o encadeamento e a conexão de suas
frases. (…) Uma frase se encaixa em outra frase, encaminhando-se para onde Deus
quiser."
Criatividade
"É fácil
acrescentar algo ao que já foi inventado."
Baseando-me nos originais que já recebi para avaliação,
percebo que muitos autores reproduzem sistematicamente a forma de escrever de
determinado escritor que, por regra, está na moda. A construção das frases, a
estrutura do texto e, não raro, a própria temática do dito autor renomado estão
ali, sem tirar nem pôr.
Ocorre que, geralmente, novos autores ainda não
escreveram o suficiente, e por conta disso também não desenvolveram seu próprio
estilo de escrita. Logo, é natural repetirem (ou ao menos tentarem repetir) o
estilo de um autor que admiram. Todavia, é importante que o autor busque, desde
o início, desenvolver sua própria maneira de se comunicar com o leitor. Tentar
repetir o estilo de um autor já renomado não lhe tornará um autor renomado
também. Pelo contrário. O mais do mesmo costuma ser sumariamente ignorado,
pois, se podemos ter o original, por que vamos nos contentar com uma cópia?
Também é importante ter cuidado ao utilizar elementos
que estão na moda, na tentativa de tornar seu livro ‘comercialmente viável’.
Este é um tiro que pode sair pela culatra – e quase sempre sai. O autor,
querendo chamar a atenção das editoras e dos leitores para sua obra, acaba
escrevendo sobre algo que não entende e pelo qual não se interessa. Assim, o
texto fica inverossímil, equivocado, e termina não convencendo ninguém.
E, por fim, eu vos suplico: parem de escrever
trilogias!
O novo autor aparece com três livros, cada um com
trezentas páginas, sendo um diretamente dependente do outro. Ou seja: para que
o leitor consiga se situar na história, ele precisa obrigatoriamente comprar os
três livros – caso contrário vai acabar mais perdido que cachorro em dia de
mudança. E vai ser difícil algum leitor comprar os três volumes, já que o preço
final será alto. Afinal, são três livros que possuem mais de trezentas páginas
cada um. Logo, serão três diagramações, três capas e três impressões
diferentes. O investimento apenas triplica. E eu pergunto: quem vai comprar um
livro com mais de quinhentas páginas (depois da diagramação o número de páginas
costuma aumentar significativamente), caro (não sairá por menos de R$50 cada
um, tenha certeza), e de um autor do qual nunca ouviu falar (lembre-se: você
não é o Dan Brown)?
Resposta: ninguém.
Talvez nem a sua madrinha.
Escrever Difícil
"Não há nada
mais fácil do que escrever de tal maneira que ninguém entenda; em compensação,
nada mais difícil do que expressar pensamentos significativos de modo que todos
os compreendam. (…) A simplicidade sempre foi uma marca não só da verdade, mas
também do gênio."
Sem muito mais a acrescentar.
Exceto esta dica, que considero de utilidade pública:
uma forma de avaliar até que ponto você está no controle de seu próprio texto,
é tentar resumi-lo em cinco linhas. Não importa se é uma crônica, um conto, um
romance, um artigo. Se não conseguir sintetizá-lo em cinco linhas, é provável
que você não tenha a ideia do texto clara em sua cabeça – e se ela não está
clara para você, imagine para o leitor.
Escrever Muito
"É preciso ser
econômico com o tempo, a dedicação e a paciência do leitor, de modo a receber
dele o crédito de considerar o que foi escrito digno de uma leitura atenta e
capaz de recompensar o esforço empregado nela. É sempre melhor deixar de lado
algo bom do que incluir algo insignificante. (…) O segredo para ser entediante
é dizer tudo."
Em outras palavras: não tome o leitor por estúpido. Não
precisa descrever até a cor das meias do personagem, nem o que ele está
almoçando, e muito menos a decoração do escritório, a não ser que isso seja
estritamente necessário. Saber a cor das meias do personagem faz diferença na
história? Traz alguma informação nova ao leitor? Não? Então corta!
E, não. Seu livro não é seu filho, e essa conversa de
que “dói cortar” o texto é papo de escritor amador. Seu livro é seu livro, e
deve ser visto por você com seriedade e comprometimento (e não com paternalismo
delirante). Não dá para querer ser tratado como um escritor profissional se
você age como um maluco apegado aos seus próprios caracteres.
Além do que, tantas páginas e detalhes irrelevantes
somente atuam contra o novo autor, inclusive financeiramente. Quanto mais
páginas, mais caro o preço final do livro. E não adianta dizer: mas o
Crepúsculo custa só R$29.90. Sabe quantos exemplares foram impressos dessa
obra? Aposto em pelo menos trezentos mil, sendo pessimista. E você? Vai
imprimir quantos mesmo?
O preço do livro sobe na medida em que a tiragem
diminui e o número de páginas aumenta. Como novos autores dificilmente imprimem
tiragens altas (a média é cem exemplares), o preço vai lá em cima. E depois o
autor ainda vai no Facebook reclamar que o preço de seu livro de 580 páginas é
muito alto e ninguém apoia a literatura nacional e mimimi blábláblá.
Repetirei até meu último suspiro: escrever é a arte de
cortar.
Arte esta que nem todos dominam.
Escrever Muito – Parte II
"(O autor)
quer dizer seis coisas de uma vez só, em vez de expor uma após a outra. (…)
Assim, quem lê recebe muita coisa para decorar, antes de obter algo para
entender. É evidente que se trata de um péssimo procedimento e de um abuso da
paciência do leitor. (…) Com isso, produz-se a aparência de que o escritor
possui mais profundidade e inteligência do que o leitor."
Não adianta entupir o leitor de informações, sendo em
sua maioria inúteis, e não contextualizá-lo, não fazê-lo entrar, participar e
se envolver com o texto. Para isso é preciso organizar a escrita de modo que o
leitor tenha vontade de continuar – e para que queira ir adiante, ele precisa
saber de antemão qual caminho está seguindo.
Arthur explica: “É necessário dispor as palavras de
maneira que elas forcem o leitor, de imediato, a pensar exatamente o mesmo que
o autor pensou”.
Lembre-se que existe um bilhão de livros, e nada é mais
fácil do que deixar um livro chato de lado e pegar outro, melhor.
Um leitor perdido é, geralmente, um leitor perdido para
sempre. E enquanto novos autores não podemos nos dar ao luxo de descartar
leitores assim, levianamente.
Mais Arthur: “(…) Um estilo descuidado, negligente e
ruim demonstra um menosprezo ofensivo pelo leitor, que retribui, com todo
direito, deixando de ler o que foi escrito”.
Findo o argumento.
Escrever Mal
"(…) Deixam de
lado três quartos das vírgulas necessárias, e oriente-se quem puder. Onde devia
se encontrar um ponto, há uma vírgula, ou no máximo um ponto e vírgula. A
primeira consequência disso é que se torna necessário ler cada frase duas
vezes."
Ou três, ou quatro, ou simplesmente desistir.
O mau uso da pontuação pode transformar um texto bacana
em um amontoado de palavras sem significado – ou mesmo alterar o sentido de uma
frase, mudando radicalmente o que o autor quis dizer.
Aliás, o ponto-final sofre bullying do novo autor, por
que costuma ser sumariamente desprezado. Assim, temos frases gigantescas, onde
o autor nos fornece cinquenta informações diferentes, sem que tenhamos sequer
um tempo e um ponto-final para retomar a respiração e nos situar na história.
Forma &
Conteúdo
"Os autores não
se esforçam para convencer, mas para impressionar."
Acredito ser importante nos questionarmos para que e
por que, afinal de contas, escrevemos.
Para convencer ou para impressionar?
Para ser conhecido ou para ser reconhecido?
Saber as respostas para estas perguntas pode fazer a
diferença entre conseguir o seu espaço embaixo deste sol chamado literatura, ou
não conseguir.
Livros:
"É comum
confundir a compra dos livros com a assimilação de seu conteúdo."
Livros na estante não servem para absolutamente nada.
Eu, inclusive, tenho o costume de dar meus livros – ao
menos aqueles que sei que não irei ler ou reler. Mas a maioria dos leitores que
conheço sofre de um mal que eu chamo de Apego Literário. Não passam um livro
adiante nem que Jesus Cristo peça emprestado.
E o pior: também não leem os muitos livros que compram,
que ficam na estante tal e qual suvenires literários, juntando poeira e criando
ácaros.
Como disse, meu interesse em compartilhar estes trechos
do livro A Arte de Escrever é, basicamente, nos colocar a refletir sobre o
nosso próprio trabalho literário. Pois, muitas vezes, envolvidos que estamos
com mil compromissos diários, acabamos no piloto automático, e passamos a
simplesmente fazer, sem se perguntar como, por que e para quem.
É preciso saber que sempre temos o que aprender e
melhorar. Com cem anos estaremos aprendendo e melhorando – ao menos é o que eu
espero. Pois, se já nos consideramos geniais agora; se acreditamos que já
sabemos de tudo, e que somos os melhores; talvez esteja na hora de pararmos
para pensar.
Por que provavelmente estamos errados.
Jana Lauxen- É produtora cultural e escritora,
autora dos livros Uma Carta por Benjamin (Ed. Multifoco, 2009) e O Túmulo do
Ladrão (Ed. Multifoco, 2013). Colunista da revista Café Espacial, publicou pela
Mojo Books a historieta Pela Honra de Meu Pai. Publicou em mais de quinze
coletâneas, e organizou seis em parceria com outros escritores. Foi editora da
versão brasileira da revista eletrônica inglesa 3:AM Magazine, e também uma das
idealizadoras do projeto E-Blogue.com (in memoriam). Atualmente trabalha na
Editora Os Dez Melhores e é redatora na agência Teia de Marketing Literário
Virtual.
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