Setenta Anos do
Francisco Buarque de Hollanda
“Como partir se na desordem do armário
embutido/
Meu paletó enlaça o teu vestido/
E teu sapato ainda pisa o
meu?...”
(Eu Te Amo/Chico Buarque)
-Diz uma pesquisa que vaga pelaí
na Web, daquelas que ninguém sabe de onde veio ou para onde vai, nem por quem
foi feita ou com que propósito, que o bonito cantor-compositor Chico Buarque é
mesmo o protótipo do que todo homem brasileiro gostaria de ser. No duro? Eu,
aliás, queria ser o Pablo Neruda, o Fernando Pessoa, ou o ... Será o impossível
que eu não tenha ninguém brasileirinho mulato-café de modelito-matrix? Pois é,
caros amigos: o Francisco Buarque de Hollanda vai fazer 70 anos, e a mulherada
está açodada, pra dizer o mínimo. Tem perua querendo voar. Ver pra crer. Eu fiz
50, 60 e nem tchum. Deve ser porque eu sou do Brasil e ele é da Hollanda...
Fala sério, ô! -Mas, podes crer, que estupenda fera é o Chico, né não? Meu
ídolo número um, além do Rivelino é o Caetano Veloso, mas o Chico - como o
Taiguara e a Elis Regina também chegam perto. Pois o “pegador” Chico, solteiro
e jogado pra traças – vem uma ele traça, vem outra ele traça – faz niver e a
tchurma da mídia pansexual alardeia pra mais de metro tal ágape. Tô nessa. Pois
é: 70 anos no nosso Brazyl S/A é só mesmo pro Cae, pro Chico, pro Caymmi, pro
Millôr, pro Ziraldo, pro Emerson Fittipaldi...pro Pelé, a burguesia, no caso do
Chico, intelectual. Eu posso fazer cem anos de durança tomando viagra pra fazer
xixi, e, sei, pobre não faz anos. Dura. Dura um pouco mais, até porque a vida
para o pobre começa aos 50. No SUDS. Ou no morgue.
Mas vamos ao fato. Voltemos a
vaca fria. O Chico faz 70 anos e, claro, eu também quero dar o que falar. Vai
que sai numa revista Caras Revisited. Ou numa edição especial da Caros Amigos!
-Eu era imberbe ainda, bem precoce até nos meus pueris escrevinhares, e o Chico
cantava, além da mulherada, com aquele seu jeito de bibelô sexual, a premiada
canção ligeirinha chamada “A Banda” vencedora do Festival na Record, com
arranjo, claro, vá lá, do meu conterrâneo premiado, o Maestro Gaya de
Itararé-SP, como a Elvira Pagã. Saravá, caiporas! -Aliás, o Chico Buarque, pra
fazer maior sucesso mesmo, só se engravidasse. Nascesse aí uma Marieta Severo
“Juniar”... Tô fugindo do assunto? Pois é, lusonautas: não quero entrar logo no
âmago da questão. Tô enchendo lingüiça, ora! -Vamos por partes, diria Jack O
Estripador. Influenciado pelo poeta Vinicius de Morais, rotineiro visitante de
seu pai Sergio Buarque de Hollanda, que ficava até tarde cantando e tocando em
seu solar, enquanto sua mãe fazia a comida e confessadamente tomava umas doses
boas de pingas, cachaça mesmo, o Chico Buarque teve meio, berço, escola,
talento e lucidez, tudo isso dito por último, de forma precoce até. Num barzico
de esquina perto da FAAP, área nobre de Sampa (perto da Av.
Higienópolis/Pacaembu, etc), Chico ia tilitintar seu violão, ameaçando seus
primeiros acordes, bebericando alhures, catando as calouras colegas pedaçudas,
quando por ali pintou o Maestro Lindolpho Dudu Gaya que morava rente, na Rua
Tupi, perto da antiga Praça Marechal Deodoro sede da futura Rede Globo que
ainda iria veicular dominicalmente o Silvio Santos em ápice de carreira
televisiva então. Pois o Maestro Gaya, na flor da idade, migrante de Itararé,
minha santa terrinha, ali fumando como um caipora e também biritando uns
rabos-de-galo, ouviu o branquelo moço simpático, bonachão, com umas letras
matematicamente belas, umas musiquinhas mais pro estilo modinha de trovadores
antigos, e, entrando de vereda no papo (e tins e tons & tais) deu uns
palpites de supetão, mostrou conhecimento de causa e efeito (e faro fino,
talvez) afinou melhor o violão encardido, deu umas dicas de melodia, harmonia e
ritmo, e, quando se viu, bons de papo, logo se tornaram amigos, quando lá foi o
Chico provar dos pratos da Estelinha Gaya (mulher do Maestro Gaya), ficaram
amigos pelo espírito da música que é mãe, entraram em festivais, afinaram
entidades semelhantes, venceram, o Maestro Gaya, a alma da música, ganhou
vários prêmios (melhor arranjo) e o Chico estourou naqueles anos que a Canalha
de 64 começava a prostituir o país e todos eram transgressores, rebeldes,
sonhava-se uma pátria livre ou morrer pelo Brasil. Ai de ti, Redentora! Ou
seria Redenzorra? -Deu no que deu.
O Brazyl S/A e o talentoso
Maestro Gaya (que foi morar no céu pra afinar o violino chuvuoso de São Pedro)
enquanto o Chico Buarque daqui está por cima da carne seca, sessentão setentão
e tudo mais que só vendo. Por que o disgramado do Sr. Francisco Buarque de
Hollanda faz tanto sucesso? E não é só com a mulherada não, mas até com os,
ponhamos, GLBTs. Isso mesmo. Chico exorbita uma tácita sedução do mulherio ao
sul do Equador.
Literalmente. Poético, meio
mineirinho ao estilo zen-comequieto, aqueles olhos azuis e jeito de boi
lambido, nada pavão mas com azeitada postura de carente, o que tanto atrai as
presas-musas-vítimas. Joga bom futebol rotineiro com os amigos do peito, no
recreio do se espreguiçar da vida escreve um livro aqui e outro ali (não gosto
muito do Chico escritor) monta um grupo de amigos para escrever um texto de
teatro, liga pro Edu Lobo e trocam letras & músicas, mas nunca é
exibicionista ou aparenta o que é mesmo sem querer ser: celebridade. -Esse é o
Chico Buarque setentão que não quer nem saber de festa, foge do forfé datado,
muito menos de bolo ou mesmo o tal “é pique, é pique, é pique!” Chia fácil
quando indagado a respeito. A filha Silvia Buarque e a irmã Miucha que o digam.
Sai de baixo! -Há um glamour algo brega-cafona em torno do atraente Chico
Buarque e seu jeito todo metódico de ser.
Merecidíssima a fama, a lenda,
aliás. Cativa as mulheres, faz uma poesia matemática, numa linguagem que tira
ouro das simplicidades musicais, cantando o lado prosaico-coloquial da vida. É
elegante com as mulheres de antenas, tem uma ética inerente, talvez herança do clã
chique e culto. Pior, ainda compreende a alma feminina, mais do que a própria
alma feminina compreende à si mesma. Retrata vivências amorosas com carinho,
faz pauta de relações de conflitos, e, quando ouvimos suas canções, temos a
impressão que é o nosso lado coisa nos dizendo aquilo ali, na fuça, olhos nos
olhos... Perturbador dos sentidos. Refluxos sensoriais. O Chico Buarque é um
perigo, ora essa! Sua obra transcende seu tempo, o imaginário, quase que é um
feitiço, na riqueza brava de sua simplicidade cativante... Eu, hein? -Trocas,
relações, o caos, os sonhos, traições, amizades, boemias, feijoadas
comunitárias, os arranjos, as rimas, os achados poéticos, canções que
emocionam, tudo é vertido para outras línguas. Um peregrino amigo meu, viajando
pela Alemanha, em Berlim, de madrugada, saindo de um bunker etílico daqueles,
ouviu um bando de punks arianos assoviando juntos “A Banda”. Aí tem coisa...
-Será que o Chico Buarque é um bruxo que, com suas cançonetas mágicas fatura as
fêmeas insaradas? Tô de olho! É bem capaz do Chico Buarque ficar um ancião
lindo de morrer, como o Dorival Caymmi, se disfarçando de Julinho da Adelaide.
Mas aí já é querer demais, né não? -Sofisticado e popular, diz umazinha, perua
entojada. Chique no último, diz outra teen, repetindo um dizer bem chão. Chico
Buarque fazer setenta anos tá ficando perigoso. A Grã Bethânia diz que até tem
orgasmo, quando recebe canção inédita dele. Será? -Acho que vou pegar minha
radiola do porão de trastes velhos, catar um daqueles long-plays tijolões
(bolachões) em que o Chico canta os primeiros sucessos – arranjos do Maestro
Gaya – e botar pra rodar – a noite é uma criança! – só para ficar tomando umas
e outras, relembrando uma Itararé de antigamente, do tempo que eu era um rapaz
que amava os Beatles e Tonico & Tinoco, e em que Chico Buarque começava a
pintar como o maior catador de gatas de nossa riquíssima MPB, e que nos deu o
seu talento, a sua qualidade humana, a sua poesia, o seu lado star para
gandaiar no rol dos maiores craques-letristas como Noel Rosa, Lupiscinio
Rodrigues, Tom Jobim, Pixinguinha, Lamartine Babo, e tantos outros.
-Parabéns
caro amigo Chico Buarque.
Não tô mais com ciúme. Se não
temos como evitá-lo algo concorrencial, pelo menos juntemos os batuques e,
pondo mais água no feijão da epopéia, lavremos nosso assento de respeito e
admiração, mais um pleito extraordinário de eterno reconhecimento pela
estupenda musicália chicobuarquiana. -Que venham (com açúcar e com afeto) os 80
anos dessa obra prima chamada Francisco Buarque de Hollanda!
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