A BIBLIOTECÁRIA
Uma ambição significativa
do realismo literário contemporâneo reside na combinação de um enredo
verossímil com descrições sexuais que – além de manifestarem um elemento
essencial da vida social – não possam ser confundidas com a imaturidade
adolescente. Infelizmente, salvo engano, a prática desmente a possibilidade de
sucesso dessa ideia. Muitos são os obstáculos. São poucos os escritores que
conseguem resistir aos prazeres proporcionados pelo sucesso econômico e
publicitário. Prevalece o mais fácil – que em 80% dos casos significa preguiça,
ausência de técnica e falta de criatividade.
De forma surpreendente,
quase escandalosa, sem levar em consideração que a modernidade está saturada
por imagens sexuais, diversas editoras brasileiras, preocupadas com as
finanças, estão apostando em satisfazer os apetites dos apreciadores do nicho
denominado mommy porn (pornô para mães). São tantas as publicações similares –
quase todas traduzidas – que se torna difícil distinguir se algumas delas
possuem algum componente estético ou literário relevante.
O romance A Bibliotecária,
de Logan Belle (pseudônimo de Jamie Brenner), aposta suas fichas em um enredo
que se parece ter sido copiado da trilogia Cinquenta Tons, escrita por Erika
Leonard James. Poucas são as diferenças, muitas as similaridades. Se não fosse
a mudança de cenário e alguns outros detalhes, poderia ser considerado como um
plágio escancarado.
Regina Finch, virgem,
quase inexperiente nas brincadeiras entre homens e mulheres, depois de terminar
um mestrado em biblioteconomia e ciência da informação, consegue o emprego de
seus sonhos na Biblioteca Pública de Nova Iorque (localizada na Quinta
Avenida).
A história da jovem que
compensa as carências afetivas manipulando volumes empoeirados modifica-se no
dia em que, explorando o local de trabalho, entra na sala Barnes – que abriga
uma coleção fora do alcance dos visitantes. Ao abrir a porta, vê uma cena digna
dos romances pornográficos do século XVII. Abalada, se retira rapidamente.
Antes, permite que o homem perceba a presença da voyeur.
O que se segue é
previsível – inclusive a abundância de diálogos superficiais, que fornecem
volume para uma narrativa que não possui densidade suficiente para preencher
cinco páginas. O multimilionário Sebastian Barnes, presidente do Young Lions,
um conselho que arrecada fundos para a Biblioteca, rapidamente seduz a
bibliotecária – que revela grande imaturidade emocional. Ao entregar o coração
e o corpo ao Casanova extemporâneo, Regina transforma-se em objeto sexual. Ou
melhor, em um simulacro de Bettie Page . O sujeito tem um fetiche pela modelo
estadunidense da década de 50, famosa por suas fotos como pin-up.
O enredo da narrativa, que
era praticamente inexistente, se dilui na sequência de várias cenas de sexo
selvagem. Acontece de tudo – felação, cunnilingus, sexo vaginal, sodomia. Os
livros, depositados nas estantes da Biblioteca, se transformam em testemunhas
silenciosas de algumas dessas brincadeiras.
Sebastian, que em público
parece ser inofensivo, em particular amplia o prazer sexual dominando as
mulheres com doses de sadismo leve (mas não muito). Entre outros divertimentos,
obriga Regina a usar plugues anais. Quando é desobedecido, não se constrange em
marcar a pele da mulher com o chicote. Como compensação, ao permitir esses
abusos, ela recebe em troca fantásticos orgasmos e alguns presentes (roupas, joias
e uma coleira – símbolo de que o corpo da fêmea pertence ao macho).
O happy end, que nesse
tipo de texto significa uma relação estável e exclusiva, ocorre de forma
natural. Praticamente uma confirmação do princípio hedonista masculino que
transforma os corpos femininos em parque de diversão.
Trocando em miúdos: manter
distância de A Bibliotecária é uma atitude saudável.
Raul
J.M. Arruda Filho, Doutor em Teoria da Literatura (UFSC, 2008),
publicou três livros de poesia (“Um Abraço pra quem Fica”, “Cigarro Apagado no
Fundo da Taça” e “Referências”). Leitor de tempo integral, escritor ocasional,
segue a proposta por um dos personagens do John Steinbeck: “Devoro histórias
como se fossem uvas”.
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