O mercado editorial sob a
ótica dos escritores III: a escritora que conhece e-books como poucos também
quer publicar em papel
entrevista com Maurem
Kayna, escritora independente
Maurem Kayna é engenheira
e escritora. Nesta entrevista ela nos ensina a importância de estarmos atentos
as tecnologias para termos êxito como um escritor independente. A seleção de
contos finalista do Prêmio Sesc de Literatura 2009 – Pedaços de Possibilidade
-, foi seu primeiro e-book. Seguiu lançando outras experiências de auto
publicação, testando várias ferramentas e plataformas para publicação
independente.
Desde quando você escreve
e como surgiu a vontade de publicar?
A lembrança mais remota
que tenho quanto à escrita é um concurso de poesias do qual participei quando
estava na sexta série, lá em Santa Maria, mas ficção mesmo ou algo de que eu
não tenha vergonha de rever foi em 1998, quando escrevi o conto De teias e
paletas (que acabou sendo publicado na antiga revista O Bestiário, em 2004). A
vontade de publicar surgiu quando comecei a usar a internet e descobrir
diversos sites voltados à literatura que começavam a abrir essa possibilidade
de ser lido sem passar pelo crivo de uma editora. Lembro que nessa época ou um
pouco depois cheguei a enviar material para a extinta Livros do Mal, que foi
bastante atenciosa ao responder, mesmo rejeitando o volume de contos porque não
tinha a ver com a linha editorial deles. Hoje tenho senso crítico suficiente
para saber que eram textos fracos e mal acabados.
Você publicou seus
primeiros livros em formato digital pela Simplíssimo, certo? Como se deu essa
publicação? Você precisou investir na produção do livro?
O e-book Pedaços de
Possibilidade não teve nenhum custo para mim. A história foi assim, quando
enviei o material ainda não havia a Simplíssimo, mas um projeto chamado Editora
Plus - na verdade uma ONG que, entre 2008 e 2009, publicou alguns dos primeiros
e-books brasileiros em formato ePub. Quando eles me responderam houve o convite
para, ao invés de distribuir o conteúdo gratuitamente como a Plus pretendia,
publicar através da Simplíssimo que iniciava o negócio com uma livraria
virtual.
Em linhas gerais, como era
o contrato de publicação? E o que você diria para um autor iniciante cuidar num
contrato como esse?
O contrato com a
Simplíssimo previa que eles produziriam o e-book e o colocariam a venda em sua
própria loja online e em outras como a Amazon. Eu receberia 70% do preço de
capa e poderia acompanhar as vendas através de relatórios periódicos. Os
direitos autorais continuariam sendo meus, mas o arquivo digital não poderia
ser comercializado sem prévia autorização da Simplíssimo. Eles sempre foram muito
tranquilos quanto isso, porém, pois cheguei a vender o e-book de modo
independente no HotMart (um site focado na venda de conteúdo digital) e
atualmente na Amazon sou eu quem administro diretamente as vendas. Acho que
autores que queiram embarcar na aventura da auto publicação devem antes de tudo
ter ciência dos seus objetivos e limitações. É importante proteger seus
direitos autorais (no meu caso a própria Simplíssimo fez o registro na
Biblioteca Nacional), mas muitas editoras não fazem isso, pois tal registro não
é obrigatório para vender e-books em diversas lojas online. Quanto às
expectativas, é possível sim vender muito, mas isso depende de um ótimo plano
de divulgação, coisa que a maioria das prestadoras de serviço na edição de
e-books não oferece.
Qual a repercussão de seu
livro publicado em formato digital? Você teve algum retorno financeiro?
Se falarmos em unidades
vendidas, foram pouco mais de 100 (embora eu tenha recebido a informação de um
site de downloads gratuitos onde disponibilizei o e-book de que houve mais de
2400 downloads). Não houve retorno financeiro nem era esse meu objetivo, pois
sou muito realista quanto às reais possibilidades de se viver de literatura;
tenho os pés suficientemente apoiados no solo para não sonhar com isso.
Você já enviou originais
para editoras tradicionais, com publicação impressa? Qual foi o retorno
recebido?
Já enviei e a única vez
que recebi uma resposta foi mesmo da Livros do Mal. O silêncio impera. Mas não
me sinto ressentida com isso. Acho que devemos ter senso de realidade para
saber que a chance de um desconhecido vir a ser percebido e avaliado de fato em
uma editora - e não importa o tamanho - é baixíssima, questão de probabilidade.
Isso não me convence a desistir, mas me faz não sofrer com a ausência de
respostas. Além disso, tenho perfeita noção de que não sou o novo gênio da
literatura latino-americana que os críticos estão perdendo a oportunidade
revelar. Por outro lado, o fato de ter ficado entre os finalistas do Prêmio
Sesc de Literatura, em 2009, ajuda a vencer aquela sensação que possivelmente
todo o autor tem quando questiona a pertinência de suas criações.
Recentemente, você teve um
projeto aprovado em um edital para a publicação de um livro impresso como parte
de um projeto cultural maior. Conte um pouquinho sobre o projeto.
Sim! Foi uma grata e real
surpresa. A origem de tudo foi a provocação que me levou a criar uma literatura
pensada para o meio digital. O Labirintos Sazonais acaba de ser contemplado com
recursos do Fundo de Apoio à Cultura do Estado do Rio Grande do Sul e vai sair
dos bytes para as páginas. Em parceria com Airton Cattani, estamos trabalhando
em alternativas de impressão para trazer ao papel a possibilidade de leitura
não linear proposta no site – onde o leitor escolhe uma entre quatro
alternativas possíveis de início, de meio e de fim da história, totalizando,
por combinações, 64 histórias diferentes conforme a estação do ano eleita. Mas
o foco principal do projeto não é a publicação de um livro (embora isso me
deixe obviamente feliz, muito… aliás), mas provocar o interesse pela leitura
através de atividades com professores e potenciais leitores. Explico. Vamos
realizar oficinas em escolas públicas de quatro municípios onde conseguirmos
mobilizar professores de matemática (já que o texto foi estruturado com base em
análise combinatória), idiomas (porque há versão em inglês e português),
educação artística (focando no uso da fotografia digital como complemento aos
textos) e literatura (dispensa razões, não é?) para que os alunos-leitores
sintam a integração da leitura com outras áreas de conhecimento, experimentem o
envolvimento com o texto ( já que podem escolher a composição da história
através das estações do ano) e, esperamos, passem a ler mais. E para isso conto
com a parceria de Marcelo Spalding e Ana Mello!
Como surgiu a ideia de
recorrer a um edital para a publicação do livro? Você contou com a ajuda de
algum profissional para submeter o projeto?
Há algum tempo eu vinha me
informando sobre o crowdfunding e protelava a estruturação de um projeto a ser
submetido, pois isso toma tempo e exige planejamento. Eis que um belo dia
recebo um e-mail de um amigo virtual, também escritor, divulgando o serviço de
apoio na elaboração de projetos para editais como esse. Papeamos um par de
horas pelo Skype e começamos a trocar ideias por e-mail para estruturar o
projeto. Confesso que sem esse apoio do Rogers Silva não teria conseguido,
porque não tinha experiência alguma com esse universo.
Além do livro publicado
pela Simplíssimo, você produziu pessoalmente alguns livros para plataformas
como iBooks e Publique-se, certo? Como foi sua experiência com essas
plataformas?
Sou curiosa e xereta ao
extremo, então desde que me aproximei do universo dos e-books tento me informar
e ao menos conhecer tudo o que diz respeito às diferentes etapas, desde a
produção até a venda. Nisso, já testei diferentes softwares de edição e duas
gratas surpresas foram o sigil e o iBooks Author. O primeiro requer um pouco de
conhecimento em HTML e me ajudou a fazer ePubs bem básicos para ler em
e-readers. Já o iBooks Author, apesar das brigas com o sistema de avaliação da
Apple (que já contei aqui) é uma ferramenta incrível para fazer e-books bonitos
e de modo relativamente fácil. Mas tem um forte limitador: só funciona para
iPad. Entretanto, o e-book que disponibilizei gratuitamente na iBookstore, sem
grandes planos de divulgação, teve mais 500 downloads, o que não é desprezível
para uma ilustre desconhecida que não escreve sobre vampiros, zumbis ou
pornografia açucarada.
Marcelo Spalding
é formado em jornalismo e mestre em Literatura Brasileira pela UFRGS,
professor da Oficina de Criação Literária da Uniritter, editor do portal
Artistas Gaúchos, autor dos livros 'As cinco pontas de uma estrela',
'Vencer em Ilhas Tortas', 'Crianças do Asfalto', 'A Cor do Outro' e
'Minicontos e Muito Menos', membro do grupo Casa Verde e colunista do
Digestivo Cultural. Recebeu o Prêmio AGES Livro do Ano 2008 pelo livro
'Crianças do Asfalto', categoria Não-Ficção, e o Prêmio Açorianos de
Literatura em 2008 pelo portal Artistas Gaúchos. Site: www.marcelospalding.com.
Esse texto foi originalmente publicado no site: http://www.artistasgauchos.com.br/
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