Ditadura
por Milton
de Oliveira Cardoso Junior
Impossível que o atual
governo tenha interesse em programar uma ditadura de partido único, o outro
lado da moeda, cinquenta anos depois, e que, a menos que queiram eles perder o
bonde da História, seja de interesse deles que o analfabetismo predomine, a leitura
permaneça privilégio de poucos.
Não sei. Pelo homem não se
garante, também pela História, o nosso contexto latino, herança portuguesa.
Argumento de um especialista em livros digitais, o seguinte: o governo
brasileiro impõe ressalvas aos livros digitais para que a leitura não seja
facilitada, os brasileiros tenham consciência política e passem a cobrar os
seus direitos. Bobagem. O que temos é acesso à boa liberdade da democracia. Com
a boa velha limitação. Jorge Amado tinha uma espantosa sabedoria. Sobre o fato
de ser ateu e babalorixá de candomblé ao mesmo tempo, ele respondeu. Cumpria
bem os seus deveres. A desgraça era o sectarismo. Eu me lembro desse
ensinamento: é sábio. Precisamos de uma perspectiva diferente para encarar os
acontecimentos. Tudo tem o seu tempo.
Seguinte: o Brasil tem as
minorias cobrando os seus direitos! Ainda ontem li uma crônica da filha de
Jorge Amado, contando das lutas de sua geração contra a Ditadura. Pois eu não
sabia, e a filha de Jorge Amado, como boa amadiana que é, contou com humor
sobre aquelas lutas... Até marcha com Jesus em defesa da família a direita
promovia! Entendamos essa: hoje, os reacionários promovem a tal marcha para que
as liberdades aspiradas pela geração da filha de Jorge Amado não se
concretizem: o Brasil garante os direitos dos homossexuais, não garante? Tem
leis severas contra o racismo, a homofobia, a... O... Eu gosto muito do Kindle.
Gosto da Amazon.com. Eu gosto de ler. Não gosto de Lula, gosto de Dilma,
importa não sermos sectários.
Vamos a uma escola
pública. Eu fui. Estive em sala de aula. Temos alunos que não leem. Pior, não
sabem interpretar um enunciado. Por outro lado, temos professores que
determinam: leiam “Dom Casmurro”. Eu passei por isso. Sei como é. Não li. Que
sabe um aluno que mal escreve o próprio nome das citações machadianas? Porém:
entrem numa sala de aula e perguntem a um aluno, analfabeto funcional que seja,
o que é liberdade... Eu me formei em Letras para entender por que gosto de ler.
Eu durmo e acordo pensando em livros, escritores, tem dia que fico com a coluna
dormente, pelas longas horas acessando aqueles grupos secretos do facebook:
baixando livros. Tenho um mundo de livros, mas... Levantar bandeira para que
todos leiam?!
Não sei, mas desconfio
como funciona a vida. Há o mundo dos que leem, e há o mundo dos que não leem.
Ou não gostam de ler. São menos sábios? Ou menos inteligentes? Flanem na
internet, em perfis do facebook. Engenheiros, médicos, todos os bons
profissionais em cargos excelentes, ganhando bons salários. Procurem pelo
escritor preferido, cantor preferido e por aí vai, deles. É assim que as coisas
funcionam. A verdade é que temos liberdade até demais. Possível que seja, o PT
não vai querer uma ditadura. Tampouco que o analfabetismo seja uma regra. O PT
tem, sim, fome de poder. O interesse em permanecer no poder conta. Nos dias de
hoje, para que isso seja mantido, esse privilégio que esperou cinquenta anos
para ser conquistado, é necessário que a massa seja instruída. Temos uma
educação pública deficiente, é certo. Hoje, a própria escola se questiona, ao
lado de alunos e pais, livre e consciente, e busca o caminho correto. Lógico,
lá como cá, limitações serão impostas. Nem tudo será um mar de rosas. Assim
caminha a humanidade.
Porém, ditadura?...
Quando me tornei gente, a
ditadura tinha uns poucos anos de vida... Que posso dizer? A gente era
alienada, sim. Não sabíamos, por exemplo, que Caetano Veloso e Chico Buarque
fizeram passeatas contra a ditadura: pra não dizer que não falamos das flores.
(Sobre o sectarismo, ainda: os dois cantores são os mesmos que criticaram a
liberdade de expressão: as biografias não autorizadas. A vida?)
Eu vi, pequeno: a chegada
dos jipes, das fardas, das armas: silêncio: iam matar Lamarca nas serras de
Barra do Mendes: quem soube disso, no tempo da minha pequenez, foi um
privilegiado. Meu pai sabia, mas claro que não me contou. Liberdade.
Eu pegava os livros de meu
pai para ler, às escondidas. Adelaide Carraro. “Submundo da Sociedade”. Putaria
das boas, disfarçada em injustiças sociais. Anos depois, fiquei sabendo de que
tratava a história: a pantera mineira. “O Estudante”... Acreditem. A putaria
era o de menos. A gente chorava com Adelaide Carraro. Liberdade.
Mas é tempo: sobre a
liberdade: tempos de ditadura: a professora de EMC. Não sabe? Educação Moral e
Cívica. Meninos, cuidado com os baobás... Uma maravilha. As aulas, a
professora. Não há como esquecer. É o seguinte: uma aula, manhã fresca de maio.
O céu azul passava através das janelas. A professora interrompeu a aula.
Silêncio: pé ante pé, a professora saiu da aula. Silêncio. Lá se foi ela.
Quando voltou, nos explicou o comportamento estranho: três alunos conversavam
do outro lado, e ela os ouviu: os meninos falavam de... política! Mas ela os
calou, ah! se não os calei! E respirava, as narinas infladas...
Liberdade!
Milton
de Oliveira Cardoso Junior, baiano da Chapada Diamantina, é graduado em Letras,
Língua Portuguesa e Suas Literaturas pela Universidade do Estado da Bahia,
Uneb, Campus XVI, Irecê, Bahia. Surdo desde os dez anos, em consequência de
meningite, tem dificuldade em aprender Libras, talvez pelo fato de ter começado
a ler muito cedo. Entre os seus escritores preferidos, encontram-se Thomas Mann
e Guimarães Rosa.
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2 comentários
Grande Milton. Que texto é esse? Belo, arte e perfeição. Fiquei aqui imaginando em qual gênero ele se permitiria encaixar, em crônica? artigo de opinião? conto? poema-em-prosa? Qual nada! Superemo-los! O que se escreve aí, sobre ditadura, política, liberdade e vida, são bem traçadas linhas e tecidos do jeito-peculiar-milton-de-escrever. Grande Mestre!!
Parabéns Milton. Belas reflexões!!!
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