As Mulheres Poetas na Literatura Brasileira (9ª Publicação) [Rubens Jardim]
VERA CASA NOVA (1944 ), poeta carioca, ensaísta, pesquisadora e professora da UFMG. Tem diversos trabalhos, poesias, ensaios, estudos e pesquisas publicados em livros, internet, jornais, revistas, suplementos literários do Brasil e exterior. Autora, entre outros, de Lições de almanaque e Desertos . Atualmente tem programa na Rádio UFMG Educativa, chamado UM TOQUE DE POESIA, que vai ao ar todos os dias pela manhã e à noite.
Para escrever um poema
não basta um pássaro
ou uma flor:
basta o escrever
se é que basta:
esse pão
essa comida
esse vinho
do escrito
à impressão.
Fica um grito
entalado na garganta.
Tudo o que temos
não basta.
É preciso tirar da morte
da palavra
esse silêncio bastante
de si mesmo
e ouvir uma canção inexistente.
Retorno Rimbaud
Farejo na areia os restos de um instante sem fim
Cada minuto deixa o suave frescor de um mar longínquo
Viajo além.
Percorro a água revolta no barco de Rimbaud
Deixando que o éter em mim se faça.
Simbolista ultrapassado, o poeta ronrona no turbilhão de vertigens pós-tudo.
Toma o chá da luxúria e rasto atrás não deixa.
Brinca nos intercursos da palavra, e
De um segundo a outro, deixa a leveza passar inteira.
Seu caminho asperamente se refaz na areia
12345 conta a dedo as conchas apanhadas
e some com a onda envolto em si mesmo.
Logrogrifos
Logo meu pensamento
Vira verso
Grifo rápido pois ele se vai rápido como o avião
Ou quem sabe o trem.
O poema é ironia da vida
E tu, poeta, morto ou vivo
Circulas deixando rastros
pairando sobre a mesa
na sala de jantar:
poesia é feita pra gente comer.
Dessa solidão
Nada romântica, talvez clássica
Do poeta,
Envio metáforas desconcertantes;
De meu celibato existencial
Clamo pelas palavras possíveis
As não ditas ou apenasmente
Gritadas pelo verso.
No beijo de Rodin
A arte estremece
As mãos passam nas pernas
E
o pescoço
vai soletrando o que a boca e a língua
sofregamente murmuram
O mármore frio
Aquece os ais de Camille.
DALILA TELES VERAS (1946), poeta portuguesa radicada em São Paulo desde 1957. Animadora cultural, há cerca de duas décadas organiza cursos, seminários e congressos. Fundadora do Grupo Livrespaço de Poesia que, de 1983 a 1994, desenvolveu intensa atividade cultural e co-editora da revista literária livrespaço, ganhadora do Prêmio APCA – Associação Paulista de Críticos de Arte, como melhor realização Cultural de 1993. Reside e trabalha em Santo André.
Solilóquios
De tanto ficar consigo
dispensou as palavras
Bastavam-lhe os gestos
(batuta invisível)
a orquestrar o silêncio
Do amor e seus silêncios
No destempero e ardências
da fúria inaugural
a palavra sem proveito
(verbalização de corpos)
No rito já maturado
do caminho reconhecido
a muda comunhão
(frêmito de carne e espírito)
Urgências mitigadas
os silêncios primordiais
já agora interpretáveis
(epifania outonal)
No museu
onde haja silêncio (George Steiner)
Para ver
calar
(ocultos sentidos
a preencher sobressaltos)
Para ouvir
calar
(perturbadoras vozes
coladas às telas
- ruídos da memória)
Para guardar
calar
(outra beleza
ainda não catalogada)
Da insaciável cobiça
"Gloriae et virtutis invidia est comes" (Provérbio Latino)
Cobiço
qualquer coisa
desde que te prive
desde que te despoje
Meus olhos na tua alegria
roubam-te o riso
saqueiam teu saber
e tudo que não tenho
Nem a mim serve
este desejo só desejo
basta-me que nada seja teu
(a felicidade apenas no alheio)
A carne anda cada vez mais fraca
e o silencio cada vez mais comprometedor
cômicos somos nós que estamos falando sério
e pobres são todos, de uma pobreza irremediável
de uma doença incurável, apesar de todos os esforços
da medicina, da psicoterapia, da parapsicologia
quando a única solução seria um sortilégio.
Há políticas bastantes para não pensarmos em nada
e condicionamento suficiente para termos a ilusão de que pensamos
de que somos livres e vivemos como queremos.
Temos vontades baratas: um novo par de sapato
um pouquinho mais de espaço para alongar as pernas
e se possível mais tempo pra reclamar da vida.
Ah, deveríamos desobedecer secretamente a nós mesmos,
imitar um pouco mais os bichos
inventar qualquer forma mais pura
do que esta selvageria civilizada
do que este progresso cheio de violência
do que esta racionalidade que não deu certo.
Meu irmão, o absurdo somos nós.
Sob o Signo da Inquietação
O susto em nós foi avançar muito para dentro do proibido.
Muito para perto de uma zona perigosa
A boca da noite... o desconhecido...
Vagos caminhos de uma via nebulosa.
Vários conceitos para falar da mesma coisa
O susto em nós foi descobrir porteiras
de territórios nunca antes percorridos
No fundo de todos nós um visitante
No fundo, a falta de sentido...
Visitantes de nós mesmos cometíamos
a imprudência de quase enlouquecer
Para chegar à compreensão.
E uma coisa afiada nos conduzia
através da trilha da poesia
e do difícil trajeto da paixão....
Princípio
Na paixão de um homem, na inquietude
das feras, no vermelho
que o fio da lâmina provoca
o olho acostumado a perscrutar
as máscaras, as almas, o que não se confessa.
Na origem profunda do ser
Onde tudo começa
na sua luta contra o tempo
e contra a natureza
em tudo há o desgaste
em tudo o conflito se apresenta
raiz do ataque e defesa
há o mar, a fúria do mar
e a força da rocha que o enfrenta.
Baixo-ventre
eu não agüentava mais de amor por você
tava ardendo de vontade de você
você há de me querer
há de tentar, se atrever
mesmo se for um delito, se for errado
maldito, amaldiçoado
mesmo que o céu nos castigue
com um eterno eclipse
e venha o caos, satã, o fim de tudo
e a gente seja culpado
porque não soube resistir à tentação
eu não quero me livrar desse pecado
e me salvo através dessa paixão.
BETH BRAIT ALVIM (1952), é poeta paulista com forte presença nos ovimentos culturais de São José dos Campos, ABC e São Paulo nos anos 80, 90 e 2000. Tem passagens pelo teatro, cinema e vídeo, artes plásticas e visuais e gestão da cultura. Publicou Mitos e Ritos, Ciranda dos Tempos e Visões do medo, premiado pelo PAC 2007. Participou de diversas antologias no Brasil e no exterior.
a dor doía
horizontal
bastava o pôr-do-sol
e os dias não
eram iguais
hoje o outono escorre nos vitrais
e no outono a dor é
vertical
trajo vestes escuras
e baixo os olhos quando vejo o
horizonte
assim a dor
afunda meus pés no chão
amarra o nariz ao queixo
e a boca cerrada
rumina
terra
Visões baldias
ah se a menina de cinqüenta anos sucumbisse menos às visões do juízo final e vagasse mais nas feiras e terrenos baldios à beira do surto daqueles dias onde o muco anterior às boas maneiras mantinha o sinal o segredo a magia e rompia o novelo da mãe da avó e das tias, por certo ela desfilaria todas as noites e dias sua saia de absinto meias de cereja e seus dentes de ninfa pulsando nas esquinas
meu útero seco banhado pelas águas das andorinhas
a lua em frente
um antro de poetas mortos nas asas do meu cérebro
a tramontana de Portbou rangendo nas travas das câmaras de gás
a transfusão do câncer que tritura minha mãe
eu quero verter lixo tóxico
pra ver se meu sangue limpo
respira por mim
Em nossos dias
o poste ainda
espera um bêbado
que tropece um tango
vocifere um Rimbaud
ou exorcize uma Anaïs
não é fácil em nossos dias sorver
em taças de cristal luas de
celofane como se fossem hóstias
Fruto
não lambuzo o beiço
nem salivo doce
diante do meu fruto
predileto
a casca áspera no
caminho do seu pomo
lanha-me a garganta
não lambuzo o beiço
nem salivo doce
engulo seco
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