As várias mortes na vida [Maria J Fortuna]
Ele era o xodó da família. Alegre, simpático, sedutor quando jovem. Com a idade, não deixou de ser carismático. Sua presença melhorava o humor das pessoas. O jeito com que caricaturava diversos tipos e se expressava com caretas para alegrar a plateia, tornava-o irresistível, sobretudo com as mulheres. Foi o primeiro rebento lá de casa. Parto difícil, infância nada fácil, adolescência mais complicada ainda, mas camuflava sua tristeza com a genial arte de transformar a realidade mais dura, em objeto de riso. E acabava deixando todo mundo encantado! Dava sempre a pincelada certa naquela hora errada em que fazia suas falcatruas e acabava por transformar nossa disposição para a ira em ocasião de perdão. Para mim, era o irmão engraçado que me chamava, quando criança, de “linda boneca” e com quem nunca tive um atrito sequer. Com isso acabei, bem jovenzinha, criando um dos seus filhos. Não havia rosto que não fosse desanuviado pela sua disposição em fazer rir. Sinto que lá no céu, ele está se desculpando dessa forma. Sobretudo pedindo graciosamente para Santo Antônio, de quem era devoto, interceder por ele na hora do julgamento.
A morte de José Roberto não teve nada de dramático. Nem tinha cabimento. Foi-se dormindo. Ele estava com um leve sorriso nos lábios e não deu trabalho a ninguém. Não havia sinais de luta. Parecia que iria acordar a qualquer momento para contar uma piada, com aquele jeito de olhar torto e seu modo leve e divertido de ser. Essa foi mais uma perda de um ente querido que me conduziu à reflexão sobre a morte e as mortes que acontecem em nossas vidas.
O dia em que eu for avó, contarei para meus netos que pessoas são como astros. Umas partem como cometas, outras são estrelas cadentes, e há ainda aquelas que somem e aparecem do nada. Mas não é necessariamente a morte que as leva de nós. A morte de uma amizade é como estrela cadente. Perda irreversível em vida. A pessoa desaparece na noite escura que também mora dentro da gente. As que somem e aparecem de vez em quando, são pessoas que flutuam em nosso mundo. Às vezes uma névoa as encobre. Com a volta do sol, que também é estrela, elas reaparecem. Precisam de luz para que aconteça. Já os entes amados por nós, que passam pela morte física, são como cometas deixando o rastro luminoso das boas lembranças. Mas não morrem de verdade. Estão fazendo seu excêntrico tour em volta do sol.
Guimarães Rosa costumava dizer que “As pessoas não morrem, elas ficam encantadas”! Mais do que isso, José Roberto, o irmão que muito povoou meus sonhos de criança, foi o Papai Noel que me fez feliz por muito tempo e está vivo em minhas lembranças...
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